BES esteve “no fio da navalha” e o sector financeiro também

O governador do Banco de Portugal reconheceu que o BES chegou a sexta-feira “no fio da navalha” e que o sector financeiro esteve “em cima do risco”. “Mas saímo-nos bem”.

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Carlos Costa foi ouvido no Parlamento e disse que a solução para o BES foi elogiada pelos parceiros do BCE Miguel Manso

Carlos Costa, governador do Banco de Portugal, afirmou esta quinta-feira que o sector financeiro português esteve no final da semana passada “em cima do risco sistémico”, o que acelerou o resgate do BES, que reabriu na segunda-feira dividido em dois: um banco tóxico, que mantém a designação BES (e onde ficaram os accionistas), e um banco limpo, que se chama agora Novo Banco, gerido pelo supervisor e detido pelo Fundo de Resolução, fundeado na restante banca.

O BES esteve no fio da navalha [prestes a falir], mas saímo-nos bem. Na sexta-feira estivemos [o sector] em cima do risco sistémico”, revelou Carlos Costa na Assembleia da República, onde foi prestar esclarecimentos no quadro da Comissão de Orçamento, Finanças e Administrações Pública sobre a “solução” encontrada para salvar a parte sólida do BES, com uma injecção de 4900 milhões de euros (mil milhões  pelo sector  e a parcela sobrante por via de um empréstimo concedido pela Estado ao Fundo de Resolução).

A decisão de intervir no BES, quando o quadro “já era dramático”, foi tomada no final da semana, para possibilitar que o sistema financeiro se mantivesse a funcionar sem “dramas” na segunda-feira. A solução encontrada, entre BdP, Governo e troika (BCE/Comissão Europeia), dentro do sector financeiro, visou não prejudicar o contribuinte. “Não é em 48 horas ou em 72 horas que conseguimos ter tudo montado” e ainda há detalhes para articular com as várias partes envolvidas (incluindo o sector, o governo e a troika). Os representantes da União Europeia estiveram em Portugal no sábado e a gestão do BES foi avisada do resgate nesse dia à noite. E foi também nessa altura que o sector soube que ia ser envolvido no “salvamento” do seu concorrente.

O governador chamou a atenção dos deputados para o facto de o risco sistémico ocorrer "muito raramente", o que suscitou uma gargalhada por parte de deputados, nomeadamente os da oposição, que referiram logo o caso BPN e BPP. “O recurso ao Fundo de Resolução ocorre uma vez na vida”, explicou.

"Não há nenhum governador que gostasse de ter estado confrontado com a minha situação na sexta-feira", observou Carlos Costa, alertando para as notícias internacionais que elogiaram o caminho encontrado, pois salvaguardou o interesse público, a estabilidade do sistema financeiro e os depositantes. Carlos Costa evidenciou que foi muito elogiado pelos restantes governadores em Frankfurt (sede do BCE). Mario Draghi já veio destacar a acção “rápida e eficaz” das autoridades portuguesas em coordenação com a Comissão Europeia e o BCE: “O que poderia ter sido um incidente – e estou a usar o termo como um eufemismo – sistémico foi restringido a esse banco e aos seus donos.”

"Para o bem ou para o mal" a responsabilidade do que se passou no BES e da solução encontrada para evitar a falência "é do BdP", afirmou COsta. "Convivo bem com as críticas de Lisboa", pois o mais importante, assegurar a confiança dos depositantes, e garantir a continuidade do banco, pois “tem grande influência” na economia real, foi conseguido.

Os deputados estiveram divididos sobre a solução de resgate ao BES [com o PSD e o CDS a apoiarem], mas, com excepção dos sociais-democratas, houve reservas e dúvidas sobre a actuação do BdP, nomeadamente, sobre a falta de actuação quando surgiram, em 2013, os indícios de ilegalidades e de forte exposição ao GES.

Sobre a venda do Novo Banco, um banco de transição com um estatuto híbrido, e que deve ser colocado no mercado (através de ajuste directo) assim que possível, é preciso garantir uma via accionista estável. No entanto, admitiu que, com a perda de valor, será dificil vender o banco em bloco, o que abre espaço a que seja dividido em parcelas.

