CGD não consegue evitar publicitação de multas aplicadas pela CMVM

O banco público queria que o regulador não desse conhecimento público, através do seu site, das condenações aplicadas à Caixagest e à Caixa BI.

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Ministra das Finanças pediu explicações à CGD PEDRO CUNHA

A Caixa Geral de Depósitos (CGD) irá ver publicitadas as condenações “muito graves” aplicadas pela CMVM, no início do ano, contra a Caixagest e a Caixa BI, por manipulação de mercado, e que culminaram em multas de 300 mil euros, isto depois do regulador ter recusado um pedido para que não houvesse divulgação, por contrapartida da não impugnação judicial.

A CGD voltou a contestar a sentença do regulador e a ministra de Estado e das Finanças, Maria Luís Albuquerque escreveu, a 10 de Fevereiro, a Álvaro Nascimento, presidente não executivo do grupo financeiro do Estado, a pedir explicações sobre o tema.   

O PÚBLICO apurou que a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) não acompanhou o pedido da CGD para que as contra-ordenações por violação do dever de defesa de mercado, que resultaram em coimas de 150 mil a cada instituição - Caixagest, a ordenante, e Caixa BI, a broker - não fossem divulgadas no site do supervisor.

A CGD não concorda com a decisão e solicitou a nulidade/irregularidade das “notificações” de indeferimento, por falta de fundamento, e avançou com um pedido peculiar: que Carlos Tavares, presidente da CMVM, facultasse a acta da reunião do Conselho Directivo e a informação de serviço que sustentam a decisão de publicitar os castigos à Caixagest (sociedade gestora de fundos de investimento mobiliários e gestão discricionária de carteiras da CGD) e à Caixa BI. Tudo indica que a CMVM mantenha a sua posição inicial.

Os factos remontam aos nove últimos meses de 2008, num quadro de crise financeira, marcado por grande instabilidade e volatilidade dos mercados. As transacções irregulares (o intuito seria o de valorizar os activos nas carteiras dos fundos de investimento geridos pela Caixagest) envolveram acções do Finibanco, da SAG, da Cofina, da Martifer, da Impresa e da Sonae Capital, e abrangeram outros brokers (que receberam ordens da Caixagest): o Santander, o BIG, o BESI e a Fincor. Para além da Caixagest e da Caixa BI,  a CMVM aplicou igualmente multas, entre 25 mil e 50 mil euros (parcialmente suspensas) a estas sociedades e a vários trabalhadores por violação do dever de defesa do mercado. Um dado curioso: o BPI interveio nas operações, como intermediário, mas, por à data dos factos ter o gravador da sala de mercados “avariado”, não foi abrangido pela “mão” do supervisor.

A mais recente troca de “correspondência” entre a CMVM e a CGD decorreu nas últimas semanas e é o desfecho das condenações emitidas em Janeiro, depois de ter deduzido as acusações em Dezembro. Não obstante manter que a norma sancionatória usada pelo supervisor para castigar as duas sociedades é inconstitucional, e refutar os actos imputados (nomeadamente pela baixa liquidez dos títulos mobilizados irregularmente e reduzido free float), a CGD deliberou, em Janeiro, não contestar judicialmente as contra-ordenações da CMVM. Não só o valor das coimas (300 mil euros) é, do ponto de vista do banco, baixo em confronto com os custos de defesa e as reduzidas probabilidades de ganho, como admite  “expectável” que o tribunal não lhe desse razão. E o risco reputacional da audição das conversas tidas nas salas de mercado pelos juízes era também elevado, considerou a CGD que, por tudo isto, comunicou à CMVM que não ia impugnar judicialmente a decisão mas solicitou, como contrapartida, a não comunicação ao mercado da condenação.

Mas o pedido foi indeferido e a Caixa considerou esta decisão nula. A CMVM terá ainda de se pronunciar antes de dar por encerrado o “contencioso” que começou em 2010, quando abriu as averiguações à actuação da Caixagest, o cliente final no centro das transacções bolsistas irregulares, e da Caixa BI (que funcionou articuladamente, mas como cliente da Caixagest).

