FMI aconselha Governo a manter cortes nos salários e nas pensões

Medidas temporárias devem manter-se até que as reformas estruturais para conter despesas com salários e pensões estejam completas.

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FMI pede uma reforma “mais ambiciosa” das remunerações e das carreiras do sector público Enric Vives-Rubio

Enquanto as reformas para reduzir os gastos com pensões e salários da função pública não estiverem completas, o Fundo Monetário Internacional (FMI) insiste que o Governo deve adiar “o mais que puder” a reversão dos cortes salariais e o fim da Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES). O conselho é deixado no relatório sobre a evolução do país depois da saída da troika, divulgado nesta sexta-feira, no qual a instituição se mostra preocupada com o risco de incumprimento das metas do défice já em 2015.

O Fundo lembra que em 2016, e de acordo com um acórdão do Tribunal Constitucional (TC), os cortes nos salários dos funcionários públicos desaparecerão e a CES (que este ano apenas afecta as pensões acima de 4611 euros) vai reduzir-se de forma significativa. Perante este cenário, a instituição entende que as autoridades portuguesas têm de conseguir conter as despesas nestas duas frentes.

“Não obstante os desafios legais e as crescentes pressões políticas por causa das eleições do próximo ano [2015], são necessárias medidas adicionais para conter as despesas com salários e pensões (…) para se conseguir alcançar as metas do défice”, recomendam os técnicos que estiveram em Portugal no final de Outubro.

Algumas linhas mais à frente, o FMI concretiza essas recomendações. No caso das pensões, entende que são precisos “esforços adicionais” para melhorar a equidade e a sustentabilidade do sistema. E avisa: é necessária uma “reforma abrangente do regime de pensões dos funcionários públicos”, pagas pela Caixa Geral de Aposentações cujos beneficiários “recebem pensões desproporcionalmente mais elevadas do que no regime geral da Segurança Social”.

Esta reforma do sistema deverá prever, entre outras medidas, uma regra de indexação das pensões a indicadores económicos e demográficos, como chegou a ser proposto pelo grupo de trabalho para a reforma dos sistemas de pensões que o Governo, entretanto, adiou.

No mesmo sentido, o FMI pede uma reforma “mais ambiciosa” das remunerações e das carreiras do sector público, para garantir “a sustentabilidade da folha salarial” e um sistema de reconhecimento do mérito “capaz de reter e atrair” os trabalhadores mais qualificados para os organismos do Estado.

As medidas que venham a ser tomadas nestas áreas dependem, em muito, dos resultados das eleições legislativas. O PS já disse que tenciona cumprir o acórdão do TC, que aceitou os cortes salariais em 2015, mas alertou que em relação aos anos seguintes não se está perante a mesma situação de emergência. O primeiro-ministro, por seu lado, admitiu retomar a sua proposta de reversão dos cortes de 20% ao ano, até 2019.

No que respeita à reforma dos sistemas de pensões, está tudo em aberto, depois de Pedro Passos Coelho ter adiado uma reforma estrutural para depois das eleições. 

FMI diz que há margem para poupanças
Enquanto as reformas estruturais não chegam, o FMI entende que, no curto prazo, há margem para ir mais longe na racionalização da despesa pública. E dá como exemplos reduções adicionais do emprego público através das rescisões amigáveis e da requalificação (a antiga mobilidade especial) em áreas onde há excesso de emprego e “poupanças mais ambiciosas” através da redução ou eliminação dos suplementos pagos aos funcionários públicos. Acrescenta ainda que pode haver um esforço adicional na área da condição de recursos para o acesso às prestações sociais não contributivas.

No caso das rescisões amigáveis, o Governo tem em curso um programa destinado aos trabalhadores das autarquias. Depois de um impasse de quase três meses, a racionalização dos suplementos está neste momento nas mãos do Presidente da República que tem o diploma enquadrador em cima da mesa para promulgação. Contudo, o Governo já disse não esperar poupanças significativas da criação da tabela única e da racionalização destes complementos que custam anualmente 700 milhões de euros.

A insistência do FMI em pedir novas medidas de consolidação orçamental é explicada também através de números. O Fundo prevê que o défice público em Portugal se cifre este ano em 3,4%, em vez dos 2,7% inscritos pelo Governo no orçamento. E projecta que, apenas em 2018, o país conseguirá um défice abaixo de 3%, saindo do procedimento por défice excessivo que lhe foi instaurado pelas autoridades europeias.

O relatório explica que a diferença entre as suas previsões orçamentais e as do Governo estão principalmente relacionadas com o facto de o Fundo não estar tão optimista em relação ao impacto da retoma económica nas contas públicas e aos resultados do combate à fraude fiscal.

Do lado do Governo, a resposta tem sido sempre reafirmar as metas estabelecidas para 2015 e mostrar os resultados obtidos no défice em 2014 como exemplo da capacidade para cumprir os objectivos .

Esta sexta-feira, o primeiro-ministro afirmou mesmo no Parlamento que o relatório agora publicado pelo FMI poderia mesmo estar desactualizada. “Essa avaliação [do FMI] foi feita em finais de Outubro de 2014 e, por isso, aponta para uma realidade que já não existe e que é a dúvida se vamos conseguir atingir um objectivo que já atingimos", afirmou Pedro Passos Coelho.

Do lado do FMI, contudo, não se admite qualquer desactualização. Questionado na conferência de imprensa que se seguiu à divulgação do relatório, sobre se tinha mudado alguma coisa desde que foi feita a avaliação, o chefe da missão do FMI em Portugal disse que os dados da execução orçamental entretanto publicados pelo Governo para 2014 “estão muito em linha com o que tinha sido previsto”. “A nossa visão geral de para onde é que a economia portuguesa está a ir ainda é a correcta”, disse Subir Lall.

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