Comboio entre Porto e Vigo acumulou prejuízos de 1,2 milhões de euros em nove meses

CP e Renfe exploram um comboio deficitário por imposição governamental e estão proibidas de o rentabilizar.

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Taxa de ocupação média do comboio é de 12%. Prejuízo por cada viagem ronda os 1140 euros Nelson Garrido

Entre Julho de 2013 e Março deste ano o comboio Celta, que assegura a ligação directa (sem paragens intermédias) entre Porto e Vigo duas vezes por dia, transportou cerca de 28 mil passageiros. Um número que pode parecer elevado, mas que, no mês de maior procura (Agosto de 2013) representa apenas uma média de 57 passageiros por comboio. A média destes nove meses é de 26 passageiros por cada viagem.

Um valor que é mais adequado para um autocarro do que para um comboio, segundo defendia o Governo em 2011 quando apresentou o Plano Estratégico de Transportes (PET), que preconizava o encerramento de linhas e de serviços com procura reduzida.

Nestes nove meses, a taxa de ocupação (cada automotora tem 228 lugares) tem sido de 12%, uma fasquia que também foi utilizado no PET para justificar a redução de serviços de transportes públicos.

Será por este motivo que as empresas públicas CP e Renfe recusam divulgar informação sobre os resultados de exploração deste novo serviço, que foi inaugurado em Julho de 2013 por decisão conjunta dos governos de Portugal e Espanha, que se entusiasmaram com a criação de um comboio sem paragens entre Porto e Vigo.

As duas empresas obedeceram. E até arranjaram um nome original para o novo serviço – Celta. Mas como a linha é de via única, o comboio tem de parar várias vezes para poder cruzar com as composições que circulam em sentido contrário.

Populações e autarcas protestaram por não poder apanhar o Celta. Afinal, o comboio até pára, diariamente e durante alguns minutos, em Viana do Castelo, tanto no sentido ascendente, como descendente. Mas os passageiros não podem entrar ou sair, inibindo assim a CP de obter mais alguma receita, como sucederia se houvesse serviço comercial naquela estação. O mesmo acontece em Lousado, Darque, Caminha e Valença onde o “rápido” também pára para cruzar.

A CP só divulgou o número de passageiros transportados neste serviço, mas recusou-se a mostrar os resultados de exploração. O PÚBLICO calculou as receitas (fáceis de obter porque só há uma origem e um destino) e as duas principais componentes da despesa: o custo do combustível e a taxa de uso (portagem ferroviária) que é paga às duas empresas gestoras de infra-estruturas: a Refer, em Portugal, e Adif, em Espanha.

Os resultados - calculados por defeito porque há mais componentes da despesa que não foram tidas em conta -demonstram um prejuízo brutal no serviço. Em nove meses, a CP e a Renfe terão tido receitas na ordem dos 427 mil euros para despesas superiores a 1,7 milhões, o que significa um défice de 1,2 milhões. Seguramente que, em Julho, quando completar um ano de serviço, o Celta terá chegado aos 2 milhões de euros de prejuízos.

Este valor era, também, o prejuízo de exploração anual da linha do Tua, quando o Governo decidiu suspendê-la. Similarmente, e de acordo com o PET, as linhas do Corgo, do Tâmega e o ramal da Pampilhosa à Figueira da Foz tinham prejuízos entre 1,5 a 1,8 milhões de euros por ano quando foram encerrados.

A linha do Oeste, cujo encerramento do serviço de passageiros chegou a estar previsto entre Caldas da Rainha e Figueira da Foz, gerava perdas anuais de 800 mil euros. Ou seja, um só comboio, o Celta, dá mais prejuízo do que todo o tráfego das linhas que fecharam por serem consideradas deficitárias.

Um impulso de ministros
O presidente da CP, Manuel Queiró, não esconde que a criação deste comboio obedeceu a um “impulso” do ex-ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, e da sua homóloga espanhola, Ana Pastor. "Resulta de uma vontade dos dois governos e por isso as duas empresas [CP e Renfe] vão até onde os dois governos as deixam ir", disse o gestor, numa entrevista ao PÚBLICO a 14 de Abril, explicando que mais paragens para atrair mais passageiros, como preconizam os autarcas do Minho, "teriam de ser aprovadas pelas tutelas" dos dois países.

Autarcas minhotos e o próprio secretário-geral do Eixo Atlântico, Xoán Mao, defende que o Celta deve parar em Viana do Castelo e Barcelos e, eventualmente, em Nine para dar ligação a Braga. Uma opinião partilhada pela própria tecnoestrutura da CP que entende que esta seria uma forma de rentabilizar o comboio e atenuar os prejuízos. Actualmente a viagem sobre carris entre Porto e Vigo é feita em 2h15 e custa 14,75 euros.

Em Junho do ano passado, quando foi decidido lançar um serviço directo entre as duas cidades, a ministra de Fomento espanhola dizia que esperava uma "grande afluência" tendo em conta o preço "muito razoável" do bilhete. E Álvaro Santos Pereira afirmava que o novo comboio permitiria "dinamizar" sectores como o turismo e o comércio, além do investimento entre as duas regiões.

Como foi calculado o prejuízo
No que diz respeito à receita, embora haja preços mais baratos para crianças e seniores e a viagem de ida e volta seja inferior à soma da ida e da volta compradas separadamente, considerou-se que todos os passageiros pagaram bilhete inteiro de ida (14,75 euros).

Quanto à despesa, cada automotora da série 592 afecta a este serviço gasta 900 litros de gasóleo aos cem quilómetros. A CP está isenta do pagamento de impostos sobre os produtos petrolíferos e beneficia de descontos de quantidade negociados com a Petrogal. O custo de cada litro de gasóleo ronda os 85 cêntimos. A distância, por via-férrea, entre Campanhã e Vigo é de 170 quilómetros. Cada viagem custa, assim, 1300 euros.

Segundo os directórios de rede da Refer e do Adif, o Celta paga 207,15 euros de taxa de uso até à fronteira de Valença e 20,80 euros pelo restante trajecto, somando 227,95 euros de “portagem ferroviária” por cada viagem. Numa perspectiva conservadora, o PÚBLICO não considerou outras despesas como a manutenção das automotoras, a limpeza das carruagens e o pagamento de “prémio de condução” ao maquinista. Os prejuízos do serviço serão, por isso, ainda maiores.

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