Governo remete 35 horas ao Parlamento sem saber custo da medida

PS admite deixar cair Julho da proposta das 35 horas, mas com condições. CGTP mantém greve até ter a garantia “por escrito” de que será assim.

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O ministro das Finanças, Mário Centeno, reuniu-se nesta quarta-feira com os sindicatos da Função Pública GUILHERME MARQUES

O Governo ainda está a avaliar quanto custa reduzir o horário da função pública de 40 para 35 horas semanais, apesar de este ser um assunto que está já a ser debatido no Parlamento. No final de uma ronda de reuniões com os sindicatos para discutir o Orçamento do Estado para 2016, o ministro das Finanças, Mário Centeno, admitiu que “neste momento não há uma estimativa sector a sector” sobre os custos da redução do horário de trabalho no Estado.

“A informação sobre esta matéria não existe na Administração [Pública] e não conhecemos nenhum estudo em que estas matérias tenham sido avaliadas também nas outras alterações legislativas que foram feitas. É esse o esforço que é preciso desenvolver neste momento”, disse o ministro. 

Sem poder adiantar quanto custará a medida, Mário Centeno lembrou que “no programa do Governo, a referência às 35 horas é muito clara” quando diz que “não deverá implicar um aumento global dos custos com pessoal”. O custo da redução do horário de trabalho, insistiu “terá de ser nulo no conjunto da Administração Pública”.

Na prática, embora o PS, o BE, o PCP e o PEV tenham já projectos de lei para a reposição das 35 horas semanais no Estado — que foram discutidos na generalidade também nesta quarta-feira —, o Governo desconhece qual o custo da medida. E também não adianta como é que os serviços a poderão por em prática sem aumentar as despesas globais com pessoal, deixando em aberto a sua aplicação.

Confrontado com a ameaça de uma greve nos serviços da administração central — convocada por alguns sindicatos ligados à CGTP que se opõem à data de entrada em vigor das 35 horas prevista pelo PS —, Mário Centeno remeteu a resposta para o Parlamento. 

“As 35 horas é uma matéria que está a ser tratada em sede parlamentar, as primeiras propostas entraram na Assembleia da República ainda este governo não tinha tomado posse”, lembrou. “O processo legislativo está a correr, não temos sequer ideia de quando é que ele terminará”, referiu, acrescentando que “o Governo vai estar atento” ao processo.

PS deixa cair entrada em vigor em Julho
No Parlamento, onde se discutiram na generalidade os projectos de Lei dos partidos da esquerda, o PS parece estar disposto a deixar cair a entrada em vigor do diploma a 1 de Julho, eliminando assim a principal razão para a marcação da greve.

“Admitimos que na especialidade a data possa não constar, desde que sejam cumpridas as condições que consideramos razoáveis para a entrada em vigor da medida”, disse ao PÚBLICO a deputada e vice-presidente da bancada parlamentar socialista, Luísa Salgueiro. Essas condições são duas: evitar a ruptura de funcionamento dos serviços, sobretudo os que funcionam em permanência, e a redução do tempo de trabalho não pode implicar aumento de custos, nomeadamente com trabalho extraordinário.

“É preciso haver negociação sector a sector. Se, por exemplo, na saúde, todos os enfermeiros passarem a trabalhar sete horas, tal poderá gerar dificuldades para a população. Vamos cumprir o nosso compromisso, mas sem perturbar o funcionamento da Administração Pública”, argumentou.

O foco dos restantes partidos está na abrangência das 35 horas, embora todos defendam a entrada em vigor o mais depressa possível. Durante o debate desta quarta-feira PCP e BE defenderam que a redução da semana de trabalho tem de abranger todos os funcionários pagos pelo Estado, independentemente do tipo de vínculo. O PEV vai mais longe e propõe a redução do horário semanal também no sector privado.

Todas as matérias que estão em aberto são remetidas para a discussão das propostas em sede de especialidade.

Greve mantém-se, pelo menos para já
Embora haja disponibilidade do PS para responder às reivindicações dos sindicatos, a ameaça de greve não está ainda afastada. Ana Avoila, dirigente da Federação de sindicatos da CGTP que convocou a paralisação para 29 de Janeiro, deixou claro que “a bola está do lado da Assembleia da República”. “A greve só será desconvocada se, no quadro parlamentar, tivermos garantias escritas de que as duas condições — a entrada em vigor em Julho e a regulamentação da lei que remete a entrada em vigor [das 35 horas] para Outubro — serão retiradas”, desafiou.

A Federação de Sindicatos da Administração Pública (Fesap), ligada à UGT, não afasta a possibilidade de uma greve. Mas, para já, os sinais que chegam do Parlamento e a disponibilidade do Governo para negociar são positivos e deixam a organização optimista quanto ao desfecho do processo das 35 horas, disse ao PÚBLICO o dirigente José Abraão.

Helena Rodrigues, presidente do Sindicatos dos Quadros Técnico do Estado (STE), entende que ainda é cedo para recorrer a uma greve, embora defenda a entrada em vigor das 35 horas "o mais breve possível." "A greve é o último recurso. Neste momento estamos no início de um processo negocial", disse no final da reunião com o ministro das Finanças.

O ministro lembrou que as 35 horas não foram o tema central das reuniões que serviram, sobretudo, para discutir a metodologia a seguir nas próximas reuniões, com a separação entre as reivindicações e propostas dos sindicatos que têm incidência orçamental, e que serão discutidas no imediato, e as outras “que serão tratadas posteriormente”, como garantiu o ministro.

A próxima reunião está marcada para 28 de Janeiro. A data, garantiu Mário Centeno, já estava previamente agendada e o facto de ser na véspera da greve foi mera coincidência

Os funcionários públicos passaram a trabalhar 40 horas por semana a partir de 28 de Setembro de 2013. Na altura o governo de Passos Coelho e Paulo Portas justificou a medida com a necessidade de conter as despesas com trabalho extraordinário e de responder à redução do número de trabalhadores que estava em curso.

Na altura, o executivo de Passos Coelho/Paulo Portas esperava uma poupança entre 153 e 200 milhões de euros anuais. Numa carta que enviou em Maio de 2013 à Comissão Europeia, ainda antes da lei das 40 horas no Estado ser aprovada, a poupança estimada rondava os 200 milhões de euros anuais, mas no Orçamento do Estado para 2014 a estimativa foi revista em baixa e não ia além dos 153 milhões de euros anuais.

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