Anos de salários mais baixos para os jovens vão ser uma das “cicatrizes” da crise

Stéphane Carcillo, académico e economista na OCDE, diz que contratar a termo não é a solução para o desemprego entre os mais novos.

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Carcillo defende que é importante as escolas proporcionarem experiências de trabalho Miguel Manso

A crise económica vai deixar “cicatrizes” nos jovens, que estão a ser particularmente afectados pela falta de emprego. Quem passou longos períodos sem trabalho acabará por encontrar empregos, mas vai passar muitos anos a receber menos do que se tivesse tido estabilidade no início da vida activa. A avaliação é feita pelo académico Stéphane Carcillo, professor de Economia na Universidade Panthéon-Sorbonne, em Paris, e economista sénior na OCDE.

Carcillo esteve esta quarta-feira na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, numa conferência sobre emprego jovem. Em conversa com o PÚBLICO, argumentou que um mercado de trabalho muito rígido é um fardo para os mais novos. Mas disse que contratar a termo não é a solução para baixar o desemprego entre os jovens, que em Portugal tem vindo a descer, embora permaneça em níveis elevados: 32,2%, segundo os últimos dados do INE.

Em Portugal, foram adoptadas medidas com o objectivo de flexibilizar o mercado de trabalho, facilitando despedimentos. Que tipo de impacto podem ter estas políticas no desemprego jovem?
Quando os contratos permanentes são muito protegidos, o empregador prefere contratar jovens temporariamente. O problema é que nem todos os contratos a termo se transformam em permanentes e isso cria muita rotação das pessoas entre emprego e desemprego. Uma pessoa quando fica desempregada demora pelo menos três, quatro, seis meses a encontrar trabalho. Estes contratos criam carreiras que no início são fragmentadas. Eles vão e vêm.
Quando há uma diferença grande entre contratos temporários e permanentes, há uma maior quantidade de contratos temporários, que são concentrados nos jovens. É uma forma muito iníqua de proteger empregos, porque os jovens lutam durante anos para conseguirem estabilidade. Atenuar a diferença entre os dois tipos de contrato alivia um pouco o fardo dos mais novos.

Se há sempre pessoas a entrar e sair, isso não leva à redução do desemprego. Simplesmente faz com que sejam diferentes as pessoas que estão empregadas num dado momento.
Sim, cria-se algum desemprego friccional [desemprego entre trabalhos]. Vejamos o exemplo de Espanha, em que os contratos a termo são usados de forma alargada. Um terço dos empregos antes da crise eram contratos a termo. Mais de 90% das contratações em Espanha eram a termo. Isso não impediu que, num período de dez anos, o desemprego se tornasse muito elevado, nomeadamente entre os jovens. É verdade que o desemprego baixou em 2007, mas voltou a subir muito rapidamente. Em geral, esta não é a solução para baixar o desemprego.

Que países conseguiram implementar políticas de sucesso para combate ao desemprego jovem? E que políticas foram essas?
O importante é que os jovens adquiram as competências certas e tenham ligações ao mercado de trabalho o mais cedo possível. Alguns países fazem isto muito bem, porque têm sistemas de aprendizagem dual, que oferecem experiência de trabalho muito cedo. É o caso da Alemanha, Áustria, Suíça e, em menor grau, da França. Isto é muito eficaz. Nem todos os jovens são adequados para a universidade. Alguns estarão muito melhor com competências que são requeridas pelo mercado de trabalho. E não é só no sector da manufactura, mas também no sector dos serviços. Na Alemanha muitas pessoas jovens foram ser aprendizes em bancos.

Não há o risco de alguns empregadores usarem esses sistemas de forma semelhante ao que muitos fazem com os estágios, como uma forma de mão-de-obra barata?
A ideia é misturar a escola e as empresas. O importante é que os jovens estabeleçam uma relação com os empregadores. Depois de serem aprendizes, têm uma muito maior probabilidade de conseguir aquele emprego. E ficam com experiência no currículo.

Há na Europa uma vaga de empreendedorismo na área das tecnologias de informação. Isso cria emprego sustentável?
Não é fácil de avaliar. Os programas de apoio ao empreendedorismo fazem duas coisas. Ajudam os jovens a definir o projecto e põe-nos em contacto com pessoas que os podem ajudar. Criam um ecossistema que é essencial para se lançar novos negócios. Em segundo lugar, dão-lhes ajuda financeira. Muitos dos jovens desempregados não têm uma rede de contactos, nem capital, seja social ou financeiro. Será que isto é útil mesmo quando o projecto não funciona? Há investigação que mostra que os traços de personalidade – a capacidade de trabalhar com outros, a capacidade pessoal de trabalho – são muito importantes para se ter sucesso no mercado de trabalho. Quando se tem um projecto de empreendedorismo, que [se correr mal] dura um ano ou dois, é isto que se aprende e isso é valorizado por potenciais empregadores. E, além disso, ganha-se criatividade.

Já houve no passado períodos de desemprego elevados. A longo prazo, o que tende a acontecer em situações de taxas de desemprego jovem muito elevadas? A maioria destas pessoas vai acabar por encontrar emprego? Vamos ter uma geração perdida?
A situação vai melhorar quando a economia recuperar e estas pessoas vão acabar por encontrar um emprego. O primeiro problema são as cicatrizes deixadas pela crise. Algumas destas pessoas vão encontrar um emprego, mas os salários vão tender a ser mais baixos, sobretudo se tiverem tido longos períodos de desemprego no início da vida activa. Quem está um ou dois anos no desemprego provavelmente vai conseguir um emprego que lhe paga menos do que o anterior. Estas cicatrizes não vão durar a vida toda, mas durante cinco a dez anos é possível que tenham um salário mais baixo do que teriam se a situação fosse outra. No caso de quem não tem qualquer competência, não podemos sequer falar de cicatrizes. É dramático. Podem mesmo não conseguir um emprego. É uma fatia pequena dos jovens, mas nalguns países pode ser um fenómeno significativo. Este vai ser o grande desafio.

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