O “milagre” das exportações afinal pode não ser sustentável

Aos ganhos de curto prazo do programa da troika, o FMI não junta ganhos para as expectativas de médio prazo e avisa que a falta de reformas estruturais pode significar que a melhoria do saldo com o exterior pode ser reversível.

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Subir Lall esteve em Portugal em Abril para a consulta do Artigo IV Nuno Ferreira Santos

No curto prazo, o programa da troika foi “um sucesso”, mas no que diz respeito às perspectivas de médio prazo muito pouco mudou. Esta análise é feita pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), uma das instituições da troika que, em 2011, chegou a Portugal para conceder um empréstimo, que vinha acompanhado por um programa de consolidação orçamental e de reformas estruturais.

Os objectivos da troika em 2011 eram claros: enfrentar a emergência da falta de financiamento do país e, ao mesmo tempo, acabar com as debilidades estruturais da economia, colocando-a outra vez a crescer rápido. Para o FMI, apenas a primeira meta foi atingida para já.

No relatório de análise a Portugal publicado esta segunda-feira pelo Fundo, são feitos elogios à forma como Portugal conseguiu reduzir os seus défices e voltou a conseguir obter financiamento do mercado. Mas depois, quando se analisam as cinco prioridades para o médio prazo - garantir um equilíbrio interno (que significa por exemplo não ter uma taxa de desemprego demasiado alta), conseguir um equilíbrio externo (não ter défices externos excessivos), aumentar o crescimento potencial, reduzir o endividamento dos privados e assegurar a sustentabilidade orçamental – os sucessos observados pelo FMI são muito reduzidos.

Dessas cinco prioridades, quatro não eram cumpridas antes da crise. E agora, o saldo é o mesmo, ainda com quatro prioridades por cumprir. Houve apenas uma troca, antes apenas o equilíbrio interno estava assegurado e agora passou a ser o equilíbrio externo que está a ser cumprido.

“Os objectivos de curto prazo do programa foram atingidos. Mas em relação ao objectivos de médio prazo, os desequilíbrios demoraram muito tempo a acumular-se. São precisos anos de políticas sustentáveis para isso acontecer”, explicou Subir Lall, o chefe de missão do FMI em Portugal, na conferência de imprensa de apresentação do documento.

O relatório, no entanto, traça uma tendência muito pouco optimista. É que mesmo quando fala do equilíbrio externo conseguido nos últimos anos na economia, o Fundo avisa que tal pode não ser sustentável.

No rescaldo do programa da troika, o Governo tem lembrado que Portugal passou de um elevado défice externo antes da troika para um excedente e que tal é a prova de que o programa de ajustamento funcionou e que a economia do país já está a seguir um rumo mais sustentado. Mas agora, uma das instituições da troika diz diz ter “dúvidas razoáveis” sobre se isso é verdade.

Na documentação que acompanha o relatório de análise anual à economia portuguesa (no âmbito do Artigo IV), o FMI analisa a forma como Portugal conseguiu passar de uma balança com o exterior de défices acima de 10% do PIB para excedentes. Mas, ao contrário do Executivo, não fica convencido que as alterações produzidas sejam sustentáveis e, mostra-se muito pouco impressionado com o crescimento registado pela exportações em termos bruto, que diz não serem prova de que Portugal tenha efectivamente aumentado de forma significativa a sua competitividade.

O FMI começa por assinalar que a melhoria de 11 pontos percentuais do PIB no saldo da balança com o exterior entre 2010 e 2013 foi a maior entre todos os países da União Europeia. No entanto, logo a seguir, diz que Portugal precisa que essa melhoria seja sustentada porque o nível de endividamento acumulado com o exterior continua a ser um dos maiores entre os países europeus.

