Desavenças entre o Estado e a Steyr no processo dos blindados

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As contrapartidas ligadas à compra de viaturas blindadas foram negociadas no tempo de Paulo Portas PÚBLICO

A Comissão Permanente de Contrapartidas (CPC) e os austríacos da Steyr-Daimler-Puch não se entendem quanto ao contrato de montagem dos futuros blindados do Exército e da Armada.

A CPC, entidade governamental com a dupla tutela da Economia e da Defesa, notificou, na semana passada, a Steyr-Daimler-Puch de que não lhe está a ser fornecida informação adequada sobre o que está em curso e que quer ser informada sobre o que está a ser feito na fábrica do Barreiro, onde deverão ser montados os futuros blindados do Exército e da Armada.

É o culminar de várias mudanças em relação ao projecto inicial e de reticências manifestadas nos últimos relatórios de actividade da entidade governamental que gere e acompanha os processos de contrapartidas para a indústria nacional, por via das grandes compras de equipamentos e sistemas de defesa.

O presidente da CPC, Rui Neves, diz que está disponível para apreciar este projecto ou outro, "desde que tenha interesse para a economia portuguesa", tendo em conta que se trata de um contrato de cerca de 100 milhões de euros. No limite, o projecto poderá ser feito mas deixar de ser considerado como contrapartida, se tiver um fraco impacte económico, um cenário que Neves se escusa a comentar.

A CPC justifica a decisão pelo facto de ter recebido há cerca de duas semanas uma carta da Steyr afirmando sinteticamente que o projecto se mantinha, mas sem ter anexo uma ficha de descrição do seu conteúdo, ponto que a Comissão considera fundamental para a respectiva avaliação. "Não falava das alterações em relação ao projecto inicial", afirma Rui Neves, lembrando que o projecto abandonou o objectivo de recuperar parte da ex-Bombardier e deixou de envolver ex-quadros com know-how da empresa ferroviária.

Contactada pelo PÚBLICO, a Steyr-Daimler-Puch afirma que não foi até agora informada de qualquer cessação do contrato. Segundo a empresa austríaca, a CPC - em resposta ao mais recente relatório semestral da Steyr sobre a evolução dos diferentes projectos no âmbito do contrato de contrapartidas - referiu que "exige novas informações e uma nova avaliação quanto ao projecto de produção local [de blindados], uma vez que considera que este projecto foi modificado".

Em contrapartida, a empresa defende que "o projecto não foi modificado". "Alterado foi apenas o dono, ou seja, houve uma passagem de mãos entre um dono sem fábrica e um com instalações", considera o director de vendas responsável por Portugal, Martin Malzacher.

O mesmo responsável afirma também que "a Steyr-Daimler-Puch, entretanto, já investiu nestas novas instalações da Fabrequipa, no Barreiro, para assegurar a produção para Portugal e para mercados terceiros, como, por exemplo, Angola".

A fábrica recebeu a visita de uma delegação de deputados angolanos, na semana passada, em que vinha também o presidente da Comissão de Defesa, Segurança Nacional e Ordem Interna de Angola, general José Domingos Tuta "Ouro de Angola". Estes "mostraram-se muito interessados", salienta Martin Malzacher.

Está instalado o desentendimento em relação a um dos principais projectos de contrapartidas ligados à compra à Steyr das viaturas blindadas de rodas (VBR), por parte do Exército, também conhecidas por 8x8, e cujas negociações decorreram e foram fechadas no tempo de Paulo Portas, quando esteve à frente do Ministério da Defesa. O valor global do programa de contrapartidas assumido pelo fornecedor é de 516 milhões de euros.

O Governo e a Steyr-Daimler-Puch assinaram, em Fevereiro de 2005, o contrato de aquisição de 260 VBR e o respectivo programa de contrapartidas no montante referido, com uma duração de nove anos. O Tribunal de Contas aprovou-o quase nove meses depois.

De acordo com o último relatório da CPC, o programa abrange cinco projectos relacionados com operações de fabrico, montagem e apoio das VBR (GOM e OGME), quatro projectos na área dos componentes automóveis (ACECIA), dois outros na área do software (Critical e Edisoft) e um último relacionado com investimento directo estrangeiro (Tomé Feteira). Os relatórios têm dado conta de dificuldades de execução dos projectos e de arrastamento de prazos. No caso da montagem dos VBR, acresce o facto de a GOM ter mudado, entretanto, de mãos.

Da GOM à Fabrequipa

Em Maio, a Fabrequipa, uma fábrica de semi-reboques do Barreiro, adquiriu a GOM - Grupo de Operações Metalomecânicas, por 3,3 milhões de euros. Esta empresa, formada por ex-quadros da antiga Bombardier da Amadora, tinha sido criada para ser a destinatária das contrapartidas negociadas pela Steyr. Ou seja, a GOM iria produzir em Portugal 219 dos 260 carros de combate fornecidos ao Exército e à Armada portuguesas pela Steyr, recebendo também know-how tecnológico.

A criação da GOM foi também aproveitada por Paulo Portas para anunciar que a nova empresa iria dar emprego aos trabalhadores despedidos da Bombardier. E chegou a afirmar que iria ser aproveitada parte da antiga fábrica, o que nunca se confirmou. Entretanto, por falta de entendimento entre a GOM e a Steyr sobre os preços e as condições do negócio, a empresa austríaca seleccionou então a Fabrequipa. Para além das promessas de contrapartidas, a GOM "não tinha nada", segundo o sócio-gerente da empresa do Barreiro, Francisco Pita.

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