Documentos internos da S&P mostram que agência ignorou preocupações sobre produtos triplo A

Acusação do procurador-geral dos EUA indica que a Standard & Poor's recebera alertas de que os compostos financeiros que levaram à falência do Citigroup não eram seguros.

Foto
Acusações do Departamento de Justiça estão a trazer a público documentos internos da agência de rating Brendan McDermid/Reuters

O Departamento de Justiça norte-americano entregou documentos internos da Standard & Poor's aos tribunais dos EUA que, afirma o Departamento de Justiça, corroboram a acusação de que agência de rating tinha conhecimento de que os produtos financeiros que classificara com o rating máximo não ofereciam garantias de segurança.

Os documentos foram entregues na terça-feira ao tribunal de Los Angeles que recebeu a acusação formal de fraude civil contra a agência de <i>rating</i> norte-americana e contra a empresa-mãe, a McGraw-Hill. Este é o primeiro grande processo movido por um Estado contra uma agência de rating. Os EUA querem atribuir responsabilidades à S&P pela actual crise económica global e procuram uma indemnização que pode chegar aos 5000 milhões de dólares (cerca de 3700 milhões de euros).

De acordo com os documentos entregues na terça-feira, os analistas da Standard & Poor’s teriam conhecimento de que a maior parte dos activos financeiros que estavam incluídos nos pacotes de obrigações de garantia de dívida conhecidos como Octonion I tinham uma classificação abaixo do Bbb+; a terceira pior marca da classificação de investimento da agência. No entanto, os Octonion I foram classificados pela Standard & Poor's com o triplo A, a classificação máxima.

Para além de tudo, sustenta a acusação dos EUA, os responsáveis ignoraram alertas internos que atribuíam o sucesso destes compostos financeiros à alta procura dos subprime, um outro tipo de compostos financeiros que se encontravam já em falência, o que representaria novo sinal de que a classificação dos Octonion I não deveria ser de triplo A.

Apesar desse facto, defende o Departamento de Justiça dos EUA, a S&P manteve a classificação de triplo A destes produtos em Maio de 2007, a dez meses apenas de estes entrarem em incumprimento e de custarem quase a totalidade dos fundos do banco de investimentos Citigroup, como escreve a Bloomberg nesta quarta-feira.

O procurador-geral dos EUA e chefe do Departamento de Justiça, Eric Holder, referiu-se a este acontecimento como um exemplo da “conduta flagrante que vai ao coração da mais recente crise económica”. Eric Holder sublinhou a ideia de que o caso Octonion I mostra como os ratings irreais na era pré-crise de 2008 levaram a uma perda conjunta de mais de 2,1 biliões (milhão de milhão) de dólares no sector financeiro.

S&P terá ignorado alertas

A Standard & Poor’s manteve a classificação tripo A dos Octonion I alegando que este agregado de produtos financeiros ainda não estava completo. Quer isto dizer que mais activos financeiros com melhores classificações do que a de Bbb+ podiam fazer parte do “cabaz de activos” Octonion I – apesar de estes serem já 62% do bolo total.

À medida que a Standard & Poor’s reafirmava a classificação triplo A, a responsável da agência pelos mercados de obrigações de garantia de dívida, onde os Octonion I se inserem, alertava para a fragilidade destes produtos.

O Departamento de Justiça dos EUA teve acesso a um comunicado de Patrice Jordan, então uma das directoras de mercados da S&P, em que esta afirmava que a alta procura dos Octonion I se prendia sobretudo com a alta procura que os produtos subprime do mercado imobiliário também estavam a registar. A família dos subprime do mercado imobiliário é tida como uma das principais responsáveis pela queda do sector financeiro em 2008 e pelo eclodir da crise económica global.

Dois meses antes, em Março de 2007, David Tesher, outro responsável da Standard & Poor's, defendia que haveria uma corrida aos Octonion I. Esta procura, afirmou então David Tesher, acontecia porque os bancos beneficiavam em ter os activos hipotecários organizados em "cabazes" de triplo A em vez de manterem aqueles 62% de activos de classificação Bbb+ no seu estado normal.

A decisão da S&P parece agravar-se ainda mais pelo facto de o mercado dos subprime imobiliários já se encontrar em falência em Maio de 2007, facto que estava a ser investigado também pela própria Standard & Poor’s. Os subprime eram outros “cabazes" de activos financeiros, que juntavam produtos que não possuíam a cotação triplo A com outros que tinham esta classificação. Contas feitas, as agências acabavam por atribuir o triplo A a estes produtos, tal como aos Octonion I, independentemente de haver uma grande quantidade de produtos abaixo da cotação máxima.

Indiferente aos alertas de Patrice Jordan e de David Tesher, a agência não alterou o rating dos Octonion I mesmo depois das ligações destes produtos ao mercado já em falência dos subprime. Para além do mais, em Junho, a S&P reduziu o rating de activos hipotecários do mercado imobiliário que ficaram fora dos "cabazes" triplo A sem, contudo, alterar a classificação dos Octonion I ou dos subprime.

Os Octonion I acabariam por entrar em incumprimento em Fevereiro de 2008, arrastando consigo o banco Citigroup, como escreve a Bloomberg.

A Standard & Poor's rejeitou as acusações feitas pelo Departamento de Justiça dos EUA. Num comunicado citado nesta quarta-feira pela Bloomberg, a agência de rating diz que as "alegações de que nós [S&P] mantivemos deliberadamente classificações altas quando sabíamos de que estas deviam ser mais baixas não são de todo verdade".

No mesmo comunicado, a agência norte-americana afirmou que se iria defende "vigorosamente" face a "alegações infundadas".
 
Notícia corrigida às 16h03 Onde se lia Ministério da Defesa, no quinto parágrafo, lê-se agora Departamento de Justiça
 
 
 

Sugerir correcção
Comentar