Crise em Espanha deve-se “em grande parte” a razões internas

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Robert Fishman diz que as elites espanholas falharam em travar o crescimento da ‘bolha’ imobiliária Foto: Rita Baleia/Arquivo

O sociólogo norte-americano Robert Fishman considerou nesta sexta-feira, em Coimbra, que a crise espanhola é condicionada, de forma significativa, pelas crises financeira e do euro, mas deve-se, em larga medida, a factores internos.

“A crise espanhola actual tem uma natureza económica e política. Embora seja condicionada, de forma significativa, pelas crises do euro e financeira, ela é, em grande medida, caseira”, afirmou, na conferência Dimensões políticas e económicas da crise em Espanha – com comparações com Portugal, na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (FEUC).

“Muito da crise sofrida por Espanha está relacionado, em grande parte, com o padrão de transição para a democracia, que era o único caminho disponível para os actores políticos”, observou o professor dos institutos Kellogg e Nanovic da Universidade de Notre Dame, nos Estados Unidos.

“Espanha não podia adoptar, por várias razões, o mesmo percurso que Portugal, mas a transição em Espanha provocou um divórcio entre os que estavam no poder, nos dois principais partidos políticos, e as preocupações e as reivindicações do cidadão comum, do homem da rua”, sustentou Fishman, para quem as elites espanholas sujeitaram o país “a ondas sucessivas de políticas neoliberais de desregulação”.

Esta perspectiva dominante, explicou, também contribuiu para a criação de uma ‘bolha’ na construção, devido à “influência indirecta” das elites políticas nas caixas de aforro, que emprestaram dinheiro “para que a ‘bolha’ da construção crescesse”. E os responsáveis dos dois principais partidos, sustentou, “falharam em travar o crescimento da ‘bolha’, mesmo quando era óbvio para muitos analistas académicos o quanto era perigosa”.

Referindo-se à taxa de desemprego “extraordinariamente alta” de Espanha (24,44%), o sociólogo observou que “não é nova” e recordou que, em Dezembro de 1998, antes do fim da existência da peseta e do surgimento do euro, “o desemprego era de 14% e a economia estava a crescer há anos”.

Em entrevista ao PÚBLICO, em Julho passado, Fishman mostrava-se mais preocupado com a situação espanhola do que com a portuguesa, referindo os mesmos exemplos dados hoje na conferência. “O que defendo é que a explicação para essas diferenças está nas estruturas dos dois países e tem muito que ver com a actividade do sistema bancário. O sistema financeiro espanhol tem estado pouco adaptado às necessidades das pequenas e médias actividades, o que não tem sido o caso português”, dizia.

Sobre Portugal, Fishman escreveu em Abril do ano passado – dias depois de o Governo de José Sócrates pedir a intervenção externa – que o resgate foi consequência de “duas possíveis razões”: uma ideológica e outra pela falta de perspectiva histórica.

Num artigo publicado no New York Times (“O resgate desnecessário de Portugal”), o sociólogo fala num “cepticismo” em relação ao “modelo de economia mista” e sugere existir alguma falta de perspectiva histórica sobre as transformações da economia depois do 25 de Abril.

“É bem possível que 2011 marque o início de uma onda de ingerência dos mercados desregulados na democracia, da qual Espanha, Itália ou Bélgica são as próximas potenciais vítimas”, escreveu no mesmo texto, datado de 12 de Abril do ano passado.

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