Portugal entre a alegria de voltar a crescer e a desilusão da retoma lenta

Depois de três anos de recessão profunda, Portugal volta a registar este ano uma taxa de crescimento positiva. Mas irá recuperar de forma mais lenta do que os seus parceiros da Europa periférica e do que aconteceu em crises do passado.

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Endividamento trava crescimento económico Gonçalo Português/Arquivo

Seja 1,5% como prevê o Governo ou 1,3% como diz a Comissão Europeia, a generalidade das previsões aponta para que a economia portuguesa continue a acelerar no próximo ano. Uma notícia positiva depois de, entre 2011 e 2013, se ter registado a maior recessão das últimas quatro décadas. A desilusão surge, contudo, quando se compara o actual ritmo de retoma com aquilo que aconteceu em Portugal a seguir a outras crises do passado e com o que se passa agora na generalidade dos outros países periféricos da Europa.

De acordo com as previsões da Comissão Europeia (ligeiramente menos optimistas do que as do Governo), Portugal irá crescer nos três anos seguintes à saída da recessão económica (2014 a 2016) a uma taxa média anual de 1,3%. Este número é muito inferior à média de 4,2% registada em Portugal entre 1985 e 1987, a seguir à recessão do início dos anos 80, e aos 2,4% conseguidos entre 1994 e 1996, depois de outra das grandes crises das últimas décadas.

O crescimento médio de 1,3% esperado para Portugal também fica bastante abaixo dos 2,8% que são esperados para a retoma na Irlanda e dos 2,4% da Irlanda. Também a Espanha, que está a sair da recessão ao mesmo tempo de Portugal, deverá conseguir um ritmo anual de crescimento mais alto, de 1,7%.

O que explica que a actual retoma portuguesa se distinga pela negativa, tanto em termos históricos como face aos outros parceiros da Europa periférica?

Quando a comparação é feita com o que aconteceu a seguir às crises de 1983 e 1993, a explicação é mais fácil. Nessa altura, Portugal tinha nas suas mãos mais instrumentos de política económica capazes de produzir um efeito de curto prazo no crescimento. E usou-os.

O principal foi uma política monetária baseada na desvalorização acentuada do escudo, o que de imediato conduziu a um ganho da competitividade das empresas portuguesas face ao exterior. Com a taxa de inflação a dois dígitos, os portugueses sofreram uma forte redução do poder de compra do seu salário, mesmo que em termos nominais este não tenha descido.

Isto fez com que, de forma muito rápida, as exportações aumentassem e sustentassem um ritmo de crescimento económico elevado durante a década seguinte, até que aparecesse outra crise. Entre 1983 e 1992, apesar da forte contracção económica registada em 1984, a economia cresceu 40% em termos reais. Entre 1992 e 2001, o crescimento foi de 26%. Agora, entre 2008, o último ano antes do início da crise e 2016, a economia arrisca-se a sair ainda com uma variação negativa de 3,7% caso se confirmem as previsões da Comissão.

As explicações são menos óbvias quando se compara o actual desempenho de Portugal com outros países que passaram por crises semelhantes nos últimos anos e que contam com o mesmo tipo de instrumentos de política económica nas mãos.

No caso grego, a queda na economia foi tão acentuada, que é normal que, agora que regressou a taxas de crescimento positivas, elas sejam mais altas, uma vez que partem de uma base muito baixa. De acordo com as contas de Bruxelas, em 2016 o PIB grego ainda estará em termos reais com um valor 20% mais baixo do que aquele que se registava em 2008.

No caso da Irlanda, outro país que tal como Portugal e a Grécia foi sujeito a um programa da troika, o cenário é completamente diferente. A crise foi mais acentuada nos anos iniciais, mas a retoma começou mais cedo. Este ano, o PIB irlandês já deve atingir um valor acima do de 2008. E em 2016 poderá ser 7,7% maior.

A Espanha tem um perfil semelhante a Portugal durante a crise, mas dá agora sinais de estar a acelerar de forma mais forte.

Em todos os casos há uma característica comum: as economias foram sujeitas a uma dose muito forte de austeridade e viraram-se para as exportações para conseguirem crescer. Com a conjuntura internacional a deteriorar-se, o ritmo da recuperação económica ficou dependente da forma como conseguem fazer subir o consumo e o investimento.

