Ex-administrador diz que liquidar o BPN teria tido custo zero

José Lourenço Soares afirma, numa entrevista ao PÚBLICO, que a privatização do banco trará milhões de euros de perdas para os contribuintes.

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Ex-administrador diz que, se a decisão fosse sua, também teria nacionalização o BPN em 2008

O ex-administrador do BPN nomeado pela Caixa Geral de Depósitos após a nacionalização, José Lourenço Soares (actual director do gabinete jurídico da CGD), garante que o contrato de privatização assinado entre este Governo e o BIC Portugal trará “muitos milhões de euros” de perdas para os contribuintes. E confirma que a liquidação do BPN “foi estudada” a pedido do Governo por uma consultora internacional e que teria um custo zero para o erário público.

Sobre a queixa entregue no Ministério Público pela Parvalorem contra a administração do BPN liderada por Francisco Bandeira, onde Lourenço Soares esteve, o actual director do gabinete jurídico da CGD confessa que está confortável com o que fez no banco. E garante que a equipa que hoje está à frente do veículo criado pelo Estado para gerir os activos tóxicos do BPN excluídos da privatização não tem competências para gerir os 3,4 mil milhões de euros que estão em causa.

Lourenço Soares presidiu aos "veículos" Parvalorem, Parups e Parparticipadas até ser substituído pela actual equipa liderada por Francisco Nogueira Leite e que foi indicada pelo Governo de Passos Coelho

Como encara a decisão do Ministério das Finanças, através da Parvalorem, de entregar uma queixa no Ministério Público contra a gestão do BPN nomeada pela CGD a seguir a nacionalização? 
Revejo-me no comunicado da administração a que pertenci e que foi indicada a seguir à nacionalização. [Neste comunicado lê-se que “a Administração do ex-BPN está muito tranquila em relação a tudo o que fez e com a consciência que o que fez cumpriu as melhores práticas e, sempre que tal se justificava, com o conhecimento do seu accionista, o Estado”]. E volto a repetir que acho estranho este interesse [de Francisco Nogueira Leite] porque as práticas adoptadas pela anterior gestão foram sempre profissionais e idóneas.  
 
A nacionalização do BPN, a 2 de Novembro de 2008, justificava-se?
É uma questão à qual ninguém, com rigor, pode responder. Conhecemos o que se passou até hoje com a nacionalização, que é a situação real, mas ninguém conhece, como é óbvio, uma situação hipotética, que não aconteceu, isto é, o que aconteceria aos bancos portugueses e a Portugal se não tivesse havido nacionalização. Ninguém sabe, nem é possível saber. O que se sabe é que, na situação concreta que então se vivia, em particular nos Estados Unidos e na Europa, era perigosíssimo deixar falir um banco com a dimensão do BPN…
Se eu, na altura, tivesse de tomar a decisão de nacionalizar ou deixar falir, a minha decisão, e creio que a de qualquer pessoa medianamente informada e de bom senso, seria no sentido da nacionalização. Deixar falir o banco seria perigosíssimo, pelos possíveis efeitos no sistema financeiro e no país. Quem arriscaria uma corrida aos depósitos nos bancos?

Pode esclarecer quanto é que custou aos contribuintes a nacionalização do BPN?
Não se sabe ainda e, com rigor, dificilmente alguma vez se saberá. Os custos da nacionalização dependiam de muitos factores. O negócio da venda do BPN ao BIC foi um factor muito importante, diria mesmo, importantíssimo, nos custos da nacionalização, mas a gestão do banco que foi feita no pós-nacionalização também teve significativa influência. Assim como a gestão que, depois da venda do BPN ao BIC, está a ser feita dos restantes activos também é importantíssima nos custos da nacionalização. Importa recordar que os activos que ficaram no Estado, através dos chamados veículos Parvalorem, Parups e Parparticipadas, são de maior dimensão do que o banco que foi vendido ao BIC. Ora, a gestão daqueles activos, nas referidas três sociedades, deveria ser feita por profissionais muito competentes com muita experiência de banca e de gestão desses activos “stressados”. Pelo que conheço das três pessoas que administram aquelas três sociedades, só uma delas é bancária. Era directora do BPN e antes da nacionalização foi assessora da administração [de Oliveira Costa]. Depois trabalhou comigo, directamente, secretariando, na elaboração de actas e demais expediente, quando eu estive à frente dos três veículos [que receberam os activos tóxicos do BPN]. As outras duas pessoas [onde se inclui Francisco Nogueira Leite], que eu saiba, nem sequer nunca trabalharam na banca e não se lhe conhece qualquer currículo profissional ou académico que os recomendasse para o cargo.

Qual é o balanço que faz da gestão do BPN que integrou a seguir à intervenção do Estado?
A gestão do BPN fez a gestão possível do dia-a-dia, de forma muito empenhada, mas sem um rumo previamente definido. Na verdade, a Secretaria de Estado [liderada por Carlos Pina], que tutelava [o BPN], não tinha uma estratégia definida para o banco. Falava em privatizar o quanto antes, assim como falava em integrar na Caixa, em liquidar ou em gerir e privatizar mais tarde. Gerir assim, sem uma estratégia definida, foi muito difícil. E certamente na gestão diária ter-se-ão cometido erros. Mas quem os não comete? No cômputo global, e perante as circunstâncias concretas, faço um balanço positivo. Tenho pena que o caminho escolhido por este Governo tenha sido o que se conhece. Os custos da nacionalização, que sempre seriam elevados, foram agravados pela indefinição e falta de estratégia do anterior Governo. Mas com o caminho escolhido e seguido por este, os custos aumentaram exponencialmente e não se sabe ainda onde vão parar, pois todos os dias aumentam, em razão da gestão dos “veículos” e do cumprimento do contrato celebrado [entre Maria Luís Albuquerque] com o BIC.

