Dificuldades financeiras da Moviflor precipitam novo pedido de insolvência

Empresa de mobiliário continua sem dinheiro para cumprir o plano de recuperação aprovado em Dezembro. Enquanto o futuro permanece uma incógnita, clientes e trabalhadores desesperam.

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Moviflor, agora denominada de Albará, tem vários pedidos de insolvência no tribunal PÚBLICO/Arquivo

Uma trabalhadora da Moviflor avançou, em Agosto, com um pedido de insolvência da empresa de mobiliário que, nove meses depois de ter conseguido aprovar em tribunal um Plano Especial de Recuperação (PER), não saiu da difícil situação financeira em que se encontra. A esperada injecção de capital tarda em acontecer e a Moviflor, fundada há mais de 40 anos, espera chegar em breve a acordo com um investidor estrangeiro para dar a volta ao negócio.

Questionada sobre o novo pedido de insolvência, Teresa Albuquerque, directora-geral, sublinha que a empresa “ainda não foi citada”, mas espera resolver em breve os problemas que enfrenta.

De acordo com o Sindicato dos Trabalhadores do Comércio e Serviços (Cesp), no final de Julho os trabalhadores ainda tinham em falta parte do salário de Maio. A estes valores somam-se os créditos incluídos no PER, um mecanismo alternativo à insolvência mas que também corre nos tribunais.

“A situação é incomportável”, diz Célia Lopes, dirigente do Cesp. Sem ordenado, vários funcionários “têm suspendido os contratos e há lojas que encerraram por falta de pessoal, nomeadamente em Coimbra, Aveiro e Vila Real”, continua. A concretização de um novo pedido de insolvência era, por isso, expectável. “Com o incumprimento do PER é normal que os credores ou avançassem com pedidos de insolvência ou avançassem com acções executivas. Não sabemos se este pedido foi o único, sabemos que entrou no Tribunal do Comércio de Lisboa”, continua Célia Lopes.

Aprovado em Dezembro de 2013, o plano foi assessorado pela sociedade de advogados PLMJ que, na sua página online, se refere ao processo como um dos maiores em Portugal, que iria “permitir a revitalização económica” da empresa. Incluía o pagamento dos salários em atraso, com um período de carência de seis meses depois da homologação do PER e em seis prestações “iguais e sucessivas”, o que não sucedeu até agora. Previa também um investimento de quatro milhões de euros na empresa, que também ficou por concretizar.

Desespero de clientes e trabalhadores
Enquanto o futuro permanece uma incógnita, clientes e trabalhadores desesperam. Esta semana, no site Portal da Queixa, uma reclamação de uma cliente desencadeou uma discussão, com os utilizadores a alertarem para a falta de pagamentos e a ausência de stock nas lojas. “Estou muito desiludida por me terem dito que vinham trazer o móvel em meados de Julho e, depois, terem-me ligado a dizer que não tinham móveis disponíveis. Ficou para 29 de Agosto e até agora ninguém me disse nada. A loja está fechada sem qualquer aviso e dei a entrega de 140 euros”, lamentava uma cliente. Nos comentários, trabalhadores lamentam os subsídios e salários em atraso. “Temos pena que se tenha deixado enganar...a única solução que tem é procurar um advogado pois a Moviflor não tem dinheiro nem para pagar a água e luz”, lê-se.

Na loja de Corroios, há alguns produtos com desconto e pouco mobiliário exposto. Uma família transporta o sofá preto que acabou de comprar, enquanto outro casal se dirige à recepção. Questionada sobre a situação da empresa, uma das trabalhadoras preferiu não fazer declarações. “Nós aqui não vamos falar. Como vê a loja está aberta e estamos a trabalhar e é assim que esperamos continuar”, disse.

Inácio Peres, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Judiciais, admite “há muitos PER aprovados que, depois, não são cumpridos”. “Seguramente que é uma questão de financiamento. Continua a haver algum receio da banca em financiar as empresas nesse estado”, comenta.

A Moviflor tem mais de 1400 credores e as dívidas ascendem a 147 milhões de euros, com o fisco e a Segurança Social a encabeçarem a lista. Recorreu ao PER para recuperar financeiramente e tentar manter os 865 postos de trabalho em Portugal. Contudo, a solução prevista no plano, aprovado por 80% dos credores, passava pelo despedimento de 320 trabalhadores e pelo encerramento e substituição de cinco a seis lojas de um total de 24, bem como pelo redimensionamento das restantes.

O processo de despedimento colectivo arrancou a 14 de Janeiro deste ano e a saída de 200 trabalhadores foi formalizada um mês depois. Quando o PER foi aprovado, a empresa assegurou que seria feito “um reforço da estrutura financeira com capitais próprios, amortização do passivo, financiando meios libertos negativos” entre 2013 e 2015. O aumento de capitais próprios seria concretizado através da doação em espécie de imóveis detidos pelos accionistas, no valor de quase 1,1 milhões de euros. Catarina Remígio, que fundou a empresa aos 19 anos, é a principal accionista, detendo uma participação de 81,9%.

De fora do plano de recuperação, ficaram as operações em Angola e Moçambique, onde a Moviflor está em regime de licença e como fornecedora de produtos. No PER, a situação da empresa portuguesa é atribuída a um “acentuado desequilíbrio financeiro estrutural”, provocado por um “forte investimento e correspondente a uma deficiente cobertura do activo não corrente por capitais permanentes”. Ao mesmo tempo, foi prejudicada por “fortes restrições na obtenção de crédito, agravado pelo reembolso de várias linhas de crédito a bancos estrangeiros e impossibilidade de renovação e reforço do financiamento”.

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