Fazer um Orçamento dos pés para a cabeça

O pior destas horas e desta novela é não sabermos exactamente se o ministro das Finanças desvalorizou a necessidade de mostrar que o seu Orçamento é limpo e verificável, ou se tudo isto indica que as contas foram feitas sem bases sólidas.

Às vezes espanta como é possível criar uma novela do nada. A oposição passou os últimos dias a esbracejar porque Mário Centeno apresentou um Orçamento sem alguns dados importantes. Mais até: apresentou um Orçamento sem alguns dados que está, por lei, obrigado a incluir. Como foi a oposição a dizer, ninguém ligou especialmente, mas os dados que o PSD e CDS pediam são realmente importantes para se perceber se o OE 2017 está construído dos pés para a cabeça ou da cabeça para os pés. Dito assim não se percebe? Então reformulo: se este Orçamento está construído pelas fundações ou pelo telhado.

Na prática, estamos a falar de dois quadros. Um com a análise, imposto a imposto, das receitas estimadas para o próximo ano. Um último com a estimativa de execução (de despesas e receitas) no final deste ano. Só com elas num quadro é possível a qualquer técnico saber se as estimativas para 2017 têm uma base realista ou não - sobretudo num ano, como este, em que quer as receitas, quer as despesas estão muito abaixo do que Mário Centeno desenhou no Orçamento em curso.

Dito isto, que devia ser simples de perceber, o que respondeu o ministro das Finanças ao Parlamento? Depende do dia. Na noite de segunda-feira, Centeno escreveu que não ia mostrar o segundo quadro, alegando que isso ia “prejudicar o debate público”. E (esta é especialmente boa) porque os dados disponíveis “nesta altura do ano têm uma margem de erro assinalável”. 

Assinalável, com franqueza, é a resposta. E fazem temer que tenhamos nas mãos um Orçamento… com uma margem de erro assinalável, pois claro, porque devia ser com base naqueles dados que o OE de 2017 se devia fazer.

Já com a UTAO a dizer, preto no branco, que a ausência desta informação mostrava uma “significativa” perda de transparência do processo orçamental, Mário Centeno acabou por corrigir tudo esta terça-feira. Afinal, os dados estão a ser tratados, agora, pelos serviços das Finanças. E a seu tempo serão enviados para os deputados, para que estes possam fazer o seu trabalho.

O pior destas horas e desta novela é não sabermos exactamente se o ministro das Finanças desvalorizou a necessidade de mostrar que o seu Orçamento é limpo e verificável, ou se tudo isto indica que as contas foram feitas sem bases sólidas. 

O nosso descanso é que, hoje, em 2017, os processos orçamentais são muito mais escrutinados do que alguma vez foram no passado. Não tanto pela oposição, mas pela UTAO, pelo Conselho de Finanças Públicas e, para nossa desgraça, pelos credores. Ao menos isso dá-nos esta tranquilidade: se o OE for construído pelo telhado, vamos rapidamente sabê-lo.

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