Fez algum sentido o Governo ter nomeado para presidente, vice-presidente e outro administrador do BPN pessoas que em simultâneo eram o vice-presidente e administradores da CGD?
Os administradores da Caixa nomeados para o topo da administração do BPN não podiam estar em dois lados ao mesmo tempo. Não era possível uma gestão a tempo parcial.

Fala-se sempre e só do BPN, enquanto banco, mas o que foi nacionalizado foi muito mais?
A gestão do BPN, nas circunstâncias concretas em que a instituição se encontrava, e com todas as condicionantes foi muito difícil e complexa. Mas era preciso também gerir o restante grupo que dependia do banco, como a Efisa [banco de investimento], o BPN Crédito [leasing e factoring], a seguradora, o BPN Brasil, o BPN IFI [Cabo Verde] a sucursal de França, o BPN Cayman, o BPN Madeira, o Banco Insular… E nenhuma dessas instituições era de gestão fácil. Por isso, quando se fala na gestão do BPN, desconhece-se tudo o resto.

Como é que responde às críticas feitas à gestão do BPN, que integrou, de ter sido incompetente e de gerir o banco sem rumo certo [não recuperou a imagem do banco, não recuperou a carteira de depósitos, não recuperou os créditos das offshores]?
Já me referi à gestão e não vou repetir-me. Por força das circunstâncias, a única gestão que a administração pôde fazer foi uma gestão à vista, mas com muitos resultados positivos, em especial na redução dos operacionais, que foi notável. Não vejo como seria possível recuperar a imagem, completamente degradada do banco, quando, todos os dias os jornais e as televisões davam notícias, com destaque de primeira página, extremamente negativas. E o Parlamento também ajudava e muito…A cada notícia mais bombástica ou intervenção parlamentar, sempre com resultado negativo, os depósitos no banco caíam.

Foi correcto colocar o BPN a competir com a CGD?
Antes da nacionalização os depósitos no BPN eram muitíssimo bem remunerados. Estou a recordar-me, por exemplo, das “Contas Investimento”, que tantos prejuízos acarretaram para o banco e para os contribuintes. Depois da nacionalização a remuneração dos depósitos passou a ser fixada em linha com a paga pela Caixa. Quem é que ia permanecer no BPN, ou abrir nova conta? Ninguém, é óbvio. A situação do sistema financeiro, em geral, e do BPN em particular, não permitia fazer melhor. Uma entidade pública [a Segurança Social], a mais democrática que temos, chegou a ter depósitos de 70 milhões de euros no BPN, quando tinha à frente Oliveira Costa. Mas depois da nacionalização [já não existia risco] retirou todos os depósitos e encerrou a conta… A recuperação de depósitos era impossível. 
Por isso digo que o “projecto César” fez um excelente trabalho, em face da extrema complexidade do que estava em causa e dos elementos no que se refere às offshores, tendo-se identificado os respectivos UBOs (beneficiário das offshores)em relação a cerca de 100, como os seus activos e passivos e procedeu-se à recuperação de créditos e assunção de dívidas, até onde foi possível. Muito ficou feito.

Como foram as relações da administração do BPN (pós estatização) com o Ministério Público?
A administração do BPN prestou às autoridades judiciárias, particularmente ao DCIAP, toda a colaboração devida. Tenho a certeza de que as autoridades judiciárias não dirão menos.

As suas críticas (e deixou mesmo as negociações que decorriam) ao modelo de privatização do BPN, nomeadamente, aos termos do contrato assinado entre Maria Luís Albuquerque e o BIC Portugal são conhecidas. Pode explicar porquê?
Como já tive oportunidade de dizer, avalio o contrato como muito gravoso para o Estado. Ainda ninguém sabe quanto custará o integral cumprimento do acordo. Reconheço ao Governo legitimidade para vincular o Estado num tal contrato, mas eu jamais o assinaria, nem participei até final da negociação. Pedi a minha demissão.

Quanto vai custar a execução do contrato de venda do BPN celebrado entre o Estado e o BIC Portugal?
Ninguém pode hoje dizer, nem nos próximos tempos, quanto custará ao Estado, ou seja, aos contribuintes o contrato, mas custará, seguramente, muitos milhões de euros.

Na altura o PÚBLICO noticiou que o Governo estava a estudar a liquidação ordenada do BPN. Mas o Ministério das Finanças desmentiu a informação. 
Confirmo que a liquidação ordenada do BPN foi estudada, por uma consultora internacional [Roland Berger], depois de o concurso público para a venda do BPN ter ficado deserto.

Quanto custava ao Estado ter liquidado o BPN nessa altura (2011)?
Essa conhecida consultoraconcluiu que a liquidação do BPN poderia, em termos directos, ser zero. O estudo existe e está, creio, ainda disponível.

É verdade que, antes do Governo decidir vender o BPN ao BIC Portugal, e sob decisão da actual ministra das Finanças, na qualidade de Secretária de Estado, as negociações com o BIC romperam-se e foi decidido mandar liquidar o BPN, com o acordo do Banco de Portugal?
Confirmo inteiramente, mas não vou adiantar pormenores.

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