Corte nos salários e investimento provoca a maior contracção da despesa desde 1974

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O corte salarial à função pública é uma das medidas para reduzir despesas com o pessoal Enric Vives-Rubio

A proposta de OE bate todos os recordes no que diz respeito à variação da despesa pública. Resta saber se as medidas tomadas chegam para concretizar os objectivos.

Se o Governo cumprir aquilo que está na sua proposta de orçamento, o ano de 2011 ficará na história como o ano em que, pelo menos desde o 25 de Abril, mais se cortou na despesa pública em Portugal. E por larga distância.

O relatório do OE 2011 ontem finalmente entregue pelo Executivo na Assembleia da República aponta para uma contracção da despesa pública total de 5,3 por cento no próximo ano, o equivalente a quase 4500 milhões de euros.

Ao longo das últimas três décadas e meia nunca um Governo alcançou essa marca. O mais próximo a que se chegou foi nesse período foi, de acordo com os dados da Comissão Europeia, um corte de 1,9 por cento em 1983. Outro ano com variação negativa deste indicador foi o de 1994. Na última década, o máximo da contenção na despesa foi um crescimento de 1,3 por cento em 2006.

Quando o indicador utilizado para medir o esforço de consolidação é a despesa corrente primária (que não inclui nem investimentos nem juros), a previsão de corte de 6,2 por cento presente no OE destaca-se ainda mais, já que nunca, desde pelo menos 1974, se registou uma variação negativa deste indicador.

Em percentagem do PIB, o cenário é semelhante. O Governo aponta para uma redução da despesa pública de 48,9 por cento do PIB em 2010 para 45,4 por cento em 2011. Um corte de 3,4 pontos, que supera o anterior máximo de 1,7 por cento registado em 1994.

A dimensão do corte da despesa projectado faz com que a tarefa a concretizar pareça muito difícil. São quatro as componentes da despesa em que o Governo mais aposta: os gastos com o pessoal, as prestações sociais, o investimento e as denominadas "outras despesas correntes".

Carga fiscal agrava-se

Nas despesas com o pessoal, com a ajuda do corte salarial da função pública, a previsão é de uma diminuição de 7,6 por cento. As prestações sociais, mesmo com o desemprego em máximos, caem 2,2 por cento. O investimento público sofre um novo rombo, desta vez de 22,6 por cento. E para o fim fica a intenção de realizar um corte de mais de 1000 milhões de euros nas "outras despesas correntes", sem que seja muito claro, pela leitura do relatório, de que forma é que isso vai acontecer.

O contributo do corte da despesa para a redução do défice é, neste orçamento, mais significativo que o da receita, que é mesmo negativo. A passagem do défice de 7,3 para 4,6 por cento é conseguida com um corte de 3,4 pontos percentuais do PIB na despesa e uma redução de 0,8 pontos na receita. No entanto, é preciso levar em conta que, em 2010, estão incluídos no total da receita os 2600 milhões do fundo de pensões da PT. Sem esse valor, estaríamos perante mais um acréscimo do peso da receita no PIB.

Aliás, a carga fiscal, que é o peso das receitas fiscais e das contribuições sociais no PIB, sobe de 31,2 para 32,1 por cento, graças a medidas como a subida do IVA e o aumento das taxas de retenção no IRS.

Despesa a subir em 2010

Se o ano de 2011 é, para o Governo, o ano de cortar a despesa, já o ano de 2010 ficou neste capítulo bem abaixo dos objectivos. No total das administrações públicas e, em contabilidade nacional, a despesa pública vai, de acordo com as estimativas do Governo crescer 4,2 por cento, ou seja, o mesmo que era previsto no OE 2010, que previa ainda um défice de 8,3 por cento.

E este valor só é atingido com a ajuda dos cortes no investimento. A despesa corrente primária, assume agora o Executivo, vai crescer 5,5 por cento, quando no OE se projectava 1,6 por cento apenas. É por causa disto - e com a ajuda dos submarinos - que, apesar de ter recebido a injecção do fundo de pensões da PT, o Governo não consegue ficar em 2010 abaixo do seu objectivo de 7,3 por cento.

Mais testes no mercado

Apesar da redução prevista para o défice público, o Estado português não irá ter a vida muito mais facilitada no que diz respeito às quantidades de dinheiro que irá ter de pedir emprestado no decorrer do próximo ano.

As Finanças calculam que será necessário realizar em 2011 emissões brutas de dívida pública de 46.028 milhões de euros, apenas menos 1400 milhões de euros do que durante o presente ano. Isto acontece porque, além de financiar o défice, o Estado português terá de substituir 35282 milhões de euros de dívida que irá ser amortizada ou anulada. Em 2010, o montante de dívida amortizada deverá ser de 31936 milhões de euros.

Isto significa que se vai assistir a mais um ano em que, inevitavelmente, a credibilidade do Estado português nos mercados será posta a teste de forma regular. Só em emissões de Obrigações do Tesouro estão previstos 19533 milhões de euros, um valor próximo do estimado para os bilhetes de tesouro.

Através dos certificados do tesouro vendidos a particulares, o Estado prevê obter um financiamento próximo de 1000 milhões de euros, o dobro daquele que é esperado para os certificados de aforro.

Em termos líquidos, o financiamento do Estado será em 2011 de 10.746 milhões de euros, o que compara 15.484 deste ano.

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