Depois do default, o tempo pode começar a pesar na economia argentina

Cenário é diferente do vivido no último default da dívida em 2001, sem sinais de pânico e protesto. Mas o impacto económico irá ser sentido.

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Cristina Kirchner, presidente da Argentina Foto: Juan Mabromata/AFP

O Governo argentino nega que haja um default, os bancos privados oferecem-se para encontrar uma solução e o juiz Thomas Griesa diz que as negociações têm de continuar. A crise da dívida argentina não se sente nas ruas de Buenos Aires, mas parece estar para ficar, pressionando uma economia já a caminho da recessão.

Durante esta sexta-feira, uma audiência do tribunal norte-americano que está a decidir a disputa entre o Estado argentino e os fundos “abutres” acabou sem novidades. Thomas Griesa disse que, apesar do default registado a partir de quarta-feira, as partes têm de continuar a negociar. E noutro desenvolvimento importante, a ISDA – a associação que gere questões relacionadas com os mercados de derivados a nível internacional – declarou o facto de os credores do Estado argentino não terem recebido até 30 de Julho os juros a que tinham direito um “credit event”, o que significa que podem ser accionados os seguros contra o incumprimento da Argentina, avaliados em cerca de 1000 milhões de euros.

Espera-se ainda para saber se os detentores da dívida argentina vão fazer uso do seu direito para exigir o pagamento total dos seus títulos, o que aumentaria as exigências de curto prazo para um nível insustentável para os cofres públicos.

Para resolver a situação, as atenções estão viradas para as iniciativas dos bancos. Depois da proposta da banca argentina terem falhado, alguns jornais davam conta de um plano de acordo entre o norte-americano JPMorgan Chase e os fundos “abutre”.

Do lado do Governo argentino, a principal preocupação nos últimos dias tem sido a de negar até à exaustão que a Argentina tenha efectivamente entrado em default. “Disparate atómico” e “mentira absurda” foram algumas das expressões usadas pelo membros do Executivo. O argumento usado é o de que não se pode considerar um default quando o Estado argentino transferiu o dinheiro a pagar para o banco. O dinheiro apenas não chegou aos credores porque o juiz norte-americano Thomas Griesa não o permite. A decisão do tribunal foi a de que a Argentina não pode pagar aos credores que aceitaram a reestruturação de dívida se não amortizar ao mesmo tempo os títulos detidos pelos credores que não aceitaram a reestruturação.

Entre a população argentina, os dias após a concretização do default não mostraram quaisquer dos cenários de pânico e nervosismo vividos durante a última entrada em falência do país em 2001. Nas ruas, a explicação das pessoas é simples: desta vez os argentinos já estão preparados.

Desde que a possibilidade de uma nova crise se começou a colocar, quem tem poupanças encontrou forma de as proteger, por exemplo trocando os seus pesos por dólares no mercado paralelo. A divisa norte-americana é, num cenário de inflação alta e de contante desvalorização cambial tornou-se a moeda de escolha de grande parte da população. Para além disso, existe um sentimento forte anti fundos “abutres” e anti Thomas Griesa, que faz com que a população se una perante a possibilidade de novas adversidades.

No entanto, todos concordam que o tempo será um factor crucial para perceber até que ponto é que a economia argentina e a sua população resistem a este default. É verdade que o Estado está mais preparado do que no passado a viver sem o recurso ao financiamento externo, já que desde 2001 que os mercados financeiro internacionais têm-se sentido relutantes em emprestarem mais dinheiro.

O problema é que, sem acesso a financiamento externo, o financiamento do Estado por via de emissão monetária pode começar a não ser sustentável. A taxa de inflação na Argentina já está a níveis muito elevados e as reservas do país a níveis cada vez mais baixos. Um prolongamento da actual situação pode ser demais para a população argentina e para a estabilidade social do país.

E há outros problemas. O acesso a financiamento por parte das empresas será provavelmente afectado, contribuindo ainda mais para colocar a economia em recessão.

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