Confiança e capital social

Os modelos económicos consideram que o crescimento económico de um país é principalmente afectado pela produtividade dos factores de produção, capital financeiro e humano, e inovação tecnológica. No entanto, uma das hipóteses que está por detrás destes modelos é a de que os mercados são “completos”, i.e. os contratos, formais ou informais, são sempre honrados. Isto quer dizer que se por exemplo um produtor disser que entrega um produto a um comprador por um determinado preço, ambas as partes vão cumprir o acordado.

Neste processo é criada riqueza para o vendedor (que obtém dinheiro) e para o comprador (que obtém o bem). Corolário disto é que com “mercados incompletos” menos riqueza é criada, mesmo que que alguns possam beneficiar em detrimento de outros. No exemplo dado anteriormente, o comprador beneficiará se receber a mercadoria sem a pagar, e o vendedor beneficiará se entregar um bem de qualidade inferior ao que foi acordado.

Na economia real, como é óbvio, “mercados completos” não existem. Por esta razão é que são necessários os tribunais, para assegurar em última instância o cumprimento dos contratos. Mas na maior parte dos casos as transacções económicas são realizadas sem qualquer intervenção dos tribunais apenas porque os agentes económicos confiam uns nos outros. Neste sentido, a confiança entre os agentes económicos pode-se considerar uma espécie de capital social porque fomenta a produção de riqueza. De facto, a evidência empírica demonstra que os países com maiores níveis de confiança têm maior crescimento económico. Ou seja, o capital social é tão importante como o capital financeiro e humano e a inovação tecnológica.

Segundo os dados da OCDE, Portugal é um dos países da Europa em que as pessoas têm menos confiança umas nas outras (Society at a Glance 2011: OECD Social Indicators). Pior que Portugal só a Turquia, ao passo que os países da Escandinávia são aqueles que apresentam maiores níveis de confiança. Interessa como tal perceber porquê. Estudos apontam que os países com maiores níveis de confiança são homogéneos em termos étnicos, têm uma boa governação política e têm maior igualdade de rendimentos. Divisões étnicas e desigualdades económicas podem criar conflitos entre os vários grupos e, como tal, desconfiança, porque os interesses de cada grupo são, por vezes, diferentes. Baixa qualidade da governação pode abalar a confiança nas instituições, como os tribunais, que são essenciais para arbitrar conflitos relacionados com contratos não cumpridos.

A questão étnica não explica o caso português uma vez que Portugal é um país bastante homogéneo nesta dimensão (James Fearon, Ethnic and Cultural Diversity by Country, 2003). No entanto, não só os portugueses têm pouca confiança nos políticos (Society at a Glance 2011: OECD Social Indicators), como a governação política nas últimas décadas conduziu Portugal a uma crise profunda. Por outro lado, a nível europeu, Portugal é também um dos países com maiores desigualdades económicas. Neste sentido, o que talvez possa explicar a ausência de confiança na sociedade portuguesa é a percepção de uma má governação política e o facto de Portugal ser uma sociedade dividida pelas desigualdades económicas.

Um dos estudos mais conhecidos sobre o capital social foi feito por Robert Putnam a propósito do Norte e do Sul da Itália (Making Democracy Work: Civic Traditions in Modern Italy, 1993). Putnam argumenta que um dos principais factores que divide o Sul de Itália (pobre, minada com a criminalidade da Máfia e corrupção) do Norte de Itália (rico e desenvolvido) são diferenças a nível da confiança. Por exemplo, se alguém no Sul de Itália precisa de um canalizador – dá-se o exemplo de um canalizador, mas poderá ser médico, taxista, advogado ou qualquer outra profissão – recorre a alguém conhecido, pois se for desconhecido teme ser enganado. Mas os conhecidos também enganam, e o facto de as relações comerciais serem baseadas em conhecimentos, faz com que a competência seja secundária, pois a concorrência não é uma ameaça. No Norte da Itália pelo contrário, um canalizador só sobrevive se for competente e praticar preços apelativos porque está exposto à concorrência.

Como o caso da Itália demonstra, quando a confiança nos outros é baixa surgem “ilhas” de confiança dentro de grupos. Estes grupos também criam capital social mas apenas para os seus membros, e muitas vezes este tipo de capital social tem efeitos negativos no resto da sociedade. Isto porque o que liga os membros do grupo são os interesses pessoais e de grupo, que entram frequentemente em confronto com os da sociedade em geral. Em nome do grupo tudo é permitido, como por exemplo a corrupção. Mas a facilidade com que se quebram as regras dentro destes grupos faz com que isto também possa acarretar consequências negativas para o próprio grupo.

Esta dicotomia entre a confiança no grupo versus desconfiança nos demais, encontra-se em várias situações na sociedade portuguesa: fundos europeus e empregos distribuídos por simpatizantes dos partidos no governo; mudança das chefias na função pública cada vez que muda o governo; a relação privilegiada e quase exclusiva entre empresas e instituições financeiras que levou à queda quer de bancos quer de empresas; o nepotismo no mercado de trabalho, entre outros. Com o tratamento especial de alguns (daqueles em que se confia) deseja-se reduzir o risco de se ser enganado e ao mesmo tempo assegurar a colaboração de alguém que siga as nossas orientações (o tratamento especial é uma moeda de troca da confiança). Mas este tratamento especial de alguns à conta dos demais conduz aos abusos que conhecemos tão bem, como a corrupção, a má governação e a má gestão.

A confiança entre as pessoas conduz a mais transacções económicas, o que por sua vez contribui para uma maior criação de riqueza. A competência e ética na política e uma sociedade com menos desigualdades aumentam a confiança entre os cidadãos, e deste modo o capital social. Os responsáveis políticos têm como tal uma palavra importante a dizer neste assunto. Uma das áreas de intervenção é a diminuição da mais que evidente partidarização de todas as áreas da sociedade civil e económica. Esta partidarização não só dá oportunidades de trabalho e de negócio a apenas alguns, sendo como tal uma fonte de desigualdades económicas, como destrói ainda mais as relações de confiança na sociedade. Se não se quebrar este círculo vicioso, os partidos políticos continuarão a ser um entrave ao desenvolvimento económico e social do país. Economista, Norwegian School of Economics

Sugerir correcção
Ler 3 comentários