Descida da sobretaxa teve suspense até ao fim

PCP votou a favor da proposta do PS. Além da redução da sobretaxa de IRS em função dos escalões de rendimento, a subida do salário mínimo também terá impacto positivo no valor a pagar pelos contribuintes.

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Depois de ver a sua proposta chumbada, PCP acabou por ajudar a aprovar a do PS Enric Vives-Rubio

Horas antes de António Costa trazer ao primeiro debate quinzenal as “primeiras medidas de recuperação de rendimentos” de 2016, os deputados do PS, PCP e Bloco de Esquerda aprovavam, na especialidade, a descida da sobretaxa de IRS, negociada entre os partidos à esquerda nas últimas semanas. O suspense manteve-se até ao fim, porque o PCP marcou posição na véspera ao apresentar uma proposta diferente da do PS, mas o fumo branco apareceu na hora de os deputados levantarem o braço: o grupo parlamentar comunista votou favoravelmente a medida dos socialistas, depois de ver chumbada a sua proposta, na qual se previa o fim da sobretaxa até aos 20 mil euros de rendimento colectável.

A proposta que acabou por vingar, a que foi negociada à esquerda pelo PS, continua a isentar a sobretaxa para o primeiro escalão de rendimento, diminui a sobretaxa dos actuais 3,5% para 1% para os rendimentos colectáveis entre 7420 euros e 20 mil euros (assumindo que o salário mínimo sobe para 530 euros a 1 de Janeiro), cai para 1,75% para os rendimentos colectáveis dos 20 mil aos 40 mil euros, diminui apenas para 3% dos 40 mil aos 80 mil euros, mantendo-se nos 3,5% para os rendimentos colectáveis acima deste patamar.

Veja-se, por exemplo, o que acontece com um casal com dois filhos (dos três anos aos 25 anos), em que cada um dos sujeitos passivos recebe 1500 euros brutos por mês – o que significa um rendimento bruto do casal de 42 mil euros anuais e um rendimento colectável de 33.792 euros. Nesta situação, a taxa baixa para 1,75%. Uma simulação feita para o PÚBLICO pela consultora PwC mostra que, em vez de o casal pagar 662,5 euros de sobretaxa, o valor desce, à partida, para 171,27 euros.

Para reflectir unicamente o efeito das novas taxas, a PwC assumiu como pressuposto nesta simulação o mesmo valor de salário mínimo em 2015 e 2016. E considerou que o casal opta por continuar a ser tributado em conjunto (e não pela tributação separada, introduzida na reforma do IRS). No entanto, a sobretaxa a pagar ainda será menor do que os 171,27 euros porque o salário mínimo deverá aumentar de 505 euros para 530 euros a partir de 1 de Janeiro e isso terá impacto em todo o cálculo, já que a sobretaxa incide apenas sobre a parte do rendimento que excede o valor anual da remuneração mínima.

Assumindo os mesmos pressupostos para um casal com um rendimento bruto de 70 mil euros por ano (2500 euros mensais cada) – o que corresponde a um rendimento colectável de 61.792 euros –, a sobretaxa passa de 1642,57 euros para 808,66 euros, calcula a PwC. Mais uma vez, a subida do salário mínimo terá impacto no valor final.

A fiscalista Ana Duarte, da consultora PwC, explica que, “assumindo que não se iria registar um incremento da remuneração mínima mensal garantida, todos os contribuintes iriam ser beneficiados com a introdução das novas taxas de sobretaxa, excepto os contribuintes com rendimentos colectáveis superiores a 80.000 euros e aqueles que se encontram no escalão de tributação mais baixo, os quais já não pagavam sobretaxa”. Com a actualização para os 530 euros, explica, “também os contribuintes com rendimentos colectáveis superiores a 80.000 euros irão ficar beneficiados”.

Discussão acesa
O PSD e o CDS-PP, que na campanha eleitoral previam descer a sobretaxa apenas para 2,625% em 2016, votaram contra a proposta dos socialistas. Antes, foi chumbada a proposta do PCP, que apenas recebeu o voto a favor do BE. O facto de a bancada comunista ter acabado por viabilizar a solução do PS levou os deputados do PSD e do CDS a acusarem os comunistas de se contradizerem.

Uma intensa troca de galhardetes entre as várias bancadas tomou conta da reunião da comissão de orçamento e finanças, com os deputados a falarem ao mesmo tempo e sobrepondo-se uns aos outros. António Leitão Amaro, do PSD, abriu as hostilidades ao afirmar que este é um dia histórico por ver o PCP a “votar algo e o seu contrário”. As críticas do ex-secretário de Estado da Administração Local abriram uma discussão animada. “Tenha calma, senhor deputado, tenha calma”, aconselhava o deputado do PCP Paulo Sá, enquanto Leitão Amaro continuava a falar. “Ainda lhe pode dar uma coisa qualquer...”, continuava Paulo Sá. “Um fanico!”, atirou, num aparte, o deputado do PS João Galamba.

O PCP propunha que, para além dos contribuintes do primeiro escalão de IRS, também as pessoas do segundo escalão deixassem de pagar já a sobretaxa; e ainda que quem está no terceiro patamar pagasse 1,75%, mantendo a taxa nos 3,5% para rendimentos acima dos 40 mil euros anuais.

Na resposta às críticas dos sociais-democratas, Paulo Sá lembrou aos partidos que sustentavam o anterior Governo qual era a sua proposta para a sobretaxa. “Queriam manter a sobretaxa até 2019”, afirmou, salientando que a proposta do PS que recebeu o apoio à esquerda é progressiva. Apontando a Leitão Amaro, desafiou: “Não entendeu que o PSD e o CDS foram derrotados”. “Tenha calma que ainda lhe pode dar alguma coisa”, repetiu.

Do CDS veio mais uma crítica à bancada comunista, a quem a deputada Cecília Meireles lembrou que o PCP “votou hoje a favor da eliminação gradual” e não da eliminação imediata desta medida em 2016. “Na ânsia de encontrarem” um acordo para manter o poder, acusou a deputada, os partidos à esquerda nem acautelaram os seus princípios, nem acautelaram a segurança orçamental.

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