A solução Banco Novo, versus banco tóxico, em que os accionistas perderam tudo, resulta do novo quadro da União Bancária, que tem um fim: impedir o envolvimento público. "Custos para os accionistas? É claro que toda a lógica europeia assenta que os contribuintes devem ficar fora" dos resgates à banca.” “Foi o que aconteceu [no BES] e vai acontecer no futuro.”

Outro dos temas polémicos do dossier BES, por ter envolvido clientes de retalho, prende-se com o último aumento de capital de 1140 milhões, que decorreu entre Abril e Maio de 2014. Para Carlos Costa, o BdP apenas tem que se pronunciar sobre se a instituição que supervisionou precisa ou não de reforçar o capital e a dimensão das suas necessidades. E que cabe à CMVM pronunciar-se sobre as condições da operação e a quem se destina, e sobre "o conteúdo e elaboração do prospecto de emissão do aumento de capital".

Recorde-se que os dois reguladores travam um braço-de-ferro sobre o tema com Carlos Tavares, presidente da CMVM, a referir que com base na lei em vigor cabe ao BdP autorizar "o aumento de capital" e que a CMVVM apenas tem de garantir que o prospecto está bem elaborado.

Confrontado sobre o que pensa de uma velha tese do actual Governo de privatizar a CGD, Costa repetiu o que tem dito: que discorda e que manifestou isso mesmo, aliás, a seu tempo à troika.

Sobre as críticas de alguns banqueiros, chamados a salvar com verbas dos seus accionistas um seu concorrente, o Governador acredita: “Hoje, quinta-feira, o sistema financeiro percebeu que é do seu interesse participar nesta solução. Partiu de uma situação de surpresa, para uma em que compreendeu que vale a pena envolver-se mais na solução. E acredito que haverá mais envolvimento" dos restantes bancos no Fundo de Resolução, substituindo-se ao empréstimo (cerca de 4000 milhões) do Estado.

Anos à espera?
Se a venda do Novo Banco for realizada por um valor que não permita amortizar por completo o empréstimo feito pelo Estado, a diferença será compensada pelas contribuições anuais dos bancos para o Fundo de Resolução, o que significa que o Tesouro se arrisca a ficar por um período longo de tempo à espera de ser totalmente reembolsado.

A explicação foi dada por Carlos Costa na AR, assinalando que na directiva europeia que estabelece as regras para os processos de resolução bancária (e que entrará em vigor em Janeiro de 2015) está definido um “mecanismo automático” através do qual se processa a devolução do empréstimo feito pelo Estado ao Fundo de Resolução.

Na eventualidade de a venda do Novo Banco não gerar receitas suficientes para que o fundo devolva todo o dinheiro emprestado, disse Carlos Costa, os bancos ficam incumbidos de suportar a diferença através das suas contribuições anuais.

Acontece que estas contribuições anuais têm um valor relativamente reduzido. Em 2013, as contribuições regulares do banco para o Fundo de Resolução foram de 41,5 milhões, um valor ao qual se pode acrescentar o valor da Contribuição do Sector Bancário, que foi de 127 milhões de euros no ano passado.

Se a diferença entre os 3900 milhões de euros que o Estado irá emprestar e o valor da futura venda do Banco Novo for significativa, poderão ser necessários vários anos para que estas contribuições dos bancos cheguem para fazer a amortização total.

Apesar de Carlos Costa não ter referido esse facto, na directiva europeia aprovada este ano, está definido que quando os bancos são chamados a cobrir a diferença entre o empréstimo concedido e as receitas da venda do banco, aquilo que pagam não pode ser mais de três vezes superior ao valor das suas contribuições anuais para o Fundo de Resolução. É ainda dito que um banco não é obrigado a pagar no caso de haver o risco de a sua própria situação financeira se tornar demasiado frágil. A directiva prevê ainda que, caso não seja feito o pagamento, os bancos podem conceder empréstimos ao fundo de resolução para que este amortize o seu crédito ao Estado.

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