Fim do quociente familiar é bom ou mau para a classe média? Depende da "classe média"

Dedução de 550 euros por filho melhora rendimentos mais baixos sujeitos a IRS. Para quem recebe mais de 900 euros, “genericamente” a dedução de 550 euros não compensa o quociente familiar, conclui a consultora PwC.

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O Governo admite aumentar a dedução por filho no IRS para além dos 550 euros previstos Bruno Lisita

O fim do quociente familiar no IRS e o reforço da dedução por filho para 550 euros, que o substitui, vai beneficiar ou prejudicar as famílias com filhos? A resposta não é linear e, por isso, o Governo assume que nuns casos haverá agravamento e noutros uma redução do imposto. À interpretação de que a mudança prejudica a classe média, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, deu nesta sexta-feira uma resposta política: tudo depende de como se define a “classe média”.

A ideia que está por detrás desta mudança – fazendo regressar o quociente conjugal como método para dividir o rendimento e calcular a taxa do imposto a pagar – é evitar a “regressividade” que o PS contestava no quociente familiar introduzido com a reforma do IRS (sistema em que o rendimento é dividido pelo número de membros do agregado familiar, e que se aplica este ano pela primeira vez, relativamente aos rendimentos de 2015).

Com o fim do quociente familiar, os filhos deixam de ser tidos em conta na divisão do rendimento, havendo em contrapartida um aumento da dedução fixa por dependente para 550 euros, em vez dos actuais 325 euros.

Simulações realizadas pela consultora PwC mostram que quem mais beneficia com esta mudança “são os contribuintes com rendimentos mensais de aproximadamente 900 euros ou inferiores [até ao limite dos que não pagam IRS porque têm rendimentos muito baixos], uma vez que, para estes, o benefício excede a perda (que é residual) decorrente da substituição do quociente familiar pelo quociente conjugal”, diz Ana Duarte, fiscalista da PwC.

Já para os níveis de rendimento superiores a este limiar, “genericamente o benefício da dedução fixa por dependente é insuficiente para compensar a perda decorrente da eliminação do quociente familiar”, explica a fiscalista. Se não for considerado o efeito da redução da sobretaxa de IRS, isso levaria a um aumento da carga fiscal. “Esta perda é mais acentuada para os agregados com mais dependentes e com níveis de rendimento mais elevados, uma vez que nestes casos o benefício da descida da sobretaxa (que pode mesmo ser inexistente) não compensa o aumento de imposto que decorre da abolição do quociente familiar”.

A questão sobre o resultado desta mudança na “classe média” foi suscitada depois de a Associação Portuguesa das Famílias Numerosas, defensora do quociente familiar, vir assumir que a “esmagadora maioria das famílias portuguesas com filhos sofrerá agravamento de IRS”.

Coube ao secretário de Estado dos Assuntos Fiscais fazer a defesa política da medida. Na conferência de imprensa de apresentação do orçamento, o Fernando Rocha Andrade insistiu que a medida beneficia quem ganha menos e que, assumidamente, pode prejudicar os rendimentos mais elevados.

Para esvaziar a leitura de que a “classe média” fica prejudicada, Fernando Rocha Andrade convocou o seu sentido político para responder às críticas: “Se isto é bom ou mau para a classe média, depende de como define classe média”. E ironizou: “Eu acredito que se a classe média for definida pelos rendimentos das pessoas que estão nesta mesa [ministro e secretários de Estado] ou pelas pessoas que comentam estas notícias nas televisões, essa classe média é eventualmente prejudicada se tiver filhos”. Mas a medida do Governo, contrapôs, pretende antes centra-se numa “outra classe média que ganha 900, mil ou 1100 euros por mês”.

“Se a classe média forem só médicos e advogados, de facto, esta medida prejudica a classe média. Mas essa classe média são dez ou 15% dos agregados familiares em Portugal. A classe média a que nós nos dirigimos – e para quem esta medida é francamente mais positiva – é a classe média que, infelizmente, devido ao baixo nível dos rendimentos que ainda hoje existem em Portugal, não tem rendimentos da ordem dos 2000, 2500 ou 3000 euros de salário mensal”, sustentou o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

Melhorar a dedução
Segundo o governante, “80% dos agregados familiares estão claramente na gama de rendimentos em que este mecanismo de dedução fixa por filho é mais favorável do que o regime actual". Um exemplo? “Um casal de trabalhadores que tenham apenas rendimento de trabalho dependente e cujo rendimento anual global seja de 22.200 euros não tem hoje nenhum benefício com o quociente familiar; e se tiver dois filhos passará a ter uma redução de IRS de 450 euros no total”.

O valor definiu a dedução fixa por filho nos 550 euros partindo do pressuposto de que há neutralidade fiscal em relação ao impacto trazido por esta medida em 2015. Mas admite aumentar este valor ainda durante a discussão do Orçamento do Estado na especialidade, em função dos números finais da liquidação de IRS dos rendimentos de 2015, a apurar este mês.

O Governo estima que o fim do quociente familiar dá uma “poupança” de cerca de 250 milhões de euros; o reforço da dedução representa uma “despesa fiscal” idêntica. Como o Governo quer que o impacto da substituição do quociente familiar seja neutro na receita, o valor da dedução poderá vir a ser acertado (sempre acima dos 550 euros) em função do montante final.

 

 

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