A audição das transcrições das gravações das conversas (prática na actividade) entre as mesas das salas de mercado da Caixagest e dos outros brokers revelou-se essencial para a CMVM deduzir as acusações. E conforme reconhece a CGD, em documentos a que o PÚBLICO teve acesso, reduziu as hipóteses de sucesso de uma desejada contestação judicial. Isto, porque o teor das conversas tenderia a condicionar desfavoravelmente a opinião do tribunal, o que foi determinante para que as seis instituições aceitassem as “sentenças” da CMVM.

A título de exemplo: uma das múltiplas conversas transcritas e na posse das autoridades envolve 12 mil acções da Cofina (cerca de metade do negociado na sessão), com o operador da Caixagest a dizer ao da Caixa BI (as conversa com o broker do Santander Totta decorrem nos mesmos moldes): “Agora Cofina, Cafeína”. E a receber como resposta: “Certo. Cafeína. Fomos buscar 30...” A Caixagest envia sinais de força ao corretor da Caixa BI: “Boa. 10, 20, compra mais 30. Não, compra mais ora…10… ”Antes de terminar a frase a Caixagest sugere: “Não. Tem de ser mais 30 mil ao melhor que é para fechar a 11”. A CaixaBI termina: “Ok”. A conversa prosseguiu.

Para a CMVM houve uma intenção inequívoca de marcar o preço a 1,1 euros - a oferta foi integralmente executada ao preço de 1,1 euros, superior ao último valor da negociação em contínuo (1,09 euros) e a Caixagest foi responsável por todas as compras no leilão de fecho.

 Na audição das gravações são muitas as interlocuções que, para o cidadão comum, podem revelar-se de difícil compreensão: “experimenta”, “nem mexe”, “vê lá”, “deixa entrar”, “ok”, “dá-me um segundinho”, “boa”, “Eh pá”, “Oh pá”, “hum”, “queres que mude”, “entendido”. Mas para Carlos Tavares, os registos fonográficos são claros quanto à estratégia de testar (já que as ordens eram canceladas) ou de marcar as cotações finais. Para além das instituições, também os colaboradores das instituições cujas conversas estão gravadas foram punidos.

O assunto chegou em Fevereiro ao Parlamento, depois de o PÚBLICO ter noticiado [21 de Janeiro] que a Caixagest e a Caixa BI aceitaram pagar as multas de 300 mil euros, mediante silêncio da CMVM, para evitar que as transcrições das gravações das conversas entre brokers fossem parar ao tribunal. A 7 de Fevereiro, Paulo Sá e Miguel Tiago, deputados do PCP, escreveram à ministra de Estado e das Finanças para saberem se tinha conhecimento da posição da CGD, que ilações retirava e se estava disponível para os elucidar. No seguimento, Maria Luís Albuquerque pediu à secretária de Estado e das Finanças, Isabel Castel-Branco, que se informasse, tendo esta, por seu turno, através do seu chefe de gabinete, Abel Mascarenhas, interrogado, por carta, o presidente não executivo da CGD, Álvaro Nascimento, que, por seu lado, reenviou a missiva para José Matos (CEO), que a despachou para outros responsáveis.

A cadeia de “transmissões” estendeu-se a outros tantos intervenientes e, 15 dias depois, a 21 de Fevereiro, a CGD prestou esclarecimentos sobre a decisão condenatória instaurada pela CMVM. Confirmou os factos, mas negou ter feito qualquer acordo, ou proposta de acordo, com a CMVM, explicando que se limitou a usar as prorrogativas dadas pelo Código dos Valores Mobiliários usadas “de forma bastante frequente” pelas entidades condenadas pelo regulador. O PÚBLICO inquiriu a CMVM sobre o tema, mas o regulador optou por não o comentar. Também a CGD não se pronunciou.

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