Draghi: a emergência dos populismos enfraquece a integração europeia

Incerteza política toma conta da Europa, mas as reacções nos mercados também têm sido menos catastróficas do que o antecipado, lembra o presidente do BCE.

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O conselho de governadores do BCE volta a reunir-se dias depois do referendo italiano Reuters/INTS KALNINS

Pergunta do El País numa entrevista ao presidente do Banco Central Europeu (BCE): a Europa está em perigo? Primeiro, fala o tecnocrata. Com optimismo, Mario Draghi, o homem que prometeu tudo fazer para salvar a zona euro quando no Verão de 2012 mais do que nunca a moeda única parecia à beira do colapso, começa por enumerar os resultados económicos e a acção do BCE: “A recuperação, embora modesta, é robusta. Estamos a crescer e a nossa inflação está a melhorar. O PIB europeu recuperou para o nível anterior à crise, ainda que tenha demorado sete anos e meio. Nos últimos quatro, a Europa criou milhões de empregos e a taxa de desemprego baixou de 13% para 10%. Continuam a existir grandes diferenças entre os países, mas são menores do que antes”.

Com o desenrolar da entrevista, que o diário espanhol publica nesta quarta-feira, revela-se aos poucos Draghi, o político – e, aí, o tom já não é o mesmo: a Europa está a recuperar, sim, mas com a emergência dos populismos o caminho para a integração europeia está mais enfraquecido. Predomina a incerteza política.

Quando o questionam se a política pode arruinar a recuperação de que estava a falar, Draghi identifica os percalços que se colocaram no caminho este ano: desaceleração na China, “Brexit”, eleições nos Estados Unidos. “A questão-chave é [saber] em que medida essa incerteza política afectará a recuperação económica. Até agora, temos observado no curto prazo uma resposta mais moderada do que se esperava”.

Com o resultado do referendo pela saída do Reino Unido da União Europeia, a eleição de Donald Trump para Presidente dos Estados Unidos e a emergência dos populismos, surge a pergunta: está também em perigo a ordem liberal internacional?

A questão-chave, diz Draghi, passa por saber se os valores europeus estão comprometidos e de que forma se podem proteger esses valores. “As preocupações dominantes dos cidadãos da União são agora a imigração, a segurança antiterrorista, a defesa, a protecção das fronteiras. Todos estes são assuntos supranacionais que precisam de uma resposta comum. A integração europeia é a resposta adequada, mas enfraqueceu nos últimos tempos, em parte por causa dos populismos. É cada vez mais difícil avançar com a integração, mas ao mesmo tempo os cidadãos querem políticas europeias em matéria de segurança e defesa. Isso também é uma forma de construir a Europa”.

Ainda na semana passada o próprio Banco Central Europeu veio alertar que, perante a incerteza política, os riscos de instabilidade financeira na zona euro são agora mais evidentes do que antes. No entanto, Draghi afasta-se de um tom alarmista. Ao El País, o homem-forte de Frankfurt vinca que “o conjunto do sector bancário e, talvez de forma mais geral o sector financeiro, está agora mais resistente do que antes da crise”.

A afirmação surge num momento em que o sector bancário de Itália enfrenta semanas decisivas – o primeiro e o terceiro maiores bancos do país preparam-se para reforçar os rácios de capital – ao mesmo tempo em que a Europa está em suspenso à espera do resultado do referendo no próximo domingo às reformas constitucionais protagonizadas por Matteo Renzi, que poderá sair de cena se perder a votação, abrindo-se uma possível crise política que os investidores temem poder desestabilizar a economia.

Silêncio sobre Itália

Questionado se o referendo italiano e as eleições noutros países europeus podem provocar turbulências nos mercados de dívida pública com contornos semelhantes ao que aconteceu em 2012, Mario Draghi é evasivo. Sem querer “comentar acontecimentos políticos que ainda não aconteceram”, desvia a resposta para aquilo que é um dos objectivos do BCE para a zona euro – a estabilidade dos preços. E acrescenta: “Dispomos dos instrumentos para alcançá-la. Como podemos contribuir para melhorar a confiança e a estabilidade? Cumprindo o nosso mandato”.

Para reduzir a pressão sobre os países da zona euro, o BCE tem em marcha um programa alargado de compra de activos financeiros (incluindo dívida pública), mas quando é questionado se este programa e as baixas taxas de juro de referência chegam para evitar uma terceira recessão, Draghi defende que as medidas do BCE “foram muito efectivas” e que a fragmentação entre economias mais sólidas e as mais frágeis se reduziu.

A próxima reunião de governadores do BCE está agendada para 8 de Dezembro, dias depois do referendo italiano, mas Draghi não responde taxativamente o que mudará no programa de compra de activos – se será prolongado ou se o valor das compras de dívida serão alterados. Apenas reafirma o compromisso de “manter o grau muito considerável” das políticas monetárias acomodatícias para que a inflação – actualmente de 0,6% – caminhe para o objectivo do BCE de 2%.

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