Fim da linha: toda a gente sai

Nos últimos dias, e à medida que se vai conhecendo a dimensão dos milhares de milhões de euros de “prejuízos” do BES, mais pessoas questionam até que ponto não será o BES o BPN do ano de 2014. Mas talvez este seja o pretexto ideal para um terramoto de mudança de protagonistas e modos de actuar na política e no sistema financeiro português.

Porque é importante essa comparação entre BES e BPN? Porque, embora BES e BPN sejam muito diferentes em muitas coisas, a percepção final para a opinião pública é a mesma. Há um banco com prejuízos, o meu dinheiro pode ou não estar seguro, alguém vai ter de pagar, se os 6400 milhões da troika para os bancos não chegarem, como se resolve?

E de seguida passaremos para a outra pergunta (aqui reconstruída a partir de conversas ouvidas nos últimos dias): “Agora que as coisas estavam e lentamente a ir para melhor, eis que começa tudo de novo.” (...) “Como é possível os políticos e os do Banco de Portugal terem deixado isto chegar a este ponto, testes de stress aos bancos e mais não sei o quê, pois.” "(...) E agora como irão as empresas fazer as coisas com menos empréstimos? Lá vai o desemprego aumentar.” E, para terminar, nessas conversas seguir-se-iam invariavelmente outras palavras menos próprias para caracterizar as mães e os pais dos intervenientes.

De novo, tal como no BPN, muito provavelmente começaremos no sistema financeiro e terminaremos no sistema político, porque o poder político tem sempre de gerir os seus problemas e os problemas do país. E o sistema financeiro português é um problema do país que precisa de ser resolvido.

Não entrando numa competição “encontre as diferenças” entre o BPN e o BES (porque as há muitas) para o cidadão que ouve as notícias o que ressalta é que “são todos uns malandros, os banqueiros e os políticos, e estão juntos nisto” – algo que não é verdade, porque se há pessoas não sérias, também as há muitas sérias na política e na banca, mas isso não interessa, porque serão totalmente torpedeadas pela dinâmica dos acontecimentos.

Portugal tem um problema crónico de confiança no outro e, por consequência, um problema de confiança nas instituições. E estas crises na banca só afundam mais a ténue confiança existente.

Talvez a falta de confiança nos outros seja o grande problema português, mas como os grandes problemas apenas se resolvem em gerações e não em legislaturas, nunca o quisemos até agora verdadeiramente aceitar.

Sem confiança nos outros não há empresas que funcionem, associações que perdurem, nem partidos que sejam capazes de governar a sério.

Se, por um momento, olharmos para os resultados de Junho do Eurobarómetro para Portugal, a ideia que fica é que a falta de confiança grassa em Portugal e que os protagonistas e as formas de pensar e agir que nos trouxeram até aqui estão esgotadas, chegámos ao fim de uma linha (longa de 40 anos).

Uma longa linha que finda numa estação terminal onde os protagonistas políticos e financeiros ao descer dos vagões verão um país em total desalinhamento consigo.

Depois da Grécia, Croácia e Bulgária, somos o quarto país mais descontente com a democracia e as suas instituições nacionais. E, juntamente com Grécia, Espanha e Chipre, somos o país que menos confia na União Europeia. 

Em conjunto com a Itália e França somos o quarto país que menos confia nos seus partidos políticos. E somos o terceiro país europeu que menos confia no seu governo (os dois primeiros são a Espanha e a Eslovénia).

Lideramos, ex aquo com a Espanha e Grécia, aqueles que julgam ser má ou muito má a situação económica do seu país. Lideramos também o ranking dos três países que acham que a situação dos próximos 12 meses será pior ou ficará na mesma.

Quanto ao emprego, o que pensamos coloca a nossa situação como a segunda pior da Europa. E, juntamente com a Croácia, Grécia, Chipre e Eslovénia, somos um dos países que mais julgam que a situação do emprego será pior.

E, para piorar tudo ainda um pouco mais, possuímos a terceira pior opinião sobre a cobertura do nosso sistema social (desemprego e saúde), duas vezes pior do que a média europeia e a piorar desde há cinco anos.

Por sua vez, o medo de cair na pobreza aumentou e são hoje em Portugal tantos os que acham que podem cair na pobreza quanto os que acham que não correm esse perigo (38% vs 37%).

No entanto, as respostas dadas pelos portugueses inquiridos sobre si próprios (e não sobre a totalidade dos portugueses) encerram maior esperança.

Entre este ano e o ano passado, os portugueses que acham que a situação financeira da sua própria família melhorou aumentaram (mas ainda são apenas 44% vs 53%). O mesmo sucedeu na opinião sobre o seu próprio emprego.

O que esta leitura positiva individual quererá dizer é que as pessoas acreditam em si e na sua capacidade de mudar para melhor a sua vida. O que é necessário é que existam pessoas e partidos capazes de mobilizar essa capacidade individual para uma mudança no país e que essas pessoas e instituições consigam instilar confiança para serem ouvidos e objecto de confiança – uma tarefa nada fácil.

Talvez o BES, por ser apontado por tantos como o banco do regime pré e pós-25 de Abril, possa ser o pretexto ideal para fazer tábua rasa de uma forma de fazer política e de gerir os compadrios, se não pessoais, pelo menos de regime. Mudando de protagonistas, não numa lógica geracional, mas sim numa busca de pessoas que façam, ajam, pensem de forma diferente.

Portugal precisa de uma revolução de hábitos na política, de uma reestruturação das suas elites financeiras, de uma mudança de mentalidades e de protagonistas políticos.

É verdade que as pessoas pouco se importam com a política em abstracto, e é justo que assim seja, e o que lhes interessa é ter uma vida melhor, ter trabalho, ter boa saúde e boa educação – pois é isso que nos torna a todos maravilhosamente humanos.

Mas também é verdade que, quando ouvem alguém dizer-lhes algo que faz sentido para si (e que não parece vazio e oco), sentem igualmente prazer em poder acreditar que pode ser aquela a pessoa em quem se pode confiar e que, se essa pessoa se souber rodear de outras pessoas de confiança, talvez algo mude e seja possível de novo acreditar.

Entretanto, aos senhores e senhoras passageiros do comboio da política e da finança que nos trouxe até Junho de 2014, está na hora de saírem, porque nos trouxeram até ao fim da linha e não vos estamos nada agradecidos.

O autor é docente do ISCTE-IUL em Lisboa e investigador do Centre d'Analyse et Intervention Sociologiques (CADIS) em Paris

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