Desigualdade e Europa

As causas estruturais subjacentes à crise que vivemos continuam por resolver. A mais importante delas, a desigualdade, começa já a ser discutida, mas sem que haja uma política que a trate de modo adequado.

A desigualdade manifesta-se na falta de procura, que tem impedido o relançamento da economia. Aqueles que têm baixos salários, não têm alternativa senão gastá-los. Mas aqueles que recebem rendimentos elevados podem poupá-los, e esses rendimentos só voltarão a reentrar no circuito económico através do crédito cedido pelo sistema financeiro ao consumo e ao investimento. Durante décadas, esse crédito compensou a falta de procura agregada causada pela desigualdade, essa reduz os rendimentos a quem os gasta prontamente, e aumenta os rendimentos de quem os coloca no sistema financeiro.

Quando o sistema financeiro entrou em crise, quebrou-se o mecanismo que permitia a manutenção da procura agregada através do crédito. A tentativa de reanimar a economia através da injeção maciça de liquidez no sistema financeiro resulta de se procurar restabelecer este sistema baseado no crédito, que não era sustentável, e sem perceber que a moeda em circulação depende da economia real, e não do que o banco central decide.

O tema da distribuição do rendimento tem sido negligenciado na Economia desde que esta passou a definir-se como a ciência que estuda a afetação de recursos escassos. Os recursos são escassos porque os desejos de consumo são assumidos como ilimitados. Mas para os autores clássicos, os desejos de consumo não tinham de ser ilimitados. O conceito fundamental da teoria económica clássica não era por isso a escassez mas antes o seu oposto, o excedente. A realidade mais visível no mundo económico era, e ainda hoje é, uma de abundância, ou seja, a existência de excedentes, que podem ser bem distribuídos gerando a prosperidade, ou mal distribuídos gerando luxo para uns, pobreza para outros, e decadência para a sociedade em geral (para Adam Smith, tanto o luxo excessivo como a miséria são destrutivos do potencial humano). Para os clássicos, o que era escasso eram os recursos naturais, e a terra em geral, que por isso gera uma renda conforme as vantagens associadas a um dado território.

A desigualdade manifesta-se também entre territórios, como na desigual distribuição dos excedentes gerados na zona euro que faz com que alguns países, como Portugal, sejam mais afectados pela crise. A integração europeia nunca teve uma política industrial que permitisse uma divisão do trabalho eficiente entre sectores e regiões europeias, tendo mesmo contribuído para gerar desequilíbrios externos e condenar muitas regiões ao desemprego. Na ausência de uma política económica europeia, acaba por ser a Alemanha a liderar a política europeia em função dos seus próprios interesses. A Alemanha conhece bem este processo, dado que se formou precisamente na sequência de uma união aduaneira liderada pela Prússia, o Zollverein, cujas assimetrias sociais e regionais só começaram a ver tentativas de resolução quando Bismarck liderou a unificação Alemã em 1871. Será esse o projeto desta União Europeia?

Docente da Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Católica Portuguesa, no Porto. O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico.

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