Portugal, muito limitado por elevados níveis de endividamento, taxas de juro ainda altas no acesso ao crédito e fracas expectativas de lucros futuros, não dá sinais de conseguir buscar ao consumo e investimento uma fonte sustentável de crescimento. É verdade que neste momento o crescimento que existe resulta em larga medida do aumento do consumo, mas parece ser uma ideia consensual que não será daí que poderá vir uma aceleração significativa da economia nos próximos anos.

A incapacidade para acelerar o investimento é particularmente preocupante, uma vez que poderia ser daí que poderia vir a base para um aumento da produtividade e uma aceleração das exportações. Mas, de acordo com a Comissão Europeia, em Portugal o investimento só deverá crescer a uma média anual de 2,4% entre 2014 e 2016, bastante menos que os 10,4% da Irlanda e da Grécia e os 3,4% da Espanha. O nível de investimento em Portugal será, em 2016, 32% menor do que era em 2008.

Com as finanças públicas limitadas pelas regras do Tratado Orçamental e pela pressão dos mercados financeiros internacionais, a esperança para uma mudança no rumo deste indicador reside em Frankfurt e Bruxelas. Do Banco Central Europeu espera-se seja capaz de colocar um ponto final na fragmentação do mercado de crédito da zona euro, que faz com que as taxas de juro sejam muito mais altas em Portugal do que na Alemanha. Da União Europeia, que consiga lançar um programa de investimento capaz de ter impacto nas economias mais necessidades.

Na próxima semana, Jean-Claude Juncker irá apresentar o plano com que a Comissão Europeia conta trazer para a economia da UE 300 mil milhões de euros de investimento público e privado. Esse valor corresponde a 0,7% do PIB europeu.

 

O que está a travar a retoma económica

 - Endividamento elevado
Apesar da correcção registada nos últimos anos, os portugueses – particulares e empresas – continuam a ser dos mais endividados em toda a Europa. De uma forma que torna a realização de consumo ou de investimento financiado com mais crédito muito difícil de se concretizar. E, depois da crise, este endividamento dos particulares e das empresas está limitado pelo facto de os bancos (que no passado concederam crédito em larga escala) já não terem agora a mesma capacidade de ir buscar eles próprios financiamento ao exterior. Mais ajudas do BCE para facilitar o acesso ao crédito são a esperança.

- Ameaça de deflação
A manutenção da variação anual dos preços já há vários meses em valores muito próximos de zero ou mesmo negativos podem criar junto das empresas e das famílias a expectativa de que a evolução dos preços irá ser a mesma no futuro. Isto conduz ao adiamento das decisões de compra e de investimento.

- População a sair
Seja por conta de uma taxa de natalidade reduzida seja pela entrada do saldo migratório em terreno negativo, o número de pessoas a residir em Portugal está a diminuir. Este é mais um factor de pressão sobre o crescimento económico e sobre as expectativas de negócio futuro das empresas.

- Dependência das importações
A cada pequeno sinal de retoma do consumo e do investimento, as importações aceleram também, anulando parte significativa do efeito positivo no PIB. Isto acontece porque uma grande parte da procura interna – principalmente em produtos como, automóveis, electrodomésticos e máquinas - apenas consegue ser satisfeita com recurso ao estrangeiro, já que não há uma produção nacional suficientemente competitiva.

- Europa a abrandar
Com uma recessão económica profunda em Portugal, muitas empresas viraram-se para o estrangeiro para vender mais, mas agora debatem-se também no exterior com mercados a crescer a um ritmo cada vez mais lento. Tanto na Europa, como nos mercados emergentes, para onde as exportações portuguesas cresceram bastante nos últimos anos. Para piorar a situação, os ganhos de quota de mercado parecem dar sinais de esgotamento. As esperanças do Governo estão depositadas num eventual ganho de competitividade trazido pela redução dos custos com pessoal. A recente depreciação do euro também pode ajudar.

- Estado sem armas
Os últimos anos foram de austeridade no Estado, especialmente com cortes de salários e pensões e subidas de impostos, e não se prevê que se assista a uma inversão da política nos próximos anos. Para além da pressão dos mercados, o tratado orçamental europeu obriga os Estados membros a caminhar para um equilíbrio do saldo estrutural e a reduzir de forma rápida a dívida pública, enquanto esta estiver acima de 60% do PIB. Em Portugal, está agora em 130%. O plano de investimento europeu é a esperança possível.

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