Dez mil famílias e empresas arrastadas para a falência no primeiro semestre

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Nos primeiros seis meses do ano as falências judiciais aumentaram 83% em comparação com o mesmo período de 2011 Foto: Adriano Miranda

Número de insolvências no país subiu 83% entre Janeiro e Junho, alcançando um ritmo de 53 por dia. Falências de particulares mais do que duplicaram e já pesam 65% do total. Nas empresas, o sector mais afectado é o imobiliário.

A crise que o país vive encontra um reflexo muito nítido na escalada dos processos de insolvência nos tribunais portugueses. No primeiro semestre deste ano, as falências judiciais aumentaram 83% face ao mesmo período de 2011, alcançando praticamente a barreira das dez mil e a um ritmo de 53 por dia. Esta subida continua a ser protagonizada essencialmente pelas famílias em dificuldades financeiras, que já representam quase 65% dos casos que chegam à justiça.

De acordo com dados cedidos ao PÚBLICO pelo Instituto do Informador Comercial, uma entidade gestora de crédito que reúne esta informação com base nos anúncios publicados em Diário da República, registaram-se 9637 processos de insolvência em Portugal entre Janeiro e Junho. Trata-se de uma subida de 83% face ao primeiro semestre de 2011 (período em que entraram nos tribunais 5274 acções deste tipo). E também do maior aumento verificado nos últimos cinco anos.

Tal como tem acontecido desde meados do ano passado, são as falências judiciais de pessoas singulares que têm impulsionado estas subidas. No primeiro semestre deste ano, o número de famílias arrastadas para a insolvência mais do que duplicou, atingindo um total de 6228. Este valor compara com os 3102 processos registados no mesmo período de 2011, mas a diferença é muito mais substancial quando analisados os dados de 2008 (ano em que se verificaram 408 casos).

Nessa altura, as falências de particulares representavam 23,3% do total e a grande fatia era da responsabilidade das empresas. Mas, a partir de 2011, a inversão desta tendência concretizou-se. Já no primeiro semestre desse ano, as insolvências das famílias pesavam 58,8% no total de processos que entraram nos tribunais. A percentagem subiu agora para 64,6% entre Janeiro e Junho de 2012. Neste momento, 34 pessoas são declaradas falidas por dia em Portugal.

O aumento deste tipo de falências está directamente relacionado com os impactos da crise, nomeadamente com factores como o desemprego, o endividamento e a redução de rendimentos. Mas há outras variáveis importantes, como o facto de haver hoje muito mais informação sobre este mecanismo judicial, que permite, em muitos casos, um perdão da dívida junto dos credores. A chamada exoneração do passivo do restante, uma possibilidade que a lei das insolvências institui, dá a possibilidade aos devedores de começar do zero ao fim de um período de cinco anos.

Vaga de falências no Norte

Do lado das empresas, fruto das fragilidades que a instabilidade económica pôs a descoberto e das actuais restrições de financiamento, o número de casos também continua a aumentar, embora a um ritmo mais moderado. Os dados do Instituto Informador Comercial mostram que, nos primeiros seis meses deste ano, registaram-se 3409 falências deste tipo (19 por dia), o que significou uma subida de 57% face a 2011. Em relação a 2008, a escalada é de 154%, já que, nesse ano, entraram apenas 1340 processos nos tribunais portugueses.

De entre os sectores mais afectados por insolvências no primeiro semestre, destaca-se o da promoção imobiliária, que registou um total de 604 processos, representando 18% do total. A segunda e terceira posições do ranking são ocupadas pelo comércio a retalho, com 467 casos, e pelo comércio por grosso (427), excluindo a venda de automóveis. Da lista das cinco actividades com mais registos de falências judiciais fazem também parte a construção e a restauração (222 e 192 insolvências entre Janeiro e Junho, respectivamente).

No entanto, o sector que assistiu ao maior aumento do número de falências foi o das empresas de reparação de material electrónico, com um acréscimo de 600%, sobretudo porque partiu de uma base pequena (passou de um caso em 2011 para sete este ano). Também os negócios de apoio social tiveram um comportamento semelhante, subindo 500% (de um para seis processos). Já os maiores decréscimos foram protagonizados por actividades como as telecomunicações, os consultórios de veterinária e as casas de apostas, que não registaram qualquer insolvência no primeiro semestre.

Em termos geográficos, é no Norte do país que mais insolvências têm chegado aos tribunais, tanto de empresas, como de particulares. O Porto lidera, actualmente, o ranking de distritos com maior incidência destes processos, tendo registado um total de 2586 no primeiro semestre, ou seja, 26,8% do total. A Invicta roubou o lugar a Lisboa, que em 2011 liderava esta lista. Entre Janeiro e Junho deste ano, a capital ficou em segundo lugar, com 1812 falências judiciais. Na terceira posição surge Braga (975 falências), seguindo-se Aveiro (788) e Setúbal (597).

Entre Janeiro e Junho, o distrito que registou uma maior preponderância de insolvências de particulares foi Setúbal, onde este tipo de processos representou 76,4% do total. Pelo contrário, em Bragança, as falências de famílias pesaram apenas 41,4%. Este foi, aliás, o distrito onde entrou o menor número de processos no primeiro semestre (apenas 29). Comparando com os dados de 2011, a zona do país que assistiu à maior escalada foi Beja, com uma subida de 324%, passando de 17 para 72 casos.

Recuperar negócios

O programa Revitalizar, que entrou em vigor a 21 de Maio com o objectivo de aumentar o número de casos de recuperação de negócios em dificuldades financeiras, atraiu, até agora, 28 empresas. Falta ainda lançar os fundos de reestruturação de 220 milhões de euros prometidos pelo Governo.

Desde Janeiro, entraram 28 processos de revitalização nos tribunais, com especial incidência no distrito de Braga (oito casos), de Aveiro (cinco) e do Porto (quatro). Trata-se de acções judiciais em que as empresas têm como objectivo recuperar, necessitando do acordo de pelo menos um credor para avançar com um plano de viabilização financeira. Esta foi uma das principais alterações introduzidas com a revisão do Código das Insolvências, exigida pela troika.

O secretário de Estado da Economia, António Almeida Henriques, frisou que os processos que deram entrada até aqui são "de empresas com significado económico e laboral", em que "o sector mais relevante é o da indústria". O governante acrescentou que "estes 28 processos não constituem manifestações de intenções ou expedientes dilatórios", significando "uma alternativa à insolvência e à liquidação das empresas em dificuldades".

Um passo importante neste dossier é o lançamento de fundos de reestruturação no valor de 220 milhões de euros que vão servir para suportar a recuperação destas empresas. O Governo tinha previsto avançar com este mecanismo ainda em Junho. Almeida Henriques explicou que o Executivo está a trabalhar no tema, em sintonia com a reprogramação estratégica do QREN, cujos pilares deverão ser enviados à Comissão Europeia até meados de Julho.

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