E se o Programa de Estabilidade fosse um livro? Governo e PSD fazem a leitura

Centeno diz no Parlamento que não há razões para alterar as previsões económicas. Para os sociais-democratas, o Programa de Estabilidade não passa de uma “obra de ficção”.

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O OE “requer muito rigor na sua execução”, diz Mário Centeno Nuno Ferreira Santos

Se o Programa de Estabilidade apresentado pelo Governo fosse uma obra de autor, certamente o Governo e o PSD não a colocavam na mesma prateleira. Quando o ministro das Finanças, Mário Centeno, e o deputado social-democrata Duarte Pacheco debatem no Parlamento, o diálogo entre os dois poucas vezes deixa de fora metáforas e imagens inversas entre si. Onde um vê uma coisa, o outro vê o seu contrário.

Mário Centeno voltou ao Parlamento nesta terça-feira para ser ouvido pelos deputados da comissão parlamentar de orçamento, finanças e modernização administrativa. E a cena repetiu-se: desta vez, com o Programa de Estabilidade a ser comparado a um livro.

Logo a abrir a audição parlamentar, o deputado do PSD chamou ao documento uma “obra de ficção”. Tudo por causa do cenário macroeconómico previsto pelo Governo, não só para este ano, mas para os próximos. O relatório do executivo “mantém as metas” do Orçamento do Estado (OE) apresentado em Fevereiro e, passados dois meses, disse o deputado, as previsões “já não são optimistas, estão completamente desacreditadas”. Nada que a teoria da literatura possa comprovar. Nem isso, nem as palavras de Mário Centeno quando falou sobre o futuro. O ministro inverteu a metáfora de Duarte Pacheco, falando do Programa de Estabilidade como uma obra de “não ficção”, pelo realismo e a prudência que diz existir no exercício das projecções económicas.

“Os comentários que faz não são novos, já os fez na altura do Orçamento”, atirou o ministro em resposta ao deputado, dizendo não haver razão para alterar o cenário. “O OE de 2016 é obviamente um OE que eu e o Governo temos reputado de exigente, que requer muito rigor na sua execução e que tem como função devolver confiança e o crescimento à economia portuguesa”. Mas citando os dados da execução orçamental divulgados nesta terça-feira, disse que os números dos primeiros três meses do ano estão alinhados com o projectado para este ano. “Não vemos nenhuma razão para alterar o cenário macro económico e orçamental”.

A audição continuou, na véspera de o Programa de Estabilidade ser debatido em plenário, e o deputado do PS João Paulo Correia mostrou-se igualmente convicto de que as metas do OE vão ser cumpridas. E foi então que Mário Centeno falou da “não-ficção que é o Programa de Estabilidade”.

Para este ano, o Governo prevê que a economia cresça 1,8%, com uma aceleração do investimento (a passar de 3,9% em 2015 para 4,9% em 2016) e um ligeiro abrandamento do ritmo de crescimento do consumo privado (ao passar de 2,6% para 2,4%) e do consumo público (de 0,6% para 0,2%).

Inês Domingos, deputada do PSD, lembrou os avisos deixados esta manhã, também no Parlamento, pela presidente do Conselho das Finanças Públicas, Teodora Cardoso, depois de esta entidade considerar que as previsões do Governo são optimistas, nomeadamente nas exportações e investimento, o que pode ameaçar as metas orçamentais.

A deputada do Bloco de Esquerda Mariana Mortágua não quis entrar na discussão das previsões – “porque elas não passam disso” – mas disse ser importante discutir o cenário macroeconómico em que se baseiam as opções de política para os próximos anos, alertando, por exemplo, para a diminuição da despesa pública.

A centrista Cecília Meireles criticou as previsões do executivo. E desafiou os partidos que suportam o Governo de António Costa a levar a votos o Programa de Estabilidade no Parlamento, como se pede no projecto de resolução apresentado pelo o CDS, debatido na quarta-feira na Assembleia da Repúblicas. 

O deputado do PCP Paulo Sá apontou o dedo ao PSD e ao CDS, acusando-os de quererem um regresso às políticas do anterior Governo. “Aparentemente, todos os dias os deputados do PSD e do CDS descobrem que existem opiniões diferentes das suas e pasmam-se”, criticou.

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