Formação obrigatória de trabalhadores poderá ser co-financiada pelo Estado

Cheque-formação passa a abranger todos os trabalhadores, mesmo os que não tiveram as 35 horas de formação anual da responsabilidade das empresas.

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Empresas têm de pagar, no mínimo, 35 horas de formação anual aos seus trabalhadores SANDRA RIBEIRO

A formação obrigatória prevista no Código do Trabalho, e que é uma responsabilidade das empresas, poderá vir a ser financiada pelo Estado até um máximo de 175 euros por trabalhador. No diploma que cria o cheque-formação, que será debatido na Concertação Social (onde têm assento representantes dos sindicatos, patrões e Governo) desta terça-feira, o executivo eliminou o artigo onde se dizia que os trabalhadores que não frequentaram um mínimo de 35 horas de formação ficavam fora deste apoio.

Caso a nova versão da portaria a que o PÚBLICO teve acesso vá por diante, os trabalhadores podem candidatar-se ao cheque-formação e beneficiar de um apoio que pode ir até aos 175 euros (3,5 euros por hora) nas formações até 50 horas de duração, mesmo que a empresa onde trabalham não lhes tenha dado a formação mínima exigida por lei. A dúvida é se essa formação financiada pelo Estado conta para as 35 horas obrigatórias ou não.

João Machado, da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), não tem dúvidas de que a formação obrigatória será co-financiada por dinheiros públicos, embora critique a carga burocrática associada à medida.

Já Ana Vieira, da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) e que também defende que a formação prevista na lei do trabalho deve ser co-financiada, quer ter a certeza de que será assim. “É uma questão que iremos colocar na reunião” desta terça-feira.

A esta, a secretária-geral da CCP, vai juntar outras dúvidas: o valor de 3,5 euros por hora pode ser demasiado baixo e as elevadas exigências colocadas às empresas para que os seus trabalhadores possam ter acesso ao cheque-formação. “O apoio é tão baixo e as obrigações para as empresas são tão grandes”, desabafa.

O PÚBLICO contactou a Confederação da Indústria Portuguesa (CIP), mas não teve resposta em tempo útil.

No parecer sobre a primeira versão da portaria, a UGT criticava o facto de o diploma partir do pressuposto de que “a obrigação, por parte dos empregadores, de providenciar 35 horas anuais de formação aos trabalhadores, é de facto cumprida, mas na verdade, infelizmente, não é esta a realidade". A estrutura considerava ainda não ser “razoável” que os trabalhadores nessas condições fossem excluídos da medida. Sobre a nova versão não foi possível obter uma posição da confederação liderada por Carlos Silva.

A CGTP discorda do financiamento das empresas através do cheque-formação, por entender que “a formação dos trabalhadores, promovida pelas empresas, deve ser da exclusiva responsabilidade destas e não depender do erário público, já que serão elas as primeiras beneficiárias do reforço das qualificações dos seus trabalhadores, em termos de melhoria da sua competitividade e produtividade”.

Além disso, a confederação que tem Arménio Carlos como secretário-geral defende que “o cheque-formação, a existir, devia ser sempre atribuído directamente aos trabalhadores, empregados ou desempregados, que pretendam melhorar as suas qualificações e no caso dos empregados, independentemente da formação promovida pela entidade empregadora, seja em cumprimento das obrigações previstas no Código do Trabalho, seja para além delas”.

O cheque-formação não se destina apenas a trabalhadores no activo, inclui também desempregados inscritos nos centros de emprego há pelo menos 90 dias consecutivos e que tenham o ensino secundário ou licenciatura. O apoio neste caso vai até aos 500 euros, a que acrescem a bolsa de formação, o subsídio de refeição e as despesas de transporte. Durante o período em que frequentam a formação, os desempregados mantêm o dever da procura activa de emprego.

Tanto no caso dos activos como no dos desempregados, cabe ao Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) definir anualmente as áreas de formação prioritárias – “em função das dinâmicas do mercado de emprego”. Na versão inicial dizia-se mesmo que em 2015 devia ser dada primazia à área do emprego digital e às acções relacionadas com programação, algo que agora deixa de constar.

Sete mil abrangidos numa década
Um dos objectivos do cheque-formação é mudar o paradigma da formação em Portugal, “no sentido de uma progressiva aproximação à procura” e “tendo em conta as reais necessidades do mercado de trabalho, permitindo melhorar o ajustamento entre a procura e a oferta formativa”, explicou ao PÚBLICO o IEFP.

A ideia tem, de resto, sido bandeira de vários governos, foi colocada pela primeira vez num acordo de concertação social em 2007, depois em 2012, embora nunca tenha sido concretizada.

Uma medida semelhante esteve no terreno entre 2003 e 2012, mas os seus resultados foram reduzidos. De acordo com os dados solicitados ao IEFP, as bolsas individuais de formação abrangeram 6.920 trabalhadores, num investimento de cerca de oito milhões de euros.

Francisco Madelino, que presidiu ao IEFP até final de 2011, justifica a utilização “limitada” da medida com a “fraca procura de formação”, a que junta outras razões.

Por um lado, houve uma subversão da medida com as entidades formadoras a fazerem candidaturas em bloco de formandos. Por outro, acrescenta o antigo responsável, algumas candidaturas apresentadas eram de carácter duvidoso, dando como exemplo desempregados que pretendiam tirar a carta de pesados. “Estas situações levaram a que o uso da medida tivesse sido restringido pelo Estado”, adianta, alertando que o cheque-formação tem de ser desenhado de forma a impedir pressões desta natureza.

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