Regulador diz que contratos polémicos dão a ganhar 1158 milhões à Galp

Estimativas da ERSE sobre revenda internacional de gás podem fazer subir valor da taxa extraordinária aplicada aos contratos que estavam por revelar. Governo espera descida de preços

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RUI GAUDENCIO / PUBLICO
A Galp é presidida por Carlos Gomes da Silva
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A Galp é presidida por Carlos Gomes da Silva Ricardo Campos/Arquivo

A Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) revelou ontem que a Galp irá registar “ganhos comerciais” de “cerca de 1158 milhões de euros” até 2026 com a revenda do gás natural adquirido ao abrigo dos contratos de longo prazo assinados com a Nigéria e a Argélia quando detinha a concessão pública de importação. São aproximadamente 68 milhões de euros de ganhos anuais.

Estes são os contratos sobre os quais o Governo anterior introduziu, em 2015, a taxa extraordinária de 150 milhões (a liquidar em três anos, até 2017) por considerar que a empresa tinha registado mais-valias que nunca partilhou com os consumidores, e que estas deveriam ser utilizadas para fazer baixar os preços do gás natural. Mas estes cálculos da contribuição extraordinária sobre o sector energético (CESE) foram sempre feitos com base em estimativas porque a Galp nunca divulgou os contratos, resguardando-se no segredo comercial. Foram precisos quase três anos para que finalmente chegassem ao regulador e à tutela.

Foi já no final de Setembro que a Galp os entregou, embora classificando-os como “integralmente confidenciais”, apurou o PÚBLICO. E o regulador, a pedido do secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, procedeu então à avaliação dos ganhos comerciais da empresa com a revenda.

Com base no preço de importação e considerando “os preços internacionais do gás natural” e a “dinâmica de procura” mundial, a ERSE estimou que o valor das margens de revenda da Galp se situe em 1158 milhões. Mas este é um valor acumulado, já que a análise do regulador se inicia em 2010 (quando se iniciou a actividade de revenda, devido à forte contracção da procura em Portugal) e vai até 2026, quando termina o último contrato.

Destacando “o forte crescimento [da procura] registado na bacia do Pacífico” e a expectável subida de preços nesses mercados, a ERSE diz então que os mercados asiáticos vão continuar a ser “o mercado prioritário de escoamento de excedentes” do gás natural que a Galp importa. Já a petrolífera questiona os cálculos do regulador. Dizendo desconhecer os dados usados “para o cálculo de estimativas de potenciais ganhos acumulados até 2026, a empresa liderada por Carlos Gomes da Silva assegura que, “com os elementos de que a Galp dispõe, a projeção de potenciais ganhos divulgada pela ERSE não tem qualquer adesão com a realidade”.

Seja como for, agora que as contas estão feitas, a bola fica do lado do Governo, que foi quem pediu o estudo à entidade liderada por Vítor Santos. Em declarações ao PÚBLICO, o secretário de Estado da Energia, disse esperar que estas conclusões possam influenciar futuras descidas dos preços do gás (ver entrevista). Em comunicado, Seguro Sanches também disse registar “com satisfação a conclusão da avaliação” e salientou ter chegado ao fim um impasse que se arrastava há vários anos”.  Além disso, considerou “cruciais as diligências encetadas pelo actual Governo para assegurar” a entrega dos contratos.

Ainda assim, a verdade é que o Governo talvez tivesse que ter optado pela via judicial para tentar aceder aos documentos se não tivesse havido um empurrãozinho das leis europeias. É que em Abril entrou em vigor um regulamento que definiu que os contratos grossistas de electricidade e gás natural passaram “a ser obrigatoriamente reportados para efeitos de supervisão”, como explicou o regulador ao PÚBLICO. A Galp passou assim a ter uma “obrigação de reporte” a que não podia escapar e a ERSE logo tratou de requerer os contratos.

Os dados agora conhecidos levantam a hipótese junto do executivo de que a CESE possa ser aumentada e, com isso, beneficiar as contas públicas. Para já, o que se sabe é que a empresa, mesmo que não pague, deve apresentar uma garantia bancária de valor equivalente ao montante em causa.

Não é certo que estes montantes possam influenciar as facturas que alguns portugueses pagam todos os meses. Ainda que nos últimos dois anos os preços tenham descido à boleia da CESE, isso só foi possível porque o regulador da energia cativou 66 milhões de euros a que a Galp tinha direito através de ajustamentos nas tarifas que não foram feitos. Mas esse “stock” acabou-se com as tarifas que estão em vigor desde Julho.

O modelo de partilha de 50% dos ganhos que a Galp viesse a ter com a venda a terceiros (depois de cobertas as necessidades nacionais) chegou a estar aprovado, no Verão de 2006, sob a forma de regulamento da ERSE, mas o Governo de José Sócrates – com Manuel Pinho na pasta da Economia – não permitiu que entrasse em vigor.  Também em 2006 foi revisto o contrato de concessão entre o Estado e a Transgás (assinado quando era empresa pública, em 1990), estabelecendo-se que a petrolífera continuaria a exercer a actividade de aprovisionamento de gás natural, mas ficava livre para vender o excedente e lucrar com isso.

O que não mudou foi que o risco de cumprir as obrigações mínimas contratuais se manteve do lado dos consumidores, que teriam de suportar o encargo de desvios nas quantidades importadas. A Galp optou por revender para os mercados asiáticos – e terá registado os maiores proveitos entre 2011 e 2014 quando o acidente nuclear de Fukushima fez disparar procura e preços. Mas o executivo – o de Passos Coelho primeiro e agora o de António Costa – entende que é hora de repartir ganhos.

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