Empresas de cobrança de créditos na ilegalidade

O enquadramento legal das empresas cobradoras de dívidas tem sido contestado por advogados e solicitadores
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O enquadramento legal das empresas cobradoras de dívidas tem sido contestado por advogados e solicitadores Miguel Madeira/PÚBLICO (arquivo)
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Qualquer pessoa pode criar uma empresa de cobrança de dívidas. Não precisa de uma licença especial, não fica sujeito a fiscalização de qualquer entidade concreta e qualquer problema terá de ser resolvido nos tribunais comuns.

Tem sido assim e vai continuar a ser assim até que o Governo decida criar regras para esta actividade, de forma a evitar situações abusidas por parte das empresas, cuja actividade está intimamente associada aos chamados cobradores do fraque.

A Associação Portuguesa de Empresas de Gestão e Recuperação de Créditos (APERC), que agrega 20 empresas que se dedicam a esta actividade, entregou no Ministério da Justiça, há cerca de dois anos, um pedido de regulamentação para este sector, que só em relação às empresas associadas gere um valor superior a 500 milhões de euros de dívidas. Contactado pelo PÚBLICO, fonte oficial do Ministério da Justiça esclareceu que, "até à data, ainda não há uma decisão sobre o assunto, uma vez que a questão ainda está a ser analisada".

O enquadramento legal das empresas cobradoras de dívidas tem sido contestado por advogados e solicitadores, que consideram tratar-se de procuradoria ilícita. As empresas garantem que têm um trabalho importante, já que aliviam os tribunais de elevado número de acções executivas.

Luís Salvaterra, presidente da APERC, criada há cerca de três anos, disse ao PÚBLICO que o fim de algumas práticas menos adequadas na cobrança de dívidas, que reconhece existirem, só será possível quando a abertura e o funcionamento deste tipo de empresas passar a estar sujeito a um processo de licenciamento, controlado por um organismo público, e que obedeça ainda a um conjunto de regras de forma a proteger clientes e devedores. Entre estas regras está o cumprimento de um código deontológico, que os associados da APERC se comprometem a cumprir, o que exclui, à partida, um conjunto de empresas, a grande maioria de pequena dimensão, que usam métodos próprios do cobrador do fraque.

Confrontado com uma queixa que foi enviada ao PÚBLICO, e que envolvia uma empresa associada da APERC, Luís Salvaterra esclareceu que "não coloca as mãos no fogo sobre a actuação dos associados", até porque envolvem um número alargado de colaboradores, mas garante que as questões de ética são muito importantes para a associação e que a regulamentação da actividade é importante para dirimir eventuais conflitos.

Fora do universo da APERC haverá mais 20 ou 30 empresas, encerrando e abrindo novas empresas com muita frequência.

Os novos cobradores do fraque

A tradição está a mudar na actividade de cobrança de dívidas. Já é menos habitual, mas ainda acontece, aparecerem homens vestidos de fraque, com identificação de cobradores de dívidas, em frente da residência ou a perseguir o devedor na rua.

A invenção do cobrador do fraque, cuja origem é difícil de determinar, representava uma tentativa de intimidação ou coacção dos devedores, com vista a garantir o pagamento das suas dívidas. Hoje há inúmeras empresas de cobranças a actuar no mercado, algumas de dimensão considerável, que normalmente trabalham para grandes empresas ou instituições financeiras, e outras mais pequenas, que normalmente se dedicam à cobranças de dívidas entre particulares. A abordagem dos dois tipos de empresas tem gerado queixas, que no primeiro caso inclui muita pressão psicológica e, especialmente nas mais pequenas, chega a incluir ameaças e violência física.

O novo cobrador do fraque actua fundamentalmente via telefone e carta, com mensagens muito pouco simpáticas, muitas vezes para vizinhos, familiares e até entidades patronais, e através de visitas pessoais.

Nas visitas pessoais, o mais habitual é ver pessoas de fato e gravata, senhoras de salto alto ou homens musculados. Há ainda situações de deslocações em carros com identificação de empresa de cobranças, que é estacionado estrategicamente em frente à residência ou à saída do emprego.

As empresas vivem da comissão que recebem por cada dívida cobrada e boa parte da remuneração dos seus trabalhadores também varia em função do êxito das cobranças.

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