Em apenas três anos, o Estado saiu de nove empresas e fez uma venda relâmpago em bolsa

Receitas com privatizações e venda de participações em empresas já vão nos 9300 milhões de euros, quase o dobro das metas impostas pela troika. O grande "calcanhar de Aquiles", a venda da TAP, continua por decidir.

A CGD contabiliza reformas a pagar a cerca de uma vintena de ex-administradores na ordem dos dois milhões de euros (brutos) por ano Gonçalo Português

Há três anos, apanhava-se um avião, entregava-se uma carta nos correios, pagava-se a conta da electricidade e as receitas, ou pelo menos uma boa parte, iam parar aos cofres do Estado. Por privatização ou por venda de participações em empresas, o actual Governo desfez-se de alguns pesos-pesados em sectores estratégicos, gerando 9300 milhões de euros destinados à redução da dívida pública. Ideologia ou emergência financeira? Ambas.

O memorando de entendimento assinado com a troika em 2011 estabelecia como meta um encaixe de 5500 milhões de euros com privatizações até Maio deste ano. O objectivo foi ultrapassado. Até àquela data, o Estado tinha arrecadado quase 6100 milhões, com um forte contributo da venda de 21,35% EDP à China Three Gorges, apenas meio ano depois de o Governo ter tomado posse, por 2693 milhões. Um ano mais tarde veio outra fatia importante, com a privatização total da ANA. A gestora aeroportuária foi comprada pelo grupo francês Vinci por 1880 milhões de euros, pagando mais 1200 milhões para ficar com a concessão dos aeroportos nacionais por 50 anos.

Pelo caminho, o executivo de Passos Coelho desfez-se da participação na REN, vendendo inicialmente 40% da empresa à chinesa State Grid e à omanita Oman Oil e alienando mais 11% em bolsa, o que, no total, rendeu 750 milhões de euros. Também os correios deixaram de ter o Estado como accionista, depois de, em Setembro, o Governo ter concluído a oferta pública de venda dos CTT, arrecadando 913 milhões.

Foi uma operação relâmpago. A primeira tranche (de 68,5%) foi alienada em bolsa em Dezembro de 2013 e o restante capital saiu da esfera pública menos de um ano depois. Em Setembro deste ano, dias depois de terminar o período em que o Estado era obrigado a ficar na empresa, os 31,5% que restavam foram vendidos. A última privatização tirou do universo estatal a gestora de resíduos EGF, pela qual a Mota-Engil pagou quase 150 milhões de euros.

O impulso vendedor da CGD
Contas feitas, o programa de privatizações gerou receitas de 6742 milhões de euros até agora – mais 22% do que o valor acordado com a troika. Mas a este valor ainda é preciso somar o encaixe indirecto garantido com as vendas da Caixa Geral de Depósitos (CGD), que nos últimos anos se foi activamente desfazendo de participações. No total, as operações feitas através do banco do Estado renderam 2539,5 milhões de euros, com destaque para a alienação de 80% da Fidelidade.

O comprador, os chineses da Fosun, poderão ver a participação subir mais 5%, se os trabalhadores (que tinham direito a esta parcela da empresa) não aderirem à operação de venda que termina hoje. O maior accionista da Fidelidade é o mesmo que se prepara para comprar a Espírito Santo Saúde, a dona de 18 hospitais privados que pertencia ao Grupo Espírito Santo.

Mas as vendas da CGD estenderam-se a outros sectores. O banco público vendeu, logo em Junho de 2012, 10% da ZON (a operadora de telecomunicações que viria a dar lugar à NOS, após a fusão com a Optimus) à empresária angolana Isabel dos Santos. Na mesma altura alienou 9,6% da Cimpor à Camargo Corrêa. E, no final desse ano, desfez-se da Caixa Saúde e de 1% da Galp (onde a Parpública, holding do Estado, ainda detém 7%). Seguiu-se, em Outubro de 2013, a venda de 6% da PT em bolsa, por 190,6 milhões.

As operações feitas pela CGD elevaram, assim, as receitas com privatizações e venda de participações em empresas para um total de 9281,5 mihões de euros, dos quais 51% foram garantidos por investidores chineses. Apesar de a lei obrigar o Estado a aplicar pelo menos 40% deste encaixe na amortização de dívida pública, o Governo tem ido muito mais longe, tendo destinado a quase totalidade a este fim.

Mas o valor ainda poderá aumentar, já que na calha está a privatização de empresas na órbita das transportadoras públicas, como a CP Carga e a EMEF. Quanto à TAP, cuja venda é falada há mais de uma década, já há investidores, mas o Governo demora a decidir se relança o processo. O grande "calcanhar de Aquiles" do executivo nesta matéria foi, aliás, o fracasso do negócio com Gérman Efromovich em 2012.

O Governo sempre argumentou que o programa de privatizações respondia à situação de emergência financeira em que o país se encontrava quando a troika chegou ao país, mas a justificação deixou de aderir à realidade a partir do momento em que a meta estabelecida pelos credores internacionais foi ultrapassada.

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