Centenas de proprietários pedem impugnação do imposto das casas de luxo

Tribunal arbitral já decidiu sete processos, todos contra as Finanças. Provedor de Justiça abriu processos relativos a 25 queixas, mas ainda não pediu a inconstitucionalidade da norma.

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Prédios antigos apanhados pelo imposto dobre casas de luxo. Paulo Ricca

O imposto do selo (IS), criado com o propósito de tributar as casas de luxo, está a ser aplicado, em larga escala, a prédios urbanos destinados a habitação, levando “centenas de proprietários” a recorrer ao Tribunal Tributário, adiantou ao PÚBLICO Menezes Leitão, presidente da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP).

Os pedidos de impugnação também estão a ser apresentados no tribunal arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), onde já há sete decisões, todas favoráveis aos contribuintes. Para além da contestação directa das notas de liquidação, que segundo Menezes Leitão ”estão a deixar muitos proprietários desesperados”, mais de duas dezenas de proprietários já apresentaram queixa ao provedor de Justiça.

Na sequência das queixas, o provedor abriu sete processos, que reúnem 25 queixas, mas ainda não avançou com um pedido de fiscalização da constitucionalidade da lei ou com uma recomendação específica.

O IS é aplicado sobre imóveis ou terrenos para construção sempre que o valor patrimonial tributário (VPT) ultrapasse um milhão de euros. Nestas situações, é cobrado 1% do VTP, a que acresce o IMI – imposto municipal sobre imóveis. Criado em 2012, depois de iniciativa semelhante em França, visou ajudar a corrigir o desvio orçamental e cumprir a meta revista do défice de 5% para esse ano. 

Sobre esta matéria, o anterior provedor de Justiça, Alfredo José de Sousa, pediu esclarecimentos urgentes ao secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, através de ofício enviado em Abril do ano passado. O governante ainda não respondeu, apesar da insistência feita nesse sentido. Apesar da falta de resposta de Paulo Núncio, fonte oficial do provedor, cargo agora ocupado por José Faria da Costa, adianta que, da parte da Administração Tributária, tem havido resposta a alguns pedidos de esclarecimento, encontrando-se outros pendentes.

Na base da incontitucionalidade alegada por contribuintes e associações de proprietários está o tratamento desigual que está a ser feito, uma vez que o imposto incide sobre prédios destinados a habitação, deixando de lado os edifícios comerciais, como sedes de bancos ou de grandes empresas, e ainda a discriminação negativa dos prédios em propriedade vertical face aos constituídos em regime de propriedade horizontal.

No tribunal arbitral, muito mais célere que o Tribunal Tributário (onde ainda não há nenhuma decisão), mas também muito mais caro, a Autoridade Tributária vai somando derrotas. Neste momento já foram decididos três processos relativos a terrenos para construção, uma aplicação que não estava prevista quando foi criada a lei, mas que as Finanças entenderam que também passavam a pagar o imposto.

Uma das questões colocadas pelo Provedor a Paulo Núncio versa precisamente sobre a legitimidade deste alargamento, quando ainda não existe qualquer tipo de construção nos terrenos.

As restantes quatro decisões do tribunal arbitral - cuja decisão não é passível de recurso, salvo em matérias de inconstitucionalidade ou de vício formal -, são relativas a prédios urbanos verticais. Nestes prédios, o fisco soma os VTP dos andares ou fracções (determinado para efeitos de IMI), passando a aplicar o imposto sempre que atinja ou ultrapasse um milhão de euros, o que corresponde a um imposto mínimo de 10 mil euros.

Depois de fazer a soma dos valores, a Autoridade Tributária (AT) volta a dividir o valor de IS apurado e emite notas de liquidação individualizadas. Esta é outra das matérias levantadas pelo Provedor e que o tribunal arbitral tem considerado uma violação “dos princípios da legalidade e da igualdade fiscal”. Segundo o mesmo tribunal, os critérios da AT viola os princípios “da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico formal”.

A AT recorreu para o Tribunal Constitucional de uma das decisão arbitrais, alegando, entre outros aspectos, que a sentença “viola o princípio da legalidade formal […]”. O Tribunal Constitucional não admitiu o recurso das Finanças, mas também não apreciou, porque também não era isso que estava em causa no recurso, a constitucionalidade do imposto.

O presidente da Associação Lisbonense de Proprietários, Menezes Leitão, afirmou ao PÚBLICO que, ao contrário do fim para que foi anunciado, o imposto não está a incidir sobre as habitações de luxo. O que está a ser tributado são os prédios urbanos com rendas antigas, em que os proprietários não têm, em muitos casos, rendimentos para suportar os impostos sobre o património. Explica ainda que, muito dificilmente, uma moradia atinge o VTP de um milhão de euros. O cálculo desse valor, determinado para efeitos IMI, contempla um conjunto de ponderações como a área, idade, localização, entre outros, que condicionam esse valor.

Outra estrutura representativa, a Associação Nacional de Proprietários, já pediu a intervenção dos diferentes grupos parlamentares para alterar a lei, aprovada na Assembleia da República em 2012 (sem votos contra), mas sem resultado.

O PÚBLICO pediu esclarecimentos ao secretário de Estado dos Assuntos Fiscais sobre a forma como está a ser aplicado o imposto, mas não obteve qualquer resposta.

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