Deco recebeu 97 reclamações de clientes da Moviflor que ainda estão à espera dos móveis que compraram

Com a empresa em processo de insolvência, centenas de pessoas recorreram à associação para tentar recuperar dinheiro. Contudo, dificilmente vão conseguir reaver a totalidade do que investiram.

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A Moviflor foi alvo de oito pedidos de insolvência só este ano PÚBLICO/Arquivo

São já centenas as reclamações que a Deco recebeu de clientes da Moviflor que nunca receberam os móveis que compraram, ou que ainda estão à espera de reaver o dinheiro que desembolsaram para sinalizar a encomenda. A Associação de Defesa do Consumidor está a intermediar 97 queixas de associados, a que se juntam vários telefonemas e pedidos de ajuda de pessoas que, ou nunca receberam em casa os produtos, ou têm em mãos móveis com defeito e dentro da garantia, mas ninguém a quem apresentar a reclamação.

A empresa mudou de nome para Albará e encerrou compulsivamente as portas no início de Outubro. Está em processo de insolvência desde 26 de Novembro, depois de falhado o Processo Especial de Revitalização (PER), ao abrigo do qual tinha estado a ser gerida no último ano. Ana Sofia Ferreira, jurista da Deco, explica que as 97 reclamações estão a ser acompanhadas pela associação, mas há quem tenha recorrido a um advogado para tentar resolver o problema. “A partir de Abril e Maio começámos a receber queixas de consumidores que nos indicavam que as encomendas estavam atrasadas. No Verão houve um aumento de reclamações. Agora, o que temos são clientes que sinalizaram encomendas ou que receberam bens com defeito e neste momento não têm dinheiro nem a quem apresentar reclamação”, explica.

A partir do momento em que a Moviflor encerrou as lojas, o objectivo da Deco era conseguir o reembolso de forma extrajudicial. Mas com o tribunal a decretar a insolvência, a única forma de recuperar o dinheiro é apresentar a reclamação de créditos junto do administrador de insolvência. Assim, os clientes têm até 26 de Dezembro para formalizar o pedido a Pedro Ortins de Bettencourt, através de carta registada e com aviso de recepção. “Se não o fizerem não terão qualquer hipótese de receber seja o que for, a não ser que a Assembleia de Credores decida pela improvável (melhor seria dizer impossível) manutenção da empresa em actividade”, adianta, por seu lado ao PÚBLICO, Pedro Bettencourt.

A Deco esclarece ainda que o ideal é incluir uma cópia da factura ou algum documento que comprove o pagamento da encomenda. Quando o prazo terminar, a lista de créditos é publicada no prazo de 15 dias no portal Citius e é lá que os clientes podem confirmar se as suas dívidas foram reconhecidas. Caso isso não aconteça é possível apresentar nova reclamação nos dez dias seguintes, contudo, o processo terá de ser acompanhado por um advogado.

Recuperar o dinheiro será “complicado”, admite Ana Sofia Ferreira. O reembolso vai depender “dos créditos reconhecidos, do valor desses créditos e dos activos que a empresa terá”, continua. Além disso, os “consumidores não são credores privilegiados como os trabalhadores”. “A experiência mostra-nos que receber a totalidade é difícil”, conclui a jurista da Deco.

O administrador de insolvência confirma que “dificilmente o valor do património será suficiente para satisfazer os créditos desses credores”. Mas, se nada fizerem, “nada receberão”. “Se reclamarem terão a eventual possibilidade de receber, pelo menos, uma parte do valor em dívida, em função do resultado da liquidação e do conteúdo da referida sentença”, continua.

Nas redes sociais há muito que as reclamações se acumulavam. Na mais recente, deixada no Portal da Queixa em finais de Outubro, uma cliente de Braga lamentava ter pago 180 euros de adiantamento por uma cama no valor de 299 euros que nunca chegou a receber em casa. Quando tentou recuperar o dinheiro, encontrou a loja fechada e através de um contacto telefónico para o estabelecimento mais próximo, no Porto, foi informada de que teria enviar um e-mail com os dados necessários para o reembolso. No entanto, não teve qualquer resposta.

A assembleia de credores da Moviflor está agendada para 7 de Janeiro e marca o regresso da empresa aos tribunais, depois de falhado o PER. O encerramento das lojas, comunicado por escrito aos trabalhadores, motivou uma queixa do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio e Serviços (Cesp) à Procuradoria-Geral da República e já está a ser investigado pelo Ministério Público. O Cesp acusou a empresa de “lock-out”, ou seja, de recusar ceder aos trabalhadores as condições necessárias para exercerem a sua actividade. “O encerramento das instalações de uma empresa como a que foi anunciada pela administração da Moviflor, implica a paralisação total da empresa e a interdição do acesso a locais de trabalho à totalidade dos trabalhadores ainda em funções”, justificou o sindicato.

Só este ano, a companhia fundada por Catarina Remígio foi alvo de oito pedidos de insolvência. Além de dívidas a fornecedores, não pagou alguns dos salários aos trabalhadores, nem as indemnizações do despedimento colectivo, que levou a cabo ao abrigo do programa de recuperação. Em Julho, os 540 funcionários ainda esperavam pelo pagamento de 25% do subsídio de Natal de 2012, três meses de salário de 2013 e os subsídios de férias e de Natal, e os salários de Janeiro e Junho de 2014, tal como 25% do ordenado de Maio.

A administração da Moviflor sempre justificou as dificuldades financeiras com a ausência de financiamento bancário. O sucesso do plano de recuperação dependia de uma verba de, pelo menos, quatro milhões de euros, “o que não veio a acontecer”. Num esclarecimento enviado anteriormente ao PÚBLICO, lê-se que “os accionistas procuraram ao longo dos últimos meses substituir-se à banca, colocando na empresa todos os meios financeiros que detinham para assegurar a sua revitalização. Infelizmente, tal não aconteceu”. A Moviflor acusou o Fisco de não ter libertado “contas bancárias onde existiam valores necessários ao reforço da actividade”, apesar de terem sido “oferecidas as garantias necessárias”.

Entretanto, a antiga loja na Bobadela reabriu com um novo nome e tem à venda móveis que os antigos trabalhadores garantem pertencer à empresa portuguesa. O estabelecimento é gerido pela IFC, International Furniture Company, cujo administrador esteve ligado, até 4 de Agosto, à holding Moviflor SGPS, dona do negócio em Angola e Moçambique (que ficou a salvo do PER).Com dúvidas quanto à “legalidade” e “legitimidade” da abertura do “Outlet de Móveis”, como é denominada a loja, os ex-trabalhadores chegaram a organizar um protesto, esperando obter mais explicações.

A loja não é propriedade da Moviflor e os produtos à venda foram facturados à IFC antes de ter sido nomeado o administrador de insolvência.

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