Governo desafia Cavaco e pede ao Parlamento que confirme aumento dos descontos para a ADSE

Diploma enviado ao Parlamento tem "rigorosamente" os mesmos termos que o decreto-lei vetado pelo Presidente da República, admitiu nesta quinta-feira o Governo.

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Marques Guedes falou no final da reunião do Conselho de Ministros Daniel Rocha

O Governo vai enviar para o Parlamento, “rigorosamente nos mesmos termos”, o diploma que agrava os descontos dos funcionários públicos e aposentados para a ADSE, desafiando o veto político do Presidente da República. Horas depois de Cavaco Silva ter decidido vetar o decreto-lei que aumenta de 2,5% para 3,5% os descontos para os subsistemas de saúde da função pública, o executivo de Passos Coelho deixou claro que não vai abrir mão da proposta.

O Governo quer evitar um revés numa das medidas alternativas que desenhou para responder ao buraco deixado em aberto pelo chumbo da convergência das pensões. Em causa estão, segundo as conta apresentadas pelo executivo, 150 a 160 milhões de euros que espera arrecadar com os aumentos dos descontos para a ADSE e os subsistemas de saúde dos militares (ADM) e forças de segurança (SAD). Mas a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) aponta para um valor mais reduzido na ordem dos 133 milhões de euros.

Tal como se explica na página da Presidência da República, “o veto político é absoluto, no caso de diplomas do Governo, mas é meramente relativo, no caso de diplomas da Assembleia da República”. O Governo é obrigado a acatar o veto político: ou abandona o diploma ou então altera-o no sentido proposto pelo Presidente da República. Já o Parlamento pode ultrapassar o veto político se aprovar o diploma, sem alterações, por maioria absoluta. Foi esta segunda via a escolhida pelo Governo.

Luís Marques Guedes, ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares, confirmou que o texto enviado à Assembleia da República está "rigorosamente nos mesmos termos em que o diploma tinha sido aprovado em Conselho de Ministros em Janeiro".

E alertou, citado pela Lusa, que nesta altura qualquer recuo nas medidas poderia pôr em causa a 11.ª avaliação e o encerramento do programa da troika. "O país está a dois meses de terminar com relativo sucesso o programa de assistência e não é possível, nesta altura, suspendermos o encerramento do programa, suspendermos a 11.ª avaliação", advertiu, à saída de uma interpelação ao Governo agendada pelo PCP.

A reacção ao veto de Cavaco terá sido, aliás, acertada nesta quinta-feira com as autoridades internacionais. Questionada sobre as consequências da decisão presidencial na conclusão da penúltima avaliação do programa, fonte oficial da Comissão Europeia não quis tecer comentários, frisando apenas que a questão seria decidida pelo parlamento português.

Para evitar percalços, o executivo recorreu a um expediente que está previsto na Constituição, mas que foi entendimento – pela oposição e pelos sindicatos – como uma afronta a Cavaco Silva. O ministro negou, lembrando que não é a primeira vez em democracia que um governo decide enviar um diploma vetado para ser confirmado pelo Parlamento.

As razões do Presidente…
A decisão de Cavaco Silva foi tomada na terça-feira, mas só nesta quinta-feira foi tornada pública. Na nota que acompanha o veto, o chefe de Estado considera que o aumento dos descontos visa “sobretudo consolidar as contas públicas” e manifesta “sérias dúvidas” sobre a necessidade de aumentar as contribuições dos trabalhadores e aposentados para garantir a auto-sustentabilidade dos subsistemas de saúde da função pública.

"Numa altura em que se exigem pesados sacrifícios aos trabalhadores do Estado e pensionistas, com reduções nos salários e nas pensões, tem de ser demonstrada a adequação estrita deste aumento ao objectivo de auto-sustentabilidade dos respectivos sistemas de saúde", refere o Presidente.

Tendo por base a nota informativa enviada pelo Governo, refere ainda o comunicado de Belém, os 3,5% permitirão arrecadar uma receita que excede significativamente a despesa prevista no orçamento da ADSE. "Verifica-se até que, mesmo que o aumento pretendido fosse apenas de metade, ou seja, de 0,5 pontos percentuais, ainda assim haveria um saldo de gerência positivo não despiciendo", justifica Cavaco Silva, "sendo indiscutível que as contribuições para a ADSE, ADM e SAD visam financiar os encargos com esses sistemas de saúde, não parece adequado que o aumento das mesmas vise sobretudo consolidar as contas públicas", argumenta o chefe de Estado.

De acordo com as contas da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), este aumento dos descontos dos beneficiários e a manutenção das contribuições das entidades empregadoras levam a que o orçamento da ADSE passe a apresentar um excedente superior ao previsto de 133 milhões de euros.

É que a decisão de aumentar os descontos suportados pelos beneficiários não foi acompanhada pela redução da contribuição paga pelos serviços públicos por cada trabalhador e que é actualmente de1,25%, gerando um excedente no orçamento do subsistema de saúde. O problema é que esse excedente não reverte a favor da ADSE, mas a favor do Orçamento do Estado. E é isso que leva o Presidente a criticar a proposta do Governo.

Mas se esse problema se poderia resolver com uma redução dos descontos exigidos às entidades empregadoras e com um aumento mais moderado dos encargos dos beneficiários, os restantes reparos de Cavaco Silva são mais estruturais.

O Presidente critica a transferência de 60 milhões de euros do orçamento da ADSE para o Serviço Nacional de Saúde “a título de pagamento das comparticipações devidas com a aquisição de medicamentos por parte dos beneficiários”. Esta medida, realça, “não pode deixar de suscitar as mesmas dúvidas, uma vez que tais comparticipações são igualmente devidas pelo SNS a quem não seja beneficiário destes subsistemas”.

E sobre a “eventual insustentabilidade” do sistema no futuro, diz que estará mais associada ao facto de a ADSE ser um sistema voluntário desde 2011 do que ao montante das contribuições. “Para esse efeito alertaram as Forças Armadas e as forças de segurança [quando confrontadas com a possibilidade de os seus subsistemas passarem a ser voluntários, algo que acabou por não acontecer], prevendo que tal levaria à saída ou à não-inscrição dos mais novos, ou dos que auferem salários mais elevados, conduzindo a que a sustentabilidade do sistema ficasse seriamente comprometida", lembra.

Para compensar o chumbo da convergência das pensões pelo Tribunal Constitucional, o Governo alargou a base de incidência da Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES) às pensões a partir de 1000 euros brutos – medida promulgada esta semana pelo Presidente da República – e aumentou os descontos para a ADSE. Ao todo esperava arrecadar os 388 milhões de euros e garantir a meta do défice de 4%, prevista para o corrente ano.

O impacto das medidas poderá estar sobreavaliado, mas o Governo espera conseguir encontrar formas, dentro da execução orçamental, para compensar essas situações. Contudo os riscos não estão afastados, até porque os partidos da oposição já prometeram levar ao Constitucional a nova CES. Com Sérgio Aníbal

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