Tribunal da Concorrência obriga AdC a analisar queixa contra a Galp

Tribunal criado para analisar casos de concorrência entendeu que o regulador da concorrência violou a antiga lei, que o obrigava a investigar todas as queixas recebidas.

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ACP acusou Galp de restringir concorrência nos combustíveis Foto: Paulo Pimenta

A Autoridade da Concorrência (AdC) vai ser obrigada a analisar a queixa contra a Galp por causa dos preços que o Automóvel Club de Portugal (ACP) lhe apresentou em 2010 e que então decidiu arquivar, sem investigação. Nem que seja para voltar a arquivá-la, se for esse o caso.

Nessa data, o ACP queixou-se do arquivamento e, “depois do processo ter andado de tribunal em tribunal sem que nenhum se julgasse competente para o julgar”, o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão de Santarém analisou-o e condenou a entidade reguladora por ter recusado analisar a queixa contra a Galp por práticas restritivas da concorrência no mercado dos combustíveis, comunicou esta terça-feira o ACP.

Como consequência, a entidade reguladora presidida por António Ferreira Gomes (mas que à data da queixa estava sob liderança de Manuel Sebastião) “terá de apreciar o caso e eventualmente abrir uma investigação ou inquérito aos indícios que apresentámos”, disse ao PÚBLICO a directora jurídica do ACP, Gabriela Barreto.

Se entender que não há motivo para um inquérito, a AdC terá então de apresentar “um parecer fundamentado, não pode simplesmente dizer que não investiga”, frisou a responsável jurídica do ACP. Contactada, a entidade reguladora recusou comentar, “para já”, a decisão, da qual ainda pode recorrer.

A decisão foi proferida em Novembro do ano passado, mas foi divulgada pelo ACP um dia depois de se ter ficado a saber que o mesmo Tribunal confirmou uma decisão de condenação da AdC à Galp por cláusulas ilegais em vários contratos com distribuidores de gás de botija, mas reduziu em mais de metade a coima que o regulador tinha aplicado à petrolífera, cortando-a para quatro milhões de euros.

“O Tribunal [da Concorrência] considerou que a AdC tinha o dever legal de investigar a queixa que lhe foi apresentada pelo ACP em 2010 e que não poderia ter arquivado a mesma sem ter previamente efectuado qualquer diligência sobre um conjunto de práticas e comportamentos da Galp que indiciavam fortemente a existência de práticas restritivas do sector dos combustíveis líquidos”, sublinhou o comunicado do ACP.

A AdC “violou a lei” frisou Gabriela Barreto, lembrando que, em 2010, a Lei da Concorrência obrigava o regulador a investigar todas as denúncias. Actualmente, a legislação é diferente e a AdC tem poder para decidir as suas investigações, em função dos indícios que detecta e dos recursos de que dispõe.

Segundo informações recolhidas pelo PÚBLICO, a decisão do Tribunal da Concorrência limita-se a apreciar o cumprimento da obrigação de investigar e não o conteúdo das queixas do ACP, ou seja, a existência de indícios de infracções cometidas pela Galp.

Porém, em 2010, os deveres eram outros e foi, por isso, com “absoluta surpresa”, que o ACP recebeu a resposta da AdC, “num tom acintoso e mesmo jocoso”, de que não iria investigar a queixa contra Galp, afirmou Gabriela Barreto. Nessa época, o mercado dos combustíveis era regularmente analisado pela AdC, que depois de um relatório aprofundado sobre o sector (em 2009) em que não detectou sinais de qualquer ilegalidade passou a publicar informação mensal sobre a evolução dos preços até à criação (no final de 2013) da Entidade Nacional para o Mercado de Combustíveis (ENMC).

Ainda assim, o ACP (cujo presidente, Carlos Barbosa, sempre foi muito crítico da AdC, chegando mesmo a pedir a demissão de Manuel Sebastião) sustenta que a queixa apresentada em 2010 reunia “indícios extremamente fortes e declarações da própria Galp a confessar práticas contra a concorrência”, como afirmou ao PÚBLICO Gabriela Barreto.

A queixa do ACP contra a Galp nasceu em 2010, depois de a petrolífera ter aberto um posto de combustíveis low-cost em Setúbal, em frente a um posto dito “normal”, também da rede Galp. Com isso, o ACP entende que ficou demonstrado que “o preço do combustível podia baixar a nível nacional e não apenas em locais onde os postos regulares - por via de entrada de hipermercados ou low-cost - têm grande concorrência”.

As acusações do ACP e do seu presidente não se ficaram por aqui. Carlos Barbosa, que está à frente do clube desde 2004 (e que foi reconduzido no ano passado para um novo mandato até 2019) acusou também a Galp de vender no posto low cost (assim chamado muito antes da legislação que em Abril do ano passado tornou obrigatória a venda de gasóleo e gasolina simples em todas as bombas) combustível de composição equivalente ao que era vendido do outro lado da rua, mas mais caro.

A petrolífera avançou para tribunal contra as acusações, que qualificou como “difamatórias”, acabando por perder o caso. “Foi no âmbito desse processo que a Galp assumiu e escreveu com todas as letras que abriu aquele posto porque a concorrência tinha preços mais baixos”, disse Gabriela Barreto, frisando que esse facto demonstrou que a empresa “tinha margem para baixar os preços no resto do país”.

 

 

 

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