Joaquim Goes “desconhecia” situações problemáticas no GES

Administrador com o pelouro do “risco” que representava o BES na PT foi ouvido nesta segunda-feira na comissão parlamentar de inquérito.

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Goes foi um dos autores do projecto "Mais Sociedade" a partir do qual foi feito o programa do PSD DANIEL ROCHA

Joaquim Goes é mais um dos responsáveis do Banco Espírito Santo (BES) que, perante as perguntas dos deputados na sessão desta segunda-feira da comissão de inquérito, revelou “desconhecimento” sobre o conjunto de decisões que levou ao colapso do banco. “Não podíamos actuar sobre uma realidade que não era conhecida”, afirmou, em resposta ao deputado do PCP, Miguel Tiago, que o questionava enquanto administrador com o pelouro do risco.

“Num contexto adverso, em face de situações de conflito de interesse evidentes que se foram agravando, procurei sempre defender os interesses dos clientes”, justificou-se.

Goes, que chegou a ser apontado como um dos possíveis sucessores de Ricardo Salgado à frente do BES, foi suspenso em 30 de Julho de 2014 pelo Banco de Portugal (BdP), mas foi readmitido menos de um mês depois como consultor do Novo Banco, na equipa de Vítor Bento.

Genro de Hernâni Lopes, Goes foi um dos promotores do movimento liberal “Compromisso Portugal”, que juntou vários economistas e gestores que pediam a saída do Estado da economia. Em Abril de 2011, poucos meses antes das eleições legislativas que levaram Passos Coelho ao poder, o gestor foi um dos autores do projecto "Mais Sociedade" a partir do qual foi feito o programa do PSD.

Questionado pela deputada do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, sobre as entidades offshore que promoviam a venda de acções do GES (ES Resources, ESI e Bespar), Joaquim Goes repetiu que não tinha conhecimento nem dos veículos, nem das pessoas que aparecem como beneficiários de empréstimos. “Eu era administrador do BES, não tinha qualquer ligação formal com as entidades do GES ou dessa empresa Eurofin.”

As relações com a PT
Sobre as relações BES/PT, em resposta à deputada do Bloco, Joaquim Goes negou qualquer envolvimento na gestão da tesouraria da PT, facto que levou a uma desvalorização expressiva da telefónica após ser conhecida a dívida de 900 milhões que a Rioforte (holding não-financeira do GES) tinha para com a PT.

"Eu era administrador não-executivo da PT desde 2000. Desde essa altura nunca intervim, nem tinha conhecimento directo da exposição da PT ao GES. Se houve pressão, ou não houve pressão, não posso confirmar ou desmentir. Ao nível do Conselho de Administração da PT esse tema nunca foi abordado. Se existiram pessoas do BES que o fizeram, não foi em articulação comigo. Não tinha qualquer intervenção nesse processo."

João Galamba, do PS, voltou depois a confrontar Joaquim Goes com a sua acção na PT. Nomeadamente, se depois de saber que o BES tinha o dever de se proteger da exposição à dívida do GES, Joaquim Goes, que era administrador do BES e da PT, devia ter promovido a mesma preocupação na telefónica. Goes repetiu o que já havia dito. "Não tive intervenção directa nessa operação directa da PT." E acrescentou: "Nessa altura não havia a convicção de que a Rioforte ia ter o desenlace que depois teve..." O deputado do PS acusou o gestor de ter, no seu discurso, uma "inconsistência": "Se havia essa preocupação no BES, devia haver essa preocupação na PT e não parece ter havido."

Mais tarde, inquirido pelo PCP sobre o que o levou, enquanto administrador não executivo da PT (em representação do BES), a considerar normal que a operadora aplicasse no grupo GES a quase a totalidade da sua tesouraria, que chegou a totalizar cerca de 5000 milhões de euros, justificou: "Toda a gestão de tesouraria da PT não passava pelo Conselho de Administração [CA] da PT. E, nesse aspecto, os temas não se discutiam no CA. Era um critério [a aplicação da tesouraria sobretudo no GES] da gestão da PT."

Para além de Goes, também Morais Pires estava no CA da PT que, em Fevereiro de 2014, assumiu o empréstimo dado à ESI em 2012. Em 2014, a PT aumentou mesmo o apoio ao GES e transferiu o financiamento dado à ESI (já falida) para a Rioforte.

