Despedimentos ensombram nascimento dos estaleiros West Sea, em Viana

PS diz que Aguiar Branco passou a ser persona non grata em Viana do Castelo.

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A iniciativa do PCP de constituir uma comissão de inquérito potestativo vai ser bem sucedida Nelson Garrido

A nova empresa a criar no âmbito da subconcessão dos terrenos e infra-estruturas dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC) ao grupo Martifer vai chamar-se West Sea e começa a operar em Janeiro. Mas o despedimentos dos actuais trabalhadores, parte deles eventualmente reintegrados na nova empresa, está a levantar um coro de protestos.

O nome da empresa foi avançado à Lusa por fonte ligada ao processo da subconcessão, no qual a Martifer prevê recrutar, a partir de Janeiro e durante três anos, cerca de 400 trabalhadores.

A nova empresa a criar pelo grupo português, que já detém a NavalRia, em Aveiro, será denominada de West Sea - Estaleiros Navais, assumindo a subconcessão até 31 de Março de 2031.

A empresa pública, nacionalizada em Setembro de 1975, conta hoje com 609 trabalhadores e a administração vai avançar com um plano amigável de cessação dos contratos que custará mais de 30 milhões de euros em indemnizações, a assegurar com recursos próprios, públicos, e a concluir até Janeiro, disse à Lusa fonte ligada ao processo.

Pela subconcessão, o grupo Martifer pagará ao Estado 415 mil euros por ano, envolvendo a mesma exclusivamente a utilização dos terrenos, edifícios, infra-estruturas e alguns equipamentos afectos.

"O grupo Martifer, através da sociedade a constituir para o efeito, pretende desenvolver a sua actividade no mercado nacional e internacional e implementar, nas áreas afectas à aludida subconcessão dos ENVC, um projecto de construção e reparação naval, no âmbito do qual se prevê a criação de cerca de 400 novos postos de trabalho ao longo dos próximos três anos", lê-se no comunicado enviado quarta-feira pelo grupo português à Comissão de Mercados de Valores Mobiliários.

O ministro da Defesa Nacional, José Pedro Aguiar-Branco, reúne-se esta quinta-feira com a comissão de trabalhadores dos estaleiros e com os deputados eleitos pelo distrito, encontros que servirão para abordar o futuro dos actuais operários.

Despedimentos acendem polémica
Os despedimentos estão a ser alvo de críticas. O PS acusou o Governo de delapidar o interesse nacional com a desactivação dos ENVC, considerando que o ministro da Defesa traiu a região e é persona non grata.

"O PS entende que o Governo - essencialmente centrado nos ministros da Defesa (José Pedro Aguiar-Branco), das Finanças (Maria Luís Albuquerque), da Economia (Pires de Lima) e no primeiro-ministro (Pedro Passos Coelho) - tem em relação aos Estaleiros de Viana do Castelo um péssimo trabalho para apresentar, que é o fim desta unidade produtiva. Quero dizer que não esqueceremos nem perdoaremos mais ao PSD e ao CDS o resultado que apresenta para os ENVC", declarou Jorge Fão, eleito pelo círculo de Viana do Castelo.

Segundo o deputado e dirigente socialista, neste processo, "o ministro Aguiar-Branco traiu os estaleiros e traiu a região".

"Estou convencido que a construção naval nacional o considera 'persona non grata', porque aniquila e desactiva o único estaleiro naval existente em Portugal. Este Governo portou-se como o pior dos patrões: Despede os trabalhadores, não acautela a continuidade da empresa e delapida o interesse nacional", acusou.

Nas declarações que fez aos jornalistas, Jorge Fão insurgiu-se com a forma "inaceitável" como foram tratados os trabalhadores.

"Todo este processo foi desenvolvido, sobretudo a parte final referente à subconcessão, com uma total falta de transparência, sem articulação com os actores políticos locais (a Câmara Municipal e interesses empresariais), causando uma catástrofe para a economia da região do país. O PS considera desastroso o final do processo para os ENVC. A gestão deste dossiê foi danosa ao longo dos últimos dois anos e meio e este final é catastrófico para a economia nacional, sobretudo da região", insistiu o deputado socialista.

De acordo com o deputado do PS, desde 2011, "o que este Governo fez foi dispensar e deitar para o lixo um plano de reestruturação de revitalização da empresa".

"Parou completamente a actividade, desmantelou um trabalho de luta para se conseguir novas encomendas, mantendo a empresa em actividade, e delapidou a imagem dos estaleiros para ao fim de dois anos e meio se anunciar o despedimento colectivo de todos os trabalhadores e a entrega (através de subconcessão) dos terrenos e dos equipamentos por uma mísera quantia de 40 mil euros por mês", apontou Jorge Fão.

