Credores continuam sem reaver dinheiro e o que resta da Moviflor está a ser vandalizado

Há interessados na compra de lojas da empresa de mobiliário mas as ofertas têm estado abaixo “do desejável”. Novo dono da marca prepara-se para abrir espaço em Aveiro.

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Massa insolvente tenta recuperar dinheiro em dívida Laura Haanpaa

Seis meses depois de os credores terem aprovado o encerramento da Albará, antiga Moviflor, o processo de insolvência da empresa de mobiliário está num impasse. Os imóveis onde antes estavam instaladas lojas em Viseu, Porto e Alverca acumulam lixo, estão ao abandono e ainda não foram vendidos. Há ainda relatos de vandalismo e roubo de documentos de contabilidade.

Ao mesmo tempo, o administrador judicial, Pedro Ortins de Bettencourt, diz que não recebeu até à data qualquer novidade do tribunal quanto à graduação de créditos ou a qualificação da insolvência que, para o gestor, é culposa. Enquanto isso, fornecedores, bancos e trabalhadores continuam sem receber dinheiro e a ter de desembolsar verbas para pagar a advogados ou técnicos de informática.

A Moviflor deve cerca de 135 milhões de euros aos seus credores e a maior fatia cabe aos bancos, sobretudo ao Banif. A empresa fundada há 40 anos por Catarina Remígio deve ainda 19 milhões de euros aos trabalhadores. “Nada será possível entregar enquanto não existir sentença de graduação de créditos, que ainda não foi proferida. Quanto à qualificação da insolvência nada de novo ocorreu até à data. De facto, não recebi uma única notificação no âmbito do processo nos últimos meses”, explicou Pedro Ortins de Bettencourt ao PÚBLICO.

Lídia Oliveira, representante dos trabalhadores na comissão de credores, admite que está “muito desagrada com a forma como o processo está a decorrer”. “Estamos em Julho e as situações gravosas para a massa continuam a acontecer”, lamenta. Para dar apoio ao gestor judicial, foi contratado um técnico de informática, um escritório de advogados (para analisar o processo de Angola, onde a Moviflor continua a operar) e uma equipa de contabilidade. “São gastos da ordem dos milhares. E quem está a pagar isso são os credores, com o pouco dinheiro que se conseguiu reaver”, continua.

Em meados de Fevereiro, o recheio das lojas, o material de armazém e os veículos foram leiloados por 329.300 euros. Neste montante está incluída a marca e o logotipo, arrecadados por dez mil euros pela Armazéns Reis, a empresa familiar de materiais de construção que tem planos para alargar o negócio. Está, aliás, para breve a abertura da nova Moviflor em Aveiro e, no site, já é visível a actualização da imagem. Uma mensagem aos visitantes promete “brevemente novidades na sua loja de mobiliário e decoração”.

Depois dos móveis e materiais, os credores conseguiram passar os contratos de leasing das lojas de Rio de Mouro e Setúbal para as mãos da Conforama, que tem um projecto de expansão em Portugal. “Foram concluídos os contratos com alguma vantagem para a massa insolvente, sobretudo, o da loja de Rio de Mouro que rendeu um valor considerável”, diz Lídia Oliveira, acrescentando contudo que, neste processo, desapareceram mais de mil pastas com documentos contabilísticos que ninguém analisou. Com o negócio foi possível arrecadar cerca de 800 mil euros. Contudo, o mesmo não aconteceu com os estabelecimentos de Odivelas ou Meleças (Cacém), entregues aos bancos sem qualquer retorno.

O passo seguinte foi vender, por negociação particular, os imóveis em Viseu, Porto e Alverca, detidos pela Albará. E foi aqui que o processo estancou. Os primeiros anúncios foram publicados em Março e o prazo para a entrega de propostas decorreu até 13 de Abril. “Nesta primeira tentativa não apareceram interessados. Os edifícios foram ao mercado pelo valor patrimonial definido pelas Finanças”, conta Lídia Oliveira. Mais tarde, e já com fotos nos anúncios “surgiram propostas ridículas”, totalmente abaixo dos valores mínimos exigidos.

Pedro Bettencourt admite que “as tentativas de venda dos imóveis até agora não resultaram, já que as ofertas recebidas têm um valor muito inferior ao desejável”. Assim, para “potencializar” o negócio a comissão de credores encarregou a leiloeira Onefix de avançar com a operação, com um valor global mínimo de venda estipulado em 9.749.272 euros. O prazo para a entrega de propostas terminou terça-feira e há ofertas em cima da mesa que terão, agora, de ser analisadas.

Mas o que resta destes edifícios pouco corresponderá ao seu estado inicial. Em Viseu, as águas da chuva alagaram a cave. Nas três lojas, foram arrancados os quadros de electricidade e os postos de transformação. “O estado é péssimo, não só devido a inundações, mas por roubos continuados, inclusive do próprio chão”, lamenta Lídia Oliveira.

Empresa em investigação
Foi em Novembro do ano passado que o tribunal proferiu a sentença de insolvência da Moviflor, depois de falhado um Plano Especial de Revitalização (PER), aprovado no final de 2013. Recorde-se que o encerramento repentino das lojas, anunciado a 1 de Outubro, está a ser investigado pelo Ministério Público, depois de uma queixa apresentada pelo Sindicato dos Trabalhadores do Comércio e Serviços (Cesp). Fonte da Procuradoria-Geral da República esclarece que “o processo se mantém na fase de inquérito”. A Autoridade para as Condições do Trabalho também avançou com participações crime contra a Moviflor por “encerramento tempestivo de estabelecimentos sem cumprimento das formalidades legais”.

A dívida que constava do PER era de 147 milhões de euros. Na altura, a Moviflor tinha mais de 1400 credores, 80% dos quais aprovaram o plano de recuperação que nunca foi concretizado. Só no ano passado, a emblemática empresa portuguesa foi alvo de oito pedidos de insolvência. Além de dever a fornecedores, não pagou alguns dos salários aos trabalhadores, nem as indemnizações do despedimento colectivo, que levou a cabo ao abrigo do PER.
 
A história da antiga Moviflor tem vários contornos. Uma antiga loja na Bobadela reabriu com um novo nome e tem à venda móveis que pertenciam à empresa portuguesa. O estabelecimento é gerido pela IFC, International Furniture Company, cujo administrador esteve ligado, até 4 de Agosto de 2014, à holding Moviflor SGPS, dona do negócio em Angola e Moçambique (que ficou a salvo do PER). Com dúvidas quanto à “legalidade” e “legitimidade” da abertura do “Outlet de Móveis”, como é denominada a loja, os ex-trabalhadores chegaram a protestar no local, esperando obter mais explicações.

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