Estudos sobre a alta velocidade desapareceram do site da Refer

Empresa não explica qual o motivo que levou a que o património documental da Rave fosse retirado.

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Projecto lançado por Sócrates foi cancelado ENRIC VIVES-RUBIO

São centenas de documentos, milhares de páginas em PDF, com inúmeros estudos relacionados com o projecto da alta velocidade que foram retirados do site da Refer um ano depois da extinção da Rave. Mas a Refer não explica por que motivo esse acervo desapareceu do seu site. Questionada pelo PÚBLICO se essa decisão tinha sido tomada pela administração da Refer ou a mando do Governo, a empresa não respondeu.

O desaparecimento do site da Rave ocorreu em 2011 ainda antes da própria extinção da empresa que geria o projecto de alta velocidade. Toda a documentação que estava online transitou para o site da Refer onde se manteve até meados de 2012. Mas subitamente foi eliminada. Quem, até à data, não tinha descarregado os documentos que lhe interessava, ficou impossibilitado de aceder a estudos que custaram milhões, alguns deles feitos por universidades e reputadas consultoras internacionais.

Esses documentos eram a face visível dos 120 milhões de euros que a Rave gastou em estudos, de acordo com o relatório do Tribunal de Contas divulgado na segunda-feira. Esse documento – que arrasa a gestão do projecto da alta velocidade ferroviária para Portugal – considera, no entanto, como uma “prática de gestão positiva” a “extensa divulgação no sítio da Rave na Internet, de documentação e notas explicativas do modelo de implementação, bem como sobre os estudos preliminares efectuados”.

Entre este património imaterial contavam-se os estudos de procura nas várias linhas, análises custo-benefício, os efeitos fiscais do projecto, o potencial da indústria nacional, a análise custo-benefício da terceira travessia do Tejo, o modelo de exploração do serviço, a análise sócio-demográfica dos corredores ferroviários, entre outros.

Documentos que, de acordo com a Lei de Acesso aos Documentos Administrativos, deveriam ser públicos, por forma a poderem ser escrutinados e utilizados por qualquer cidadão, dado terem sido pagos com dinheiros públicos e pertencerem a empresas do Estado.

O projecto do TGV chegou a ser adjudicado ao consórcio Elos, mas foi cancelado ainda antes de se iniciarem as obras. O contrato para o primeiro troço, Poceirão-Caia, foi assinado em 2010, ainda com José Sócrates, mas Passos Coelho viria a anulá-lo em 2012, depois de o Tribunal de Contas se ter recusado a dar o visto.

A instituição liderada por Guilherme d’Oliveira Martins faz uma crítica contundente à actuação da Rave, que durou entre 2000 e 2012, e que teve como seus administradores António Ramalho e Ribeiro dos Santos, que são hoje, respectivamente, presidente e vice-presidente da administração conjunta da Refer e da Estradas de Portugal (que em breve serão fundidas para darem origem à empresa Infraestruturas de Portugal).

António Ramalho foi administrador da Rave com o pelouro financeiro. Questionado pelo PÚBLICO, o gestor disse que só esteve na empresa durante seis meses em 2004 e que o modelo de parceria público-privado – que é visado pelo Tribunal de Contas – foi feito em 2006, após a sua saída.

No entanto, António Ramalho desdobrou-se na altura, muitas vezes ao lado da então secretária de Estado, Ana Paula Vitorino, em inúmeras declarações de defesa do projecto de alta velocidade. Quando transitou da Rave para presidente da CP, o gestor criou a Unidade de Negócios de Alta Velocidade, destinada a preparar a transportadora pública para explorar o TGV Lisboa-Madrid.

Esta acto de gestão, contraria, aliás, a insistência do Tribunal de Contas sobre uma alegada falta de envolvimento da CP no projecto da alta velocidade. O relatório atribui riscos para a transportadora pública caso o projecto tivesse avançado, mas, ao mesmo tempo, diz que a CP não foi consultada. Na verdade técnicos da empresa trabalhavam em conjunto com a Rave.

Apesar de questionar a viabilidade financeira do projecto, o Tribunal de Contas reconhece que essa taxa é positiva em 0,4%.

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