Gestores nomeados pelo PS defendem em tribunal cortes do anterior Governo

Num recurso judicial da Metro de Lisboa, a suspensão dos complementos de reforma, que o executivo de António Costa anulou, é considerada uma medida de interesse público e que repõe a igualdade entre trabalhadores.

Foto
Centenas de reformados contestaram a medida por terem perdido uma fatia importante dos rendimentos José Maria Ferreira/Arquivo

Os gestores nomeados pelo PS para a administração da Metro de Lisboa estão a defender em tribunal a suspensão dos complementos de reforma, uma medida que foi aprovada pelo Governo de Passos Coelho e anulada pelo actual executivo de António Costa, depois de muito criticada pelos socialistas. Num recurso apresentado em Abril, perante uma decisão judicial favorável aos aposentados, a transportadora pública vem exigir que estes cortes sejam validados, por salvaguardarem o interesse público e reporem a igualdade entre trabalhadores.

A posição assumida pela Metro de Lisboa, cuja nova equipa de gestão assumiu funções no início de Janeiro, contrasta, desde logo, com as fortes críticas que o PS dirigiu à medida que suspendeu o pagamento destes complementos, introduzida pelo primeiro Governo PSD/CDS, no Orçamento do Estado para 2014. Aliás, os socialistas apresentaram logo na altura da discussão na Assembleia da República uma proposta de alteração orçamental para que estes benefícios fossem repostos. “Não é nem politicamente, nem eticamente aceitável” – era assim que Vieira da Silva, o agora ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e então vice-presidente do grupo parlamentar do PS, se referia a estes cortes aquando da apresentação da proposta.  

As críticas acabariam por se materializar na reposição dos complementos. Depois de virar promessa durante a campanha eleitoral e de passar a escrito no acordo entre os socialistas, o Bloco de Esquerda e o PCP e também no programa de Governo e nas Grandes Opções do Plano, a suspensão da medida de Passos Coelho foi inscrita no Orçamento do Estado para este ano, com efeitos a partir de 31 de Março. Ainda em Janeiro, quando o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos, anunciou que a política orçamental se encarregaria de anular estes cortes fez questão de frisar que se tratava de “repor direitos”.

No entanto, o recurso que deu entrada em Abril no Tribunal da Relação, e que acompanha a posição tomada no passado pela anterior administração da Metro de Lisboa, não segue de todo a linha de pensamento do actual executivo. Depois de ter sido condenada a pagar os complementos de reforma desde Janeiro de 2014, data da entrada em vigor do Orçamento do Estado para esse ano, até ao final de Março último, a empresa vem defender a sua supressão, alegando, entre outros argumentos, “a prevalência do interesse público subjacente à adopção de medidas de contenção orçamental, relativamente à protecção de privilégios de uma minoria de trabalhadores”. A transportadora considera ainda que a medida do Governo PSD/CDS “tem como efeito directo e imediato a reposição da igualdade entre os trabalhadores das empresas públicas de transportes e a generalidade da população e dos trabalhadores portugueses”.

Cumprir a lei, diz a gestão

A nova administração da transportadora pública tem como presidente Tiago Lopes Farias, que foi director municipal da Mobilidade e Transportes da Câmara Municipal de Lisboa entre 2014 e 2015, um período que coincidiu com o final do mandato de António Costa e o arranque do de Fernando Medina. Também fazem parte da equipa Luís Barroso, que foi adjunto da ex-secretária de Estado dos Transportes Ana Paula Vitorino (actual ministra do Mar), no primeiro Governo de José Sócrates. E ainda António Pires, antigo assessor de Fernando Medina quando este foi secretário de Estado Adjunto do ministro da Economia, Vieira da Silva, no segundo Governo de Sócrates.

Questionada pelo PÚBLICO sobre o facto de os argumentos do recurso contrariarem a posição assumida pelo Governo, a administração da Metro de Lisboa referiu que “como é expectável cumpre, na íntegra, a lei em vigor em cada momento”. A empresa relembrou que a medida foi introduzida em 2014 para as “empresas do sector público empresarial que tivessem apresentado resultados líquidos negativos nos três exercícios anteriores”, o que também abrangeu a Carris, que é igualmente gerida por esta equipa. E notou que “o próprio Tribunal Constitucional  declarou (…) a suspensão do pagamento de complementos de pensões constitucional”, acrescentando que, fruto da medida introduzida no orçamento deste ano, “retomou naturalmente o pagamento de complementos de pensões a partir do dia 31 de Março de 2016”.

