Divergências com Carlos Costa e Governo sobre estratégia do Novo Banco levam à demissão de Vítor Bento

Carlos Costa convidou Bento a liderar o Novo Banco após a decisão de intervir no BES. Bento aceitou mas recusou ser líder de uma comissão liquidatária. Com a urgência em vender o banco, acabou por apresentar a demissão.

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Vítor Bento afasta-se da instituição apenas após dois meses no cargo Enric Vives-Rubio

Bastaram dois meses para Vítor Bento deixar vazia a cadeira da presidência do conselho de administração do Novo Banco, abrindo novas brechas no designado dossiê BES que minam a credibilidade externa do país e do sector e a confiança dos consumidores. O Governo e Banco de Portugal (BdP) procuram agora um novo rosto para substituir Vítor Bento à frente do Novo Banco, que terá de ser vendido o mais rapidamente possível para fugir à síndrome do BPN.

As renúncias de Vítor Bento (ex-presidente da SIBS) e da sua equipa de gestão do Novo Banco — José Honório (ex-presidente da Portucel) e João Moreira Rato (ex-presidente do IGCP, organismo que gere a divida pública) — não eram esperadas, mas ao mesmo tempo também não constituíram uma surpresa.

Este é mais um episódio do processo de resolução do dossiê BES, que na noite de 3 de Agosto culminou na divisão do grupo: banco tóxico (BES) e Novo Banco. Um caso já considerado o mais grave de sempre ocorrido no sistema financeiro português. Isto, em virtude não só da dimensão da instituição (o BES era o segundo maior banco privado no mercado nacional) e da natureza dos problemas, mas pelas medidas de resolução que envolvem todos os bancos, nomeadamente, o estatal CGD. O Fundo de Resolução bancário a que o Novo Banco recorreu para se recapitalizar (4,9 mil milhões, grande parte via empréstimo estatal) é alimentado com as verbas dos concorrentes, onde já há vozes, como Artur Santos Silva, chairman do BPI, a defender a venda acelerada. 

Duas visões diferentes
Há várias semanas que rolam na praça pública duas visões diferentes sobre o futuro do Novo Banco, que opera debaixo da alçada do Fundo de Resolução bancária (detido por todo o sistema financeiro) gerido no quadro do BdP. Se Vítor Bento apostava numa estratégia de médio prazo, o que o levou a solicitar à McKinsey um programa de desenvolvimento do Novo Banco a três anos (a Lei da Resolução Bancária prevê dois anos, embora prorrogáveis até três), o Governo e o BdP têm surgido a promover a venda a curto prazo.

Foi, aliás, nesse sentido que as autoridades pediram à consultora PwC uma auditoria completa e um balanço actualizado do Novo Banco e ao BNP Paribas (a 26 de Agosto) a organização do processo de “reprivatização” imediata. “Encomendas” que contrariaram publicamente a solução defendida pelos três gestores. Na sequência, a 26 de Agosto, Bento falou com Carlos Costa, que emitiu um comunicado onde o governador declarava tê-lo incumbido de preparar um plano de desenvolvimento de médio prazo para o Novo Banco.

No início de Julho, o economista assumiu funções de presidente do BES (com o acordo de Carlos Costa, por Bento ter uma imagem pública acima de qualquer suspeita) por proposta de Ricardo Salgado, o banqueiro acusado de ter levado o grupo à falência.

A 2 de Agosto, na véspera de o BdP anunciar que a divisão do BES e a criação do Novo Banco, Carlos Costa reuniu com Bento e convidou-o para liderar o Novo Banco. O desafio foi aceite. Nessa noite de Agosto, Bento tomou uma posição contrária à venda rápida do Novo Banco, recusou ser líder de uma comissão liquidatária e manifestou intenção, a continuar, de desenvolver um projecto a médio prazo. E mostrou perante o governador o desejo de deixar o cargo.

Responsáveis do BdP contactados pelo PÚBLICO asseguraram que Carlos Costa se bateu pela continuidade do economista, alegando, entre outros pontos, que havia trabalho a fazer no Novo Banco. Mas a Costa faltava uma visão clara sobre o modelo de resolução que iria vigorar, ainda que o Novo Banco (por ser capitalizado via Fundo de Resolução) fosse de transição.

