Crowdfunding já tem lei mas negócio está longe de ser rentável em Portugal

Maior projecto a obter financiamento colaborativo atingiu os 22 mil euros na plataforma PPL. CMVM vai definir os limites que cada pessoa pode aplicar nas plataformas de investimento e empréstimo.

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Sites internacionais como o Kickstarter chegam a angariar 12 milhões de euros num só projecto Miguel Madeira

Desde que foi fundada, há mais de quatro anos, a PPL, a mais conhecida plataforma portuguesa de financiamento colaborativo – ou crowdfunding – angariou um total de 1,2 milhões de euros. O maior projecto, a 3D Antártida, conseguiu 22 mil euros e a tentativa do humorista Nuno Markl em chegar aos 100 mil euros para fazer um filme ficou-se por 40% desse valor – ainda assim, um recorde em Portugal.

Estes números empalidecem face aos milhões que alguns projectos conseguem em plataformas internacionais como o Indiegogo e o Kickstarter. Aqui, uma geladeira portátil com colunas de som e outros apetrechos conseguiu 12 milhões de euros no ano passado. O projecto português Ziphius, um drone aquático da portuguesa YDreams, angariou cerca de 113 mil euros. Quem contribui recebe recompensas que podem ir de autocolantes de agradecimento até às primeiras versões dos produtos.

O mercado em Portugal é muito mais pequeno. “De facto, como a nossa comissão são 5%, não é um negócio muito rentável”, admite Pedro Domingos, um dos criadores da PPL. Na União Europeia (excluindo o Reino Unido) o sector movimentou 217 milhões de euros em 2014, segundo dados compilados pela empresa de análises Statista. Destes, 120 milhões dizem respeito a plataformas que funcionam no modelo de recompensa, 83 milhões são de plataformas de investimento e o restante são angariações de donativos.

Em Portugal, a actividade passou a ter enquadramento legal na semana passada, quando entrou em vigor o regime jurídico do financiamento colaborativo, uma lei que tinha sido aprovada em Julho. A lei abrange os vários tipos de plataformas: donativos, recompensas, empréstimos e investimento em capital social (um género que não existe no país). Define também obrigações para as pessoas que contribuem e ainda para os projectos que procuram financiamento.

Uma das novidades é a criação de um limite ao dinheiro que cada pessoa pode aplicar nas plataformas de investimento e de empréstimos. O valor será definido pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, que tem ainda de publicar regulamentação a este propósito. O PÚBLICO tentou contactar a CMVM, mas não obteve resposta.  

A lei determina que os limites serão fixados em função do rendimento anual de quem investe, podendo ainda haver tectos “em função do perfil dos investidores, atendendo, nomeadamente, à sua experiência e qualificação”. Para isto, cada pessoa deverá declarar qual o montante global que já investiu na aquisição de produtos financeiros através de plataformas online, bem como o seu escalão de rendimento.

Barreiras no investimento
Esta é uma questão que é vista com alguma preocupação por Afonso Eça, um dos fundadores de uma plataforma online de empréstimos a empresas chamada Raize. “Os limites ao investimento criam alguma barreira à entrada. Podem até inviabilizar certos modelos de negócio”, observa Eça, que dá também aulas na Universidade Nova de Lisboa. “Esperamos que sejam razoáveis, para mostrar que o mercado é interessante e que existe aqui uma oportunidade de uma alternativa de financiamento para a economia”.

A Raize concorre com a banca. Permite que qualquer pessoa empreste dinheiro a empresas, propondo uma taxa de juro, que aquelas podem aceitar ou não. Não é vocacionada para startups.  “É para as micro e pequenas empresas portuguesas, que procuram financiamento à roda dos 20 mil euros e que normalmente têm dificuldades” em aceder a crédito, explica Afonso Eça. Uma visita ao site mostra quatro firmas no processo de obtenção de empréstimos, entre as quais uma transportadora e uma empresa de venda de roupa.

Muitas das disposições na lei vão ao encontro daquilo que já são as práticas habituais deste género de serviços. Por exemplo, caso os montantes não sejam angariados nos prazos definidos, o dinheiro terá de ser devolvido ou, em alternativa, fixado um novo prazo. Esta alteração de prazo, porém, só pode ser feita uma vez e quando a hipótese tiver sido desde o início comunicada aos utilizadores.

O diploma determina ainda que um projecto só pode estar numa única plataforma e que o valor pedido “não pode exceder dez vezes o valor global da actividade a financiar”.

 

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