Com a eliminação destes cortes, a sentença recorrida pela Metro de Lisboa acaba por se focar no pagamento dos complementos passados, mas todos os argumentos apresentados não vão no sentido de contestar essa compensação retroactiva, mas antes de defender a própria medida revogada pelo PS. A transportadora pública considera que “inexiste qualquer fundamento jurídico para o pagamento desta indemnização, desde Janeiro de 2014 até 30 de Março” deste ano e pede ao Tribunal da Relação que anule a sentença em que deu razão a 24 reformados, obrigando-a a pagar-lhes cerca de 500 mil euros. No recurso, que ainda não foi alvo de decisão, a empresa sustenta em grande parte as suas alegações na jurisprudência do Tribunal Constitucional, que em 2014 considerou válida a supressão dos complementos de reforma, embora numa votação muito renhida.

A Metro de Lisboa começa por considerar que os queixosos não demonstraram o real impacto da medida nas suas vidas já que “não alegaram, nem provaram no processo factos que permitam traçar um retrato objectivo e exacto dos efeitos económicos, sociais, familiares e pessoais que a suspensão do pagamento dos complementos de reforma” teve. Frisa ainda que “beneficiam de um complemento de pensão (…) sem que tenham feito qualquer esforço contributivo”, considerando que esta situação “configura uma enorme e gritante desigualdade social e laboral, para além dos montantes em causa serem verdadeiramente desproporcionados”. E daí considerar que a medida repõe a “igualdade” entre trabalhadores.

Um dos argumentos mais repetidos para apoiar a medida é a defesa do “interesse público”. “A medida de suspensão do pagamento dos complementos de pensão mostra-se revelante essencialmente para a situação financeira das empresas públicas, embora beneficiando desta situação também as contas públicas uma vez que deixa de se mostrar necessária a transferência de verbas do Orçamento do Estado para fazerem face a este encargo”, refere a administração no recurso. Em conclusão, a Metro de Lisboa conclui que “não se verifica a violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade, da confiança e da contratação colectiva, nem a violação de outros direitos conexos com estes”.  

As expectativas frustradas

A suspensão dos complementos de reforma foi introduzida para limitar os gastos das empresas, já que, na altura, a Metro de Lisboa e a Carris (as únicas duas transportadoras públicas que dão estes benefícios) gastavam mais de 20 milhões de euros anualmente no seu pagamento e eram, como são ainda hoje, deficitárias. Estes benefícios foram criados em 1973 para compensar os trabalhadores quando se reformam e, na maioria dos casos, permitem que estes não percam rendimentos nessa fase da vida já que as empresas pagam a diferença entre o último salário e a pensão. Não correspondem, por isso, a contribuições feitas ao longo da carreira e foi nesse argumento que o executivo de Passos Coelho se apoiou quando aprovou a medida.

O que os milhares de beneficiários dos complementos sempre contestaram foi o facto de terem sempre agido na expectativa de ter acesso a este dinheiro quando deixassem de trabalhar e, em algumas situações mais delicadas, a sua eliminação causou graves problemas financeiros, já que chegavam a representar 60% dos rendimentos. Nas acções que centenas de reformados da Metro de Lisboa e da Carris interpuseram nos tribunais, estes contestavam ainda o facto de, na altura em que o sector empresarial do Estado estava focado em reduzir o quadro de pessoal, terem sido pressionados a sair, mas com o compromisso de receberem o complemento. Uma promessa que viria a cair por terra.

De acordo com a Metro de Lisboa, há actualmente um encargo de 12,6 milhões de euros com o pagamento destes complementos, a que acrescem outros 9,4 milhões da Carris. Nas duas empresas, há 4793 beneficiários actuais, mas há ainda os futuros, que se encontram no activo neste momento. 

Sugerir correcção
Ler 14 comentários