Constitucional alemão deixa decisão sobre compra de dívida do BCE para o Tribunal Europeu

Tribunal alemão diz que BCE foi além do seu mandato, mas pede ao Tribunal Europeu de Justiça para analisar o caso.

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Instituição liderada por Mario Draghi tranquila com decisão Kai Pfaffenbach/ Reuters (arquivo)

O Tribunal Constitucional alemão colocou esta sexta-feira em dúvida a medida do Banco Central Europeu que, há dois anos, contribuiu decisivamente para que as taxas de juro dos países periféricos como Portugal tivessem começado a descer dos máximos históricos que tinham atingido no início da crise.

Na decisão agora publicada, o tribunal sedeado em Karlsruhe considera que o BCE foi além do seu mandato quando anunciou a criação do programa de compra de dívida, com a denominação de Transacções Monetárias Definitivas – OMT. E enviou, pela primeira vez na sua história, o caso para o Tribunal de Justiça Europeu (TJE), que terá de tomar agora uma decisão final

Com este programa, o banco central promete comprar nos mercados dívida pública dos países em dificuldades, desde que estes cumpram um programa de ajustamento. Foi esta promessa do BCE – dada num momento em que as taxas de juro de Portugal estavam acima de 10% e a Espanha e a Itália já estavam em risco de pedir também um resgate – que deu a garantia aos investidores de que a entidade liderada por Mario Draghi estava disponível para fazer tudo o que fosse possível para salvar o euro. A partir desse momento, as taxas de juro da dívida dos países periféricos começaram a descer, numa tendência que se mantém até aos dias de hoje.

Agora, o Tribunal Constitucional alemão diz que “há razões importantes para assumir que excede o mandato de política monetária do BCE e que, por isso, infringe os poderes dos Estados-membros e viola a proibição de financiamento monetário dos orçamentos”.

O programa OMT foi aprovado pelo BCE em Agosto de 2012 com o voto contra de Jens Weidmann, o presidente do banco central alemão. Na Alemanha, uma forte corrente da opinião pública acusa o programa de violar a regra europeia de que um banco central não pode financiar directamente um Estado-membro.

Mario Draghi sempre contrariou essa crítica. Esta sexta-feira, num curto comunicado em reacção à decisão do Tribunal Constitucional de enviar o assunto para o Tribunal de Justiça Europeu, o BCE “reitera que o programa OMT está de acordo com o seu mandato”.

Tribunal Europeu pode ser favorável
Apesar da posição crítica do Tribunal Constitucional alemão em relação ao programa de compra de dívida do BCE, o facto de o caso ter sido remetido para o Tribunal de Justiça Europeu está a ser visto por diversos analistas como uma melhoria das hipóteses de o OMT superar este obstáculo legal.

"As hipóteses são muito melhores no Luxemburgo [sede do TJE] do que em Karlsruhe", afirmou Bert van Rossebeke, do Centre for European Politics, em declarações à agência Reuters. Para este especialista, o que é "histórico" é mesmo o facto de o Constitucional alemão ter passado a decisão neste caso para o tribunal europeu.

Outro especialista, Gunnar Beck, da Universidade de Londres, diz também à Reuters que as probabilidades de o Tribunal de Justiça Europeu aprovar o OMT são bastante elevadas, já que está "pré-disposto a interpretar as questões legais no interesse da União Europeia" e "não leva em conta sensibilidades nacionais". 

O Tribunal Constitucional alemão vai ter o papel de argumentar junto do Tribunal Europeu de Justiça contra o OMT, mas no comunicado desta sexta-feira acaba por deixar uma porta aberta, ao afirmar que se o programa "for interpretado restritivamente" poderia ficar conforme à lei.

De acordo com o Financial Times, que diz ter falado com altos responsáveis do BCE, o ambiente no banco central após esta decisão até foi de "alívio". A lógica é que, apesar de o BCE sempre defender que o Tribunal Constitucional alemão não tem jurisdição sobre as suas medidas, havia o receio que este pudesse forçar o Bundesbank ou o Parlamento alemão a tomarem algum tipo de acções". Ao passar para o Tribunal de Justiça Europeu a decisão, os riscos passam a ser menores, pensam os responsáveis do BCE, de acordo com o Financial Times.

Importante para Portugal
O programa OMT, apesar de ter sido anunciado e de ter produzido efeitos muito significativos nos mercados, ainda não foi colocado em prática – isto é, o BCE prometeu realizar compras de dívida, caso fosse necessário, mas, por enquanto, ainda não gastou um único euro.

Portugal é neste momento um dos países que mais próximos poderão estar de se candidatar ao programa. As condições impostas pelo BCE para que um país possa aceder ao OMT é que esteja sob um programa de ajustamento delineado pela troika (ou pelos parceiros europeus), mas que, ao mesmo tempo, tenha conseguido obter um efectivo acesso ao financiamento dos mercados.

Este seria o cenário de Portugal, caso acedesse, a partir de Junho, a um programa cautelar e conseguisse mostrar com diversas emissões de dívida a taxas razoáveis que o acesso efectivo aos mercados estava obtido. No caso da Irlanda, o país ficou impossibilitado de aceder ao OMT pelo facto de ter optado por abdicar de um programa cautelar. Já a Grécia, ainda está longe do OMT, porque não conseguiu ainda realizar qualquer emissão de dívida pública de longo prazo.

Portugal já é, de qualquer forma, um dos países que mais têm beneficiado com o programa de compra de dívida do BCE. Vários investidores em dívida pública portuguesa têm salientado a importância da criação do programa OMT (e a promessa feita umas semanas antes por Mario Draghi de que o BCE "faria o que fosse preciso" para salvar o euro) para a sua decisão de aumentarem a sua exposição ao país.

Em Agosto de 2012, as taxas de juro da dívida pública portuguesa a 10 anos estavam em 10,8%. Neste momento estão próximas de 5%.

 
 
 
 
 
 

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