O deputado do PS considerou ainda que o encerramento dos estaleiros está em contradição com os objectivos do Estado Português desenvolver a estratégia do mar.

"Se tanto falamos da necessidade de uma aposta para o mar, digo que a construção naval foi aqui muito mal tratada. O único estaleiro naval que em Portugal faz construção naval é pura e simplesmente encerrado, o conhecimento e a experiência dos trabalhadores são dispensados em nome de uma solução de futuro incerto", advogou o dirigente socialista.

O líder parlamentar do PS, Alberto Martins, disse ainda  que o partido decidirá "em tempo oportuno" uma posição sobre uma eventual comissão de inquérito sobre os estaleiros de Viana, como o autarca local pretende.

O presidente da Câmara de Viana do Castelo, o socialista José Maria Costa, foi neste quinta-feira ao Parlamento pedir a abertura de uma comissão de inquérito sobre o caso dos estaleiros. "Vim cá ao grupo parlamentar do PS para solicitar uma comissão de inquérito para este caso, porque acho que este é um caso de polícia", disse.

Jerónimo de Sousa condena, PSD diz que foi o possível
Por seu lado, o líder comunista português afirmou que o Governo da maioria PSD/CDS-PP está a seguir "o caminho errado e da destruição" relativamente à concessão dos ENVC.

"Não é só garantir, entre aspas, 400 postos de trabalho. O que significa é o despedimento de 620 trabalhadores que depois logo se verá como vão fazer. Nada está garantido, nada está seguro", alertou, enfatizando tratar-se do "caminho mais errado, da destruição da economia".

"Num momento em que precisamos tanto de produzir mais, de criar mais riqueza e de defender o nosso aparelho produtivo e a produção nacional, esta medida é mais um golpe nesse caminho com todas as consequências económicas e sociais que daí decorrem", reforçou Jerónimo de Sousa, na sede do PCP, em Lisboa.

O líder da UGT, Carlos Silva, afirmou, em Coimbra, que a subconcessão dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC) é um mau negócio essencialmente para os trabalhadores” e é “um mau negócio para o Estado”, disse o dirigente sindical, sublinhando que “o Estado somos todos nós”.

O negócio dos ENVC “é, acima de tudo, uma péssima imagem que fica do Governo da República à forma como deixou os trabalhadores entregues à sua sorte”, salientou Carlos Silva. Os ENVC e os seus trabalhadores “mereciam outro tipo de tratamento e outro tipo de consideração”, sustentou o secretário-geral da UGT.

 “O Governo tentou resolver um problema” prejudicando a economia do país, que devia “continuar a investir na indústria naval”, defendeu o líder da UGT, também particularmente preocupado com “a forma despudorada” como foram tratados os “mais de 600 trabalhadores dos ENVC”.

A Martifer diz que “vai recrutar no mercado cerca de 400 trabalhadores, mas não directamente aos ENVC, ou seja, não há uma transição dos trabalhadores de um lado para o outro, mantendo o seu acervo de direitos”, adverte Carlos Silva.

Aquela empresa irá contratar os trabalhadores dos estaleiros que “mais lhe interessar” e, “se calhar, com salários muito inferiores e condições muito inferiores àquelas que, neste momento, dispõem” os trabalhadores dos ENVC, admite o sindicalista.

Já o PSD considerou que a solução encontrada para o Governo para os estaleiros de Viana do Castelo é "a melhor possível" face ao "circunstancialismo trágico" em que a unidade se encontra "há bastante tempo".

"Estamos a falar de uma unidade industrial que dá prejuízos consecutivos e crescentes há mais de 20 anos. Não pode neste momento ansiar por soluções perfeitas. Contudo, a solução que o Governo encontrou (…) é uma solução que nos parece a melhor possível dentro destas circunstâncias", declarou o deputado social-democrata Carlos Abreu Amorim aos jornalistas, em declarações no parlamento.

Carlos Abreu Amorim sublinhou que os direitos de todos os trabalhadores serão assegurados "através de indemnizações e compensações mais para além do que a lei prescreve", e o conhecimento da actividade leva, acredita o parlamentar, a que os 400 contratados pela concessionária possam ser recrutados a partir dos actuais trabalhadores dos estaleiros.

"Neste momento, os estaleiros de Viana do Castelo têm pouco mais que 600 trabalhadores, sendo que desses 238 estão em situação de pré-reforma, isto é, já passaram os 59 anos. Os direitos de todos os trabalhadores serão assegurados (…) e posteriormente 400 trabalhadores serão contratados pelo concessionário", sublinhou.

"Há dois anos e meio", lembrou também o deputado do PSD, "o Governo socialista propunha-se despedir sem retorno mais de 400 trabalhadores" e "nessa altura, muitos dos responsáveis políticos não levantaram a voz, não se ouviu um único decibel da sua voz a protestar contra esta situação".

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