Código do Trabalho: tire as dúvidas sobre férias e contratos colectivos

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A partir de 2013, desaparecem os três dias de férias para premiar a assiduidade Foto: Daniel Rocha

A nova legislação laboral traz mudanças significativas em questões como os horários, férias e despedimentos. Durante seis dias, os advogados da José Pedro Aguiar-Branco & Associados, da Miranda Correia Amendoeira & Associados, da Sérvulo e da Uría Menéndez-Proença de Carvalho, em colaboração com o PÚBLICO, responderam às questões colocadas pelos leitores. Esta terça-feira terminamos a série com questões relacionadas com as férias, os contratos colectivos e os cargos técnicos.

Novas regras de despedimentos, indemnizações, estatuto do trabalhador-estudante, deslocalização de trabalhadores, trabalho suplementar, bancos de horas e subsídio de desemprego foram alguns dos temas abordados.

Tenho um contrato sem termo que teve início a 01/04/2011. Nesse ano nunca faltei e gozei 12 dias de férias. Em 2012 iniciei baixa médica a 11/04 na qual ainda me encontro. Pretendo saber que férias tenho direito a gozar, assim como o valor de subsídio de férias relativas a 2012 (já recebi o subsídio de férias de 2011), sendo o meu ordenado o mínimo nacional.

O leitor, em 2011, ano de admissão, tinha direito a 18 dias de férias, pois trabalhou durante nove meses, adquirindo dois dias de férias por cada mês de duração do contrato. O gozo de férias pôde ter lugar após seis meses completos de execução do contrato. Como em 2011 apenas gozou 12 dias dos 18 dias de férias possíveis, os seis dias de férias restantes transferiram-se para o ano seguinte, 2012, devendo ter sido gozados até 30 de Abril de 2012, com acordo entre trabalhador e empregador.

A 1 de Janeiro de 2012, venceram-se mais 22 dias de férias. Como o leitor nunca faltou em 2011, teve direito à majoração de três dias de férias, o que perfaz um total de 25 dias de férias vencidos a 1 de Janeiro de 2012. Veja-se que a eliminação da majoração de dias de férias, operada com a nova reforma do Código do Trabalho, apenas produzirá efeitos quanto às férias que vençam a 1 de Janeiro de 2013.

Da conjugação do número de dias de férias vencidos em 2012 (25) e em 2011 não gozados naquele ano (seis) resulta um total de 31 dias úteis de férias. Poderia colocar-se em questão a proibição de um gozo superior a 30 dias úteis de férias num ano civil prevista no n.º 3 do artigo 239.º do Código do Trabalho. No entanto, uma interpretação literal do referido artigo permite ao trabalhador defender que tal situação apenas é aplicável aos casos em que o ano civil da contratação termina antes de decorrido o período de seis meses de execução do contrato no qual o trabalhador não pode gozar férias, o que não aconteceu neste caso, pelo que o leitor poderá exigir o gozo de 31 dias de férias.

Quanto ao valor do subsídio de férias, este será o do ordenado mínimo nacional, já que não é aplicável ao valor do subsídio de férias a majoração de dias por assiduidade.

Como o leitor se encontra de baixa médica, caso o impedimento venha a inviabilizar o gozo de férias em 2012, sempre terá direito ao gozo de férias até 30 de Abril do ano seguinte ou à retribuição correspondente ao período de férias não gozado.

Resposta elaborada pelo departamento de Direito do Trabalho da JPAB – José Pedro Aguiar-Branco & AssociadosCom estas alterações, o Contrato Colectivo dos Químicos existente há muitos anos deixou de estar em vigor? Ou estas mudanças reflectem-se no contrato?

O Contrato Colectivo dos Químicos continua em vigor. O que sucede é que, com as alterações ao Código do Trabalho, estabelecidas pela Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho:

a) foram suspensas – por 2 anos, isto é, até 31 de Julho de 2014 - as disposições dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e dos contratos de trabalho que previam o pagamento de acréscimos devidos pela execução de trabalho suplementar;

b) passaram a ser nulas as disposições dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e dos contratos de trabalho que previam a existência do descanso compensatório por trabalho suplementar prestado em dia útil, em dia de descanso semanal complementar ou em feriado. O descanso compensatório mantém-se, mas apenas para o trabalho prestado em dia de descanso semanal obrigatório.

Esgotados estes dois anos pode suceder uma de duas coisas:

a) ou o CCT dos Químicos foi alterado nesta matéria e passam a aplicar-se os novos acréscimos decorrentes dessa alteração, mesmo que sejam superiores aos acréscimos agora previstos no Código do Trabalho;

b) ou o CCT não foi alterado e neste caso, os acréscimos que hoje nele se prevêem e que são suspensos por dois anos, são automaticamente reduzidos para metade. A redução tem como limite os acréscimos agora previstos no Código do Trabalho.

Resposta elaborada pelo departamento de Direito do Trabalho da Sérvulo & AssociadosQuando se fala de cargos de complexidade técnica, que podem ser despedidos por não cumprirem os objectivos acordados, esse conceito dirige-se a quem exactamente?

Em regra, dirigir-se-á a pessoas cujos cargos exigem formação específica, diferenciada, de especial relevância para o desenvolvimento do negócio de um empregador. São cargos cujo exercício, pela sua dificuldade técnica, não está ao alcance de um qualquer trabalhador da empresa mas apenas daqueles que tenham formação própria. Isso varia de área de negócio para área de negócio, de empresa para empresa. Este é apenas mais um conceito indeterminado em que, de resto, o direito é fértil. Não é nada de extraordinário.

Não havendo uma definição jurídica do que seja a "complexidade técnica" de um cargo, cabe aos tribunais, na análise dos casos que lhe forem apresentados e de acordo com os dados que lhes sejam transmitidos, decidir se determinado cargo é ou não complexo de um ponto de vista técnico. Este é, aliás, um tipo de exercício que os tribunais são frequentemente chamados a fazer a propósito das mais variadas conceitos indeterminados. Nem sempre é possível a lei esclarecer tudo, detalhar tudo. Seria complexo definir este conceito de forma juridicamente útil, clarificadora e que abarcasse todas as situações.

Haverá seguramente casos de fronteira, difíceis de "catalogar". Haverá profissões cuja forma como são desempenhadas poderá qualificá-las como tecnicamente complexas ou não. Esta indefinição não deixa de constituir um factor de insegurança mas, ao mesmo tempo, dota o conceito de uma flexibilidade que de outro modo dificilmente teria.

Normalmente, a cargos desse tipo correspondem elevados e intensos níveis de formação e de experimentação, associados à utilização de um determinado tipo de meios de trabalho mais sofisticados. Tendo em conta que, como se disse, se trata de um conceito indeterminado, a jurisprudência resolve uma parte assinalável destas situações a partir da análise das especificidades do caso concreto.

Resposta elaborada pelo Grupo de Direito Laboral da Miranda Correia Amendoeira & Associados
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