Gestores de fundos comunitários nomeados sem avaliação prévia da Cresap

Dos seis secretários técnicos de autoridades de gestão do Portugal 2020, apenas um passou pelo crivo da comissão. Cresap e Governo têm posições opostas sobre o tema.

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Executivo garante que vai ter em conta posição da Cresap em nomeações futuras Nuno Ferreira Santos

O Governo nomeou cinco gestores de fundos comunitários sem pedir a avaliação prévia à Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública (Cresap). A entidade presidida por João Bilhim não tem dúvidas de que estes dirigentes têm de passar pelo seu crivo, mas o executivo de António Costa não partilha desta posição. No entanto, a opinião não parece ser consensual, visto que o Ministério do Mar optou por pedir parecer à Cresap antes de proceder a uma sexta nomeação.

As nomeações dos cinco secretários técnicos das autoridades de gestão de três programas operacionais do Portugal 2020 foram feitas por despacho. Dois foram designados, a 1 de Junho deste ano e com efeitos a 1 de Dezembro de 2015, para o Programa Operacional Temático Capital Humano. No despacho, assinado pelos ministros das Finanças, Ciência, Educação e Trabalho, são nomeadas Sara Rute Fernandes e Sibila Silva (esta última apenas para o período de suspensão do vínculo do gestor que ocupa o cargo), sob proposta da comissão directiva e atendendo “à reconhecida aptidão, competência técnica, experiência profissional e formação”.

Cinco dias mais tarde, uma nova designação, igualmente sobre proposta da comissão directiva do programa operacional: Henrique Figueiredo é escolhido para secretário técnico do Compete, que gere mais de 6000 milhões de fundos comunitários destinados às empresas. O despacho, assinado pelos ministros das Finanças e da Ciência e pelos secretários de Estado do Desenvolvimento e Coesão e do Comércio, justifica a decisão com “a experiência e competência do designado para o exercício de funções no respectivo cargo”. Já no início de Julho, o Compete foi reforçado com um segundo secretário técnico, Carlos Castro, num despacho assinado pelos mesmos governantes e com iguais fundamentos.

A quinta nomeação para programas operacionais sem avaliação prévia da Cresap ocorreu a 12 de Julho, com a escolha de António Alves para secretário técnico para o Programa de Desenvolvimento Rural (PDR 2020), num despacho do ministro da Agricultura. A designação é novamente fundamentada na “reconhecida aptidão, competência técnica, experiência profissional e formação do visado”.

O procedimento usado pelas diferentes tutelas envolvidas para avançar com estas designações colide com a opção tomada, este mês, por Ana Paula Vitorino, ministra do Mar. É que, ao contrário do que sucedeu até aqui, a governante levou o nome que tinha escolhido para secretário técnico programa operacional Mar 2020 a parecer da Cresap.

Aliás, a referência a essa avaliação é feita no despacho de nomeação. “Em cumprimento do disposto no n.º 22 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 16/2015 e no n.º 2 do artigo 1.º dos estatutos da Cresap, (…) foi ouvida aquela comissão relativamente à designação do licenciado Ricardo Jorge Figueiredo Segurado”, lê-se no documento. O parecer, publicado no site da entidade liderada por João Bilhim, foi positivo.

Para a Cresap, o Ministério do Mar foi o único que procedeu de acordo com a lei. “Eu acho que alguns gabinetes deste Governo não tomaram consciência da alteração legislativa”, de Setembro de 2015, referiu João Bilhim ao PÚBLICO, citando essa mesma revisão. “A comissão tem por missão o recrutamento e a selecção de candidatos para cargos de direcção superior da administração central do Estado (…) ou para cargos a estes equiparados a qualquer título”. E é esse o caso dos secretários técnicos das autoridades de gestão, que, como prevê a Resolução do Conselho de Ministros 73-B/2014, “são equiparados, para efeitos remuneratórios, a cargos de direcção superior de segundo grau”. E, por isso, “não se encontram excluídos”, frisou o presidente da Cresap.

Posições divergentes

É precisamente o tema da equiparação que parece dividir a comissão e o Governo, que considera que o facto de esta existir, mas apenas no que toca à remuneração, não obriga a que as regras de nomeação sejam as mesmas. Em respostas ao PÚBLICO, o Ministério do Planeamento das Infra-estruturas, que tutela os fundos comunitários, cita as resoluções de 2014 e de 2015 para concluir que a designação destes dirigentes deve ser feita “pelos competentes membros do Governo, mediante proposta dos respectivos gestores ou comissão directiva, consoante o caso, não o sujeitando a qualquer procedimento junto da Cresap”.

Já o Ministério da Agricultura entende que “os secretários técnicos são equiparados, apenas para efeitos remuneratórios, a cargos de direcção de segundo grau” e, por isso, as regras dos dirigentes públicos a que ficam sujeitos só se aplicam “a matérias de acumulação e cessação de funções, incompatibilidades, impedimentos e inibições”. Para a tutela de Capoulas Santos, “as diferenças de regime dos secretários técnicos face ao dos titulares de cargos de direcção superior (…) são substanciais”. “Não são cargos de direcção superior, razão pela qual não há exigência de parecer prévio à Cresap”, entende a mesma fonte. O ministério explicou ainda que, no caso da nomeação para o PDR 2020, resultou de uma reorganização interna, sem qualquer novo recrutamento, já que o designado era até então coordenador da área de apoio ao investimento. Tratou-se de uma reformulação que fez com que esta área, que antes estava sob coordenação, passasse a ser liderada por um secretariado técnico, ao mesmo tempo que a área administrativa a financeira fez o movimento inverso, procedendo-se à cessação, no mesmo despacho, da responsável que era a sua secretária técnica.

No entanto, João Bilhim explica que “na teoria da função pública há autores que defendem que a equiparação para efeitos remuneratórios é a mais importante das equiparações possíveis”. Mas, mesmo que houvesse diferentes interpretações sobre o tema, “o actual texto dos estatutos da Cresap [o que surgiu das alterações de Setembro de 2015] não deixa margem para dúvidas”, por passar a abranger todos os cargos “equiparados a qualquer título” a dirigentes superiores. Questionado sobre se o Governo PSD/CDS nomeou secretários técnicos sem passar pela comissão, o responsável referiu que a questão não se colocou porque o anterior executivo “já não lidou com esta alteração legislativa”. “Agora é diferente: a Cresap tem de intervir”, rematou João Bilhim.

O mesmo responsável explicou ainda que "decidiu que [os secretários técnicos] estariam sujeitos apenas à avaliação curricular e de adequação de perfil", os chamados pareceres, tal como acontece "com os gestores públicos". No caso destes dirigentes, explicou, não se enquadra o procedimento concursal, para os quais há candidaturas voluntárias e uma lista final dos três melhores classificados, "por não reunir todos os efeitos das nomeações previstas na sequência de concurso público".

Confrontado com a posição da Cresap, o Ministério do Planeamento garantiu que o gabinete do ministro Pedro Marques, “em articulação com a Direcção-Geral da Administração Pública e do Emprego Público, terá a mesma em consideração em futuras situações de nomeação de secretários técnicos”. 

Refira-se que, nas nomeações dos dirigentes que lideram os programas operacionais, os presidentes, vice-presidentes e vogais, os nomes têm vindo a passar pela Cresap, como a lei obriga.

Notícia corrigida às 13h: Foi clarificado o caso específico do PDR 2020, em que a nomeação ficou a dever-se a uma reorganização interna, bem como o facto de os novos dirigentes máximos destes programas operacionais estarem a passar por parecer da Cresap.

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