E é aqui que surgem os problemas. O FMI assinala que, apesar de estar em primeiro no ranking da melhoria do saldo com o exterior, o crescimento das exportações brutas em percentagem do PIB de 9,5 pontos foi apenas o décimo mais alto entre os países da UE. Isto significa que, a contracção muito acentuada das importações, motivadas pela quebra do consumo e do investimento, desempenhou um papel muito significativo na melhoria da balança externa. E agora, avisa o FMI, “assim que a economia recupere, as importações irão provavelmente recuperar, aumentando o risco de que os pequenos excedentes externos sejam puxados outra vez para défices”.

O FMI tenta por isso verificar se, de facto, Portugal registou um efectivo ganho de competitividade, que garanta que as melhorias do desempenho externo são sustentáveis. A resposta dada no relatório é a de que há “dúvidas razoáveis” de que tal esteja a acontecer.

Em primeiro lugar, o Fundo diz que “as exportações brutas são uma medida enganadora para os ganhos de competitividade”. E que para perceber se uma economia se tornou de facto mais competitiva face ao exterior, o melhor é olhar para as exportações que resultam de um valor acrescentado doméstico (Exportações DVA). Este indicador exclui o conteúdo importado das exportações e dá por isso informação sobre “a procura externa verdadeira por produtos domésticos”. Retira por exemplo da análise, uma parte considerável das exportações de combustíveis refinados (cuja matéria prima é importada).

A desvantagem deste indicador é que não há dados concretos recentes disponíveis. No entanto, o FMI diz que existe uma forte correlação entre as Exportações DVA e uma série de indicadores estruturais. Como Portugal, de acordo com o Fundo, continua com um desempenho fraco nesses indicadores estruturais, então estima-se que o desempenho das exportações DVA é bastante menos impressionante do que o das exportações brutas, o que significa que “os ganhos de competitividade conseguidos por Portugal são provavelmente muito mais baixos”.

Mais reformas estruturais
A solução dada pelo FMI para este problema é, mais uma vez, fazer mais reformas estruturais. “Para absorver os excedentes no mercado de trabalho através da criação de emprego, a economia precisa de aumentar o investimento, ao mesmo tempo que melhora a competitividade externa para evitar que se gere um desequilíbrio com o exterior. Para um membro de uma união monetária com um espaço orçamental limitado, isto apenas pode ser conseguido através de reformas estruturais, que até agora não garantiram totalmente os resultados esperados”, afirma o relatório publicado esta segunda-feira.

Por causa desta desilusão com os resultados das reformas estruturais, o FMI, que previa durante o programa que a economia poderia conseguir atingir um crescimento de médio prazo em torno de 1,75%, agora, não vai mais longe que os 1,2%.

Ao contrário do Governo, que conta com uma aceleração progressiva até taxas de crescimento acima de 2% em 2019, o FMI prevê que, depois de 1,6% este ano, haverá uma desaceleração progressiva até aos 1,2%.

A resposta do Governo a este pessimismo do Fundo surge num anexo ao relatório, em que o director do FMI que representa o grupo de países em que está incluído Portugal afirma que é preciso mais tempo para ver o efeito total das reformas feitas. “Para além de que os impactos de muitas destas reformas é já evidente e efectivo, os benefícios de outras reformas – e de novas reformas – demora mais tempo a materializar-se. Isto não pode considerar-se um fracasso, nem uma insuficiência das reformas”, afirma.

No relatório, o FMI reconhece que “muito foi feito e que estas reformas demoram tempo a dar frutos, mas avisa que “não fazer mais nada é uma estratégia arriscada”, apelando a que a actual conjuntura económica favorável seja aproveitada.

As reformas estruturais pedidas pelo FMI são, à semelhança do que já acontecia em anteriores relatórios, centradas no mercado de trabalho, no mercado de produtos, na redução da despesa pública e na diminuição do excesso de endividamento das empresas.

Subir Lall reconhece que tinha, no início do programa, “expectativas para um maior crescimento potencial da economia portuguesa”, mas continuou a tentar dar uma nota de optimismo. “Aliviar o problema da dívida do sector privado faria imediatamente uma enorme diferença”, disse.

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