Construção do terminal do Barreiro é “excêntrica” e “despropositada”

A forma como é decidido o investimento público volta a ser analisada pela lupa dos autores que, há dez anos, defenderam que a base do Montijo era a hipótese mais vantajosa para reforçar a capacidade aeroportuária de Lisboa

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Possível localização do futuro terminal de contentores no rio Tejo Enric Vives Rubio

Em 2007, e num estudo encomendado pela Associação Comercial do Porto, o economista Álvaro Nascimento e o engenheiro Álvaro Costa apresentaram publicamente um estudo em que demonstravam o “mérito relativo da Opção Portela +1” e quase que ficaram a falar sozinhos.

Depois disso, a opção política passou por ser a construção de um novo aeroporto na Ota que, depois mudou de localização para junto do Campo de Tiro de Alcochete. Hoje, vésperas de o actual ministro das Infraestruturas e Planeamento, Pedro Marques, assumir a base aérea do Montijo como a melhor opção para ampliar a oferta aeroportuária na região de Lisboa, Álvaro Costa e Álvaro Nascimento recusam dizer que tiveram razão antes do tempo.

“A opção Portela +1 era a melhor opção há dez anos e é a melhor opção agora”, diz Álvaro Costa, especialista em Transportes, lembrando, mesmo, que é a única possível em termos de compatibilidade de navegação aérea, como um estudo da Eurocontrol, realizado em 2016, veio a confirmar. Álvaro Nascimento, professor na Católica Porto Business School, limita-se a sublinhar que as preocupações são sempre as mesmas: “O que nos interessa é analisar a racionalidade do investimento público e privado, sobretudo numa altura em que os recursos financeiros são escassos”.

Foi essa a mesma preocupação que levou a Associação Comercial do Porto (ACP) a encomendar à dupla de investigadores uma análise à oportunidade para a construção de um novo terminal de águas profundas. As conclusões desse estudo, apresentadas em Junho, defendem que não se deve investir no desenvolvimento de um novo porto de mar, mas antes aumentar a capacidade dos dois portos que são actualmente mais relevantes no sistema portuário nacional: o Porto de Leixões e o Porto de Sines.

O facto de haver privados interessados em fazer esse investimento não convence Álvaro Nascimento. “Isso não me diz nada. Tudo depende, sempre, das condições que o Estado lhes pode dar. Tal como aconteceu com o novo aeroporto de Lisboa é um erro querer investir em capacidade excedentária quando ela ainda não é necessária e em matérias onde há sempre tanta incerteza”, afirma o economista, para quem a construção do Terminal do Barreiro é “excêntrica” e “despropositada”.

A incerteza é explicada por Álvaro Costa: “A reconfiguração da indústria das companhias de navegação ainda não terminou. Com uma concorrência agressiva e um excesso de capacidade instalada, as companhias de navegação andam à procura de economias de escala. E Sines terá algumas hipóteses de ganhar quota nesta corrida. Um novo terminal de transhipment no Barreiro não”, afirma.

O engenheiro dá o exemplo do Porto de Taranto, em Itália, inaugurado em 2003 e agora sem operação. “O terminal de contentores de Taranto foi concessionado por um período de 60 anos e chegou a ter quotas de mercado de 90% na área do transhipment, teve um pico de tráfego em 2008, perto de um milhão de TEUs movimentados. Depois, foi perdendo influência, começou a ficar ‘demasiado’ afastado das  rotas que se estavam a desenhar, e a última rota intercontinental foi transferida para o porto de Pireu em Janeiro 2015. Declarou falência em Maio desse ano”, relata.

Capacidade não está esgotada

Tal como há dez anos o aeroporto de Lisboa não estava ainda congestionado, também a capacidade dos portos está longe de estar esgotada. “Não encontramos nenhuma evidência na necessidade de fazer um novo terminal de águas profundas. Mesmo se ponderarmos opções políticas que não foram assumidas, como podem ser, por exemplo, libertar de actividade portuária a faixa ribeirinha de Lisboa ou fazer uma requalificação social e urbanística da zona do Barreiro. Mesmo que fossem essas as intenções, poderiam ser concretizadas sem ter de construir um novo terminal que pode ser um elefante branco”, argumenta Álvaro Nascimento.

Na “Estratégia para o Aumento da Competitividade Portuária” apresentada em Dezembro pela Ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, está inscrita a intenção de viabilizar a construção do Novo Terminal de Contentores do Barreiro. Envolve um investimento de 600 milhões de euros, anunciados como sendo integralmente suportados pelo sector privado.

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