Gestores de insolvências querem que TC fiscalize taxa de 100 euros por processo

Medida do Governo motiva queixas a Cavaco Silva, provedor da Justiça e partidos. Já foram pagos mais de 300 mil euros, mas a taxa vai ser impugnada.

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A cada novo processo, administradores têm de pagar 100 euros Adriano Miranda

Os administradores de insolvência querem que o Tribunal Constitucional fiscalize a nova taxa de 100 euros cobrada por cada processo, que foi imposta recentemente pelo Governo, mas já lhes retirou mais de 300 mil euros. A medida, que também é aplicada retroactivamente às falências judiciais pendentes na justiça, já motivou queixas ao provedor de Justiça, ao Presidente da República e aos partidos. E, embora esteja a efectuar os pagamentos, a classe irá impugnar em breve esta taxa e avançar com uma providência cautelar para suspender os seus efeitos.

Nas queixas que fez chegar a diferentes interlocutores, a Associação Portuguesa dos Administradores Judiciais (APAJ) defende que a taxa de 100 euros, introduzida pelo Governo no final de Março, é “flagrantemente inconstitucional”, já que viola princípios como o da igualdade, da proporcionalidade e da legalidade tributária. E, por isso, pede que seja pedida a “fiscalização da constitucionalidade” da portaria que estabelece estas novas regras.

Os destinatários são o Presidente da República, o provedor de Justiça, o primeiro-ministro, a presidente da Assembleia da República, a Procuradora-Geral da República e os diferentes grupos parlamentares. Ou seja, as entidades que têm legitimidade para pedir a intervenção do Tribunal Constitucional (TC), sendo que, no caso dos partidos, a fiscalização tem de ser solicitada por um décimo dos deputados.

Esta queixa é o primeiro passo dado pelos administradores de insolvência desde que as novas regras entraram em vigor, apesar das duras críticas que fizeram a esta taxa, ainda antes de ser criada. Mas há mais iniciativas planeadas pela APAJ, nomeadamente uma acção principal, acompanhada de uma providência cautelar, a pedir que a eficácia da portaria seja suspensa, com base nos pareceres de quatro especialistas em direito administrativo, constitucional e fiscal. Além disso, está prevista a impugnação judicial por parte de cada um dos visados, com um pedido de devolução das verbas já pagas.

Dois milhões retroactivos
É que, desde que a medida avançou, a 30 de Março, já foram pagos mais de 300 mil euros à Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça (CAAJ), a entidade a quem o Ministério da Justiça destinou estas verbas e que tem, entre outras funções, a de fiscalização dos administradores de insolvência. Daquele montante, 205 mil euros correspondem aos novos processos de insolvência e os restantes 113 mil euros referem-se aos Processos Especiais de Revitalização (PER), que também são acompanhados pelos administradores judiciais.

Mas a portaria prevê ainda que a taxa seja retroactiva. Ou seja, além de terem de pagar 100 euros de cada vez que são nomeados para acompanhar um caso, os gestores de falências também são chamados a entregar o mesmo valor por cada processo pendente. A APAJ estima que, havendo 20 mil casos por resolver nos tribunais, só esta medida permita um encaixe de cerca de dois milhões de euros à CAAJ.

No entanto, os administradores judiciais ainda não começaram a efectuar o pagamento desta taxa retroactiva, nem tencionam fazê-lo. E mesmo as que estão a ser pagas, relativas aos novos processos, estão a chegar à comissão acompanhadas por uma nota de protesto, em que cada um dos profissionais escreve que “não se conforma com a obrigação do pagamento de qualquer taxa” e que “não prescindirá do direito ao recurso a todas as formas de reacção judicial ou extrajudicial”.

Um dos pontos mais criticados pela APAJ é o facto de estas verbas estarem a ser cobradas sem que haja qualquer contrapartida para a classe, já que algumas das exigências que a associação tem feito não têm sido satisfeitas. Nomeadamente, a concretização das promessas de acesso ao Citius e de criação de uma plataforma de nomeação equitativa dos administradores de insolvência, prevista desde 2004.

Ao mesmo tempo, contesta-se o facto de estas taxas “servirem apenas para financiar uma actividade que deveria ser suportada pelo Estado”, afirmou o presidente da APAJ, Inácio Peres, referindo-se à fiscalização dos profissionais do sector. O responsável destaca que a própria CAAJ não está a cumprir a lei, já que a portaria prevê que o pagamento seja feito através de uma referência multibanco que ainda não existe, estando a processar-se para um nib da comissão.

Um dos riscos que a APAJ antevê com a criação desta taxa é a repercussão que poderá ter nos devedores, que quando chegam à insolvência ou ao PER já estão numa situação financeira muito difícil. É que haverá uma parte significativa destas verbas que, apesar de serem pagas pelos administradores judiciais, poderão ser depois retiradas da massa insolvente. Além disso, a associação alerta que “já há o caso de uma pessoa que teve de deixar a profissão por não conseguir suportar este custo e mais podem seguir-se”.

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