Draghi, a crise sueca e o Congresso do PS

Draghi já terá percebido que os políticos europeus não irão fazer quase nada e que o BCE é único relevante ator à escala europeia.

1. Fiquei satisfeito por saber que o mandato de Mario Draghi só termina em 2019. O super Mário, como já foi chamado, é o principal responsável por ainda termos euro e é também neste momento a principal personagem que pode liderar uma mudança da política monetária do Banco Central Europeu para ajudar à retoma económica da zona euro e à subida da inflação para níveis perto dos 2%.

Draghi anunciou a “intenção” do BCE de proceder a um programa de compra de ativos, em larga escala, nomeadamente de dívida pública. Essa política, não convencional, não é do agrado dos alemães e levou mesmo a uma divisão do comité executivo do BCE, mas tudo indica que poderá ser implementada no início do ano que vem, e ainda bem, pois a economia europeia bem dela precisa. Em apenas três meses, as previsões do BCE para o crescimento e a inflação, em 2015, reduziram-se substancialmente (de 1,6% para 1% e de 1,1% para 0,7% respetivamente). São necessárias medidas estruturais à escala europeia, e embora Draghi diga há anos que o BCE não pode fazer tudo sozinho, isto é, que os políticos europeus deveriam fazer a sua parte – nomeadamente (completamos nós) caminhar no sentido de uma maior integração política e de um maior orçamento europeu, com funções de estabilização e redistribuição Draghi já terá percebido que os políticos europeus não irão fazer quase nada e que o BCE é único relevante ator à escala europeia.

2. Mas será a manutenção do euro uma boa solução? Não seria melhor termos soberania monetária? Provavelmente sim. Os países da União Europeia com moeda própria tiveram, durante a crise, um desempenho médio superior ao dos países da área euro. Para além da política orçamental têm a política monetária. Com mais instrumentos de política económica é natural que o seu desempenho económico seja melhor. Isto não significa que seja melhor voltarmos ao escudo por duas razões essenciais. Os elevados custos e incerteza associados a uma eventual transição. Por outro lado, mais soberania nacional significa menos soberania europeia. Este não será um problema para os nacionalistas, mas sim para federalistas ou convictos europeístas.

3. Os políticos europeus respondem perante os seus eleitorados. Assim, o que se espera, e já se verifica, é um aumento da fragmentação política nos parlamentos nacionais e a presença nestes de representações significativas de partidos anti-europeus, anti-imigração e xenófobos (UKIP, no Reino Unido, Frente Nacional em França, ou Democratas Suecos). A maior fragmentação parlamentar aliada à existência de partidos populistas que, por definição são mais voláteis e erráticos relativamente às políticas públicas, cria problemas para a estabilidade política, pois gera maior instabilidade nas coligações. Os efeitos da globalização, o baixo crescimento económico, as dívidas excessivas, o elevado desemprego, os excessos e imoralidade de certos comportamentos na banca, e em certos países, a elevada imigração, criam o contexto social e cultural para o surgimento e reforço de movimentos populistas.

4. A atual crise política na Suécia merece ser vista com atenção. Para se perceber como os tempos estão mesmo a mudar, a Suécia não tinha uma eleição intercalar desde 1958, e agora depois de 3 meses de governo de centro-esquerda, este não conseguiu aprovar o seu orçamento e haverá novas eleições em Março. Nas eleições recentes, os sociais democratas e os verdes formaram uma coligação minoritária com 159 deputados. A coligação de centro direita, Aliança pela Suécia, teve 141 mandatos e os “Democratas Suecos” (partido anti-imigração) 49. Uma peculiaridade do caso sueco é que o bloco de oposição apresenta um orçamento alternativo ao do governo. Com maioria absoluta isto é bom pois revela o que seria a governação da oposição (ao contrário de Portugal, onde partidos sem programa de governo nem propostas de orçamento prosperam eleitoralmente apenas com uma retórica de crítica e de propostas ambíguas). Porém, o governo sueco sendo minoritário viu ser aprovada a proposta orçamental da oposição Aliança pela Suécia – com o apoio adicional dos Democratas Suecos, levando à situação paradoxal e original de um governo de centro esquerda ir executar durante uns meses um orçamento do centro-direita.

5. Há lições que espero que tenhamos já aprendido em Portugal desde o advento desta crise. Se governos minoritários ou não maioritários, como foram os de Guterres I e II (que só a procura de compromisso, paciência e resiliência  terão aguentado) são já de si difíceis em tempos normais pela necessidade de fazer cedências às oposições ou a grupos de interesse governos minoritários em tempo de crise (Sócrates II em 2009) ou o que poderá emergir das eleições de 2016, ainda em plena crise, seriam um suicídio político. É neste sentido que leio a intervenção de António Costa no Congresso do PS. Afirmou de forma clara: que quer uma maioria absoluta, que quer ser uma alternativa ao atual governo e às atuais políticas, que rejeita o conceito restrito de “arco da governação”, estando assim aberto a coligações à esquerda (mencionando o Livre, precisamente por ser o único partido de esquerda que admite uma perspetiva de governação, e não apenas de força de protesto), que não aceitaria cooperar com a atual maioria e com estas políticas, e que a questão das eventuais coligações não tem a ver com nomes (Pedro, Rui), mas sim com políticas. Ao contrário da maioria dos comentadores que afirmaram ter Costa rejeitado acordos ou compromissos à direita, o que disse foi “não é possível ser alternativa às atuais políticas com quem quer precisamente prosseguir as atuais políticas”. Isto significa que compromissos, à esquerda ou à direita, não são função de nomes de pessoas nem de siglas de partidos. O que interessa é discutir plataformas políticas e alcançar compromissos razoáveis que garantam a estabilidade governativa em torno de novas, mas realistas, políticas.

PS – No meu anterior artigo de opinião (PÚBLICO 02/11/14) argumentei que é preciso mudar a nossa visão do mundo, e as nossas expectativas – pois Portugal e a Europa estão a envelhecer rapidamente e irão crescer pouco – e tirar daí as devidas consequências para, entre outras coisas, analisar o papel do Estado e a dimensão exequível do estado social. Certa esquerda radical, que se recusa a aceitar a realidade, não gostou e a resposta veio através de Jorge Bateira (JB) no jornal i (13/11/14) e cito: “quando PTP nos exorta ‘a aceitar a realidade como ela é’ está de facto a propor-nos a sua visão da realidade, a da sua escola de pensamento”. Daqui só se poderá deduzir que JB acha que as projeções para o crescimento económico e a realidade do envelhecimento da população são fruto da minha escola de pensamento.... (aconselho a ler atentamente as próximas projeções do Ageing Report da Comissão Europeia para 2060 da população portuguesa e da população ativa). Outro dos objectivos desse meu artigo é esclarecer a distinção entre o papel das ideologias na análise económica, e a importância da análise empírica. Refiro que “As ideologias são importantes e úteis para enquadrar as políticas públicas e dão respostas diferentes à mesma realidade, mas são perigosas se negarem essa realidade.” Ou seja, as políticas públicas têm necessariamente um enquadramento normativo e ideológico. JB faz uma verdadeira deturpação ao escrever “Estas (as ideologias) serão 'importantes e úteis para enquadrar as políticas económicas (sic)', mas estão excluídas da análise económica. Errado!”. Isto é JB trunca a minha frase, completa-a com uma proposição falsa e conclui... que é falsa. Genial.

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