As tensões entre os dois acentuaram-se nos dias seguintes. Basta recordar a entrevista à SIC Notícias, logo a 7 de Agosto, onde o gestor dá um sinal de desgaste. O pedido de demissão foi entregue um mês depois, acompanhado dos de José Honório e Moreira Rato. Três nomes da esfera política do governo, pelo que a ruptura traduz, na prática, uma cisão de sensibilidades no bloco do poder. Até assumir funções no BES, Bento era conselheiro de Estado, a convite de Cavaco Silva, enquanto Moreira Rato e José Honório são tidos como próximos dos partidos que integram o Executivo. Falta agora saber a quem Carlos Costa vai confiar a venda do Novo Banco, nome que poderá ser conhecido ainda este fim-de-semana.

Um filme mal dirigido
Já este sábado, Bento e a sua equipa e o BdP emitiram os seus respectivos comunicados. Para Carlos Costa, a viabilidade do Novo Banco “exige que num prazo tão curto quanto razoavelmente exequível” passe “a contar com uma estrutura accionista estável e que garanta o desenvolvimento de um projecto criador de valor para a instituição, para os seus trabalhadores, para o sistema financeiro e para a economia nacional”. Já a equipa demissionária do Novo Banco alega que contribuiu “para a estabilização do banco”, pôs “em marcha as acções necessárias para a normalização e melhoria do seu funcionamento” e lançou “a elaboração de um plano de médio prazo".

Este é um filme onde ninguém sai bem na fotografia. A equipa de Bento, por ter concordado exercer funções com uma missão (ou sem ela) que não era do seu agrado, e por ter acreditado que o processo de saneamento do BES se poderia prolongar por três anos sem apodrecer; e o BdP, por ter uma responsabilidade institucional directa na condução do processo (e na fiscalização do sector), por ter deixado que o Governo o comprometesse, nomeadamente, na recondução de Bento como presidente do Novo Banco, e por Carlos Costa ter acreditado que ia resolver os problemas do BES, sem salpicos.

Mas o BdP surge como mero executor das orientações do Governo, nomeadamente, em termos dos recursos de recapitalização afectos ao Novo Banco e que condicionam a solidez da instituição. A ministra das Finanças impôs como limite máximo de ajuda ao Novo Banco os 4,9 mil milhões de euros, ainda que em Agosto o BdP considerasse a fatia adequada de cerca de seis mil milhões de euros. Sublinhe-se que tem havido tentativas de resolução de questões complicadas, como o pagamento do papel comercial das empresas do Grupo Espírito Santo vendidas aos balcões do BES, a que não tem sido dada resposta pelo Novo Banco. Fontes do PÚBLICO ligadas ao supervisor admitem que o Novo Banco tenha necessidade de vir a constituir imparidades adicionais, para poder passar nos testes do BCE de Novembro. Bento sai antes do fecho das contas trimestrais de uma instituição alvo de grande pressão dos clientes, com o balanço a emagrecer.

A sombra do BPN
A falta de disponibilidade do Governo tem por detrás a síndrome BPN a que Passos Coelho quer escapar: não ficar com um banco na mão. Nacionalizado em Novembro de 2008 e privatizado em 2011, o BPN poderá vir a gerar prejuízos superiores a cinco mil milhões de euros para o erário público (ainda há operações de venda em curso). E quanto mais o processo BES se arrastar, mais semelhanças terá com o BPN. Uma fonte do BdP salientou ao PÚBLICO que o discurso de Maria Luís Albuquerque, esta quarta-feira, onde teceu críticas públicas à supervisão do BdP, dividiu a instituição num momento particularmente delicado. “Quando se está no meio de uma batalha, o general não deve deixar cair as tropas, mas ela deixou, e incendiou o clima interno [BdP], o que vai ter consequências.”

Na tomada de posse dos novos administradores do BdP (António Varela e Hélder Rosalino), duas escolhas da ministra, a gestão do Novo Banco não compareceu à cerimónia, onde todos os outros bancos estiveram representados ao mais alto nível.

O Governo e o BdP têm sido ainda acusados de não terem actuado atempadamente (quando em Novembro de 2013 ficou claro que os problemas no GES estavam a contaminar o BES, o que envolveria uma intervenção pública) para evitar o colapso do grupo, o que teve repercussões na credibilidade do país. 

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