Para o mesmo gestor, "a situação da Rioforte em Fevereiro, Março e Abril" de 2014 "não era conhecida e nada me levava a pensar " que a sociedade, "mesmo que não fosse fácil" proceder à sua reestruturação, "não tivesse um percurso a fazer sustentável". "Não vejo de que maneira feri os meus deveres fiduciários em relação à PT".

Era Salgado quem decidia
O ex-administrador responsabilizou também Ricardo Salgado pelas decisões tomadas no final de Junho e que contrariavam as regras de contenção da exposição do banco ao GES impostas pelo BdP. Goes revelou ter tido conhecimento das ordens dadas "pelo presidente da comissão executiva" relativas a adiantamentos do BES à Espírito Santo Financial Group: "Tive conhecimento um ou dois dias depois e dei indicação à Dra. Isabel Almeida para comunicar imediatamente ao BdP."

Sobre o BESA, Joaquim Goes explicou que só tomou conhecimento dos créditos sem registo de beneficiário concedidos pelo BES ao banco angolano numa reunião da administração do banco português. Instado a comentar as declarações do ex-presidente do BESA, Álvaro Sobrinho, que na quinta-feira passada, na mesma comissão, disse que a instituição angolana tinha acesso a uma linha de financiamento de 3000 milhões de euros dada pelo BES, mas que esse valor nunca chegou ao BESA, o ex-gestor do BES (agora a colaborar com o Novo Banco) observou: "Mas não quer dizer que os juros tenham sido pagos" e até "podem ter sido acrescentados à própria linha".

O ex-administrador do BES notou ainda que nem todos os dez administradores executivos tiveram conhecimento dos créditos dados ao BES Angola de 5,7 mil milhões de dólares em Outubro de 2013 e explicou que o BESA tinha "total autonomia, um banco de direito angolano, com os seus próprios órgãos de decisão”.

Goes assegura que "não conhecia a existência" dos 5300 milhões de dólares sem garantidas e sem beneficiários, e que havia ainda uma exposição superior a 3300 milhões de euros ao banco angolano resultante de uma orientação para "suportar o crescimento da actividade [do BES] em Angola". Esta situação foi uma das razões que terão levado Ricardo Salgado a solicitar uma garantia ao Estado angolano.

"Fui da comissão executiva do BES até 30 de Junho, e até essa data a garantia [do Estado angolano ao BESA] estava válida. A 4 de Agosto, segundo me foi dado conhecer, a garantia tinha deixado de estar válida", explicou Goes. E, "por isso, não vou pronunciar-me sobre factos que desconheço" nem comentar relações de causa-efeito [a decisão do BdP de retirar a garantia do Estado angolano com a falência do BES].

Goes respondia a uma pergunta do deputado socialista João Galamba sobre o que terá levado o BdP a retirar subitamente, a 3 de Agosto, a elegibilidade da garantia estatal dada ao BESA por um Estado com o qual Portugal tem relações diplomáticas.

O gestor notou ainda que "desde o início, e tendo presente o próprio conhecimento do decreto da Presidência [angolana], não foi colocada" em causa a" eficácia da garantia para risco de crédito" e daí o BdP não ter exigido a constituição de uma provisão.

Joaquim Goes confirmou que a 30 de Junho de 2014 a exposição do BES ao BESA era de 3330 milhões de euros

Fuga às responsabilidades?
Joaquim Goes é o penúltimo responsável do BES a ser ouvido, à medida que a segunda ronda de audições se aproxima do fim. Os trabalhos da comissão farão uma pausa, após a audição de Rui Silveira, marcada para a tarde desta segunda-feira.

Os testemunhos dos responsáveis do BES têm deixado os deputados com a sensação de que há uma generalizada fuga às responsabilidades. Isso mesmo referiu Cecília Meireles, do CDS, a última deputada a questionar Joaquim Goes nesta primeira ronda de perguntas: "Nesta comissão, a atribuição de responsabilidades tem sido problemática, se não impossível." Isto depois de o ex-administrador ter recusado, mais uma vez, responsabilidade ou conhecimento das situações problemáticas do GES. Sobre as contas "falsificadas" da ESI, em particular, Goes admitiu ter tido "conhecimento dessa situação em final de Novembro de 2013".

Também Duarte Pacheco, deputado do PSD, sublinhou, na sua intervenção inicial, que a comissão tem ouvido "a elite financeira do país", mas a conclusão principal a tirar do que tem sido dito aos deputados é que todos "cumpriram as suas obrigações". Porém, adiantou o deputado, "aconteceu o que aconteceu… Ou então alguém não está a dizer tudo."

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