Bruxelas discorda do mea culpa do FMI sobre ajuda à Grécia

Depois de o FMI admitir falhas graves, a Comissão Europeia vem dizer que as medidas foram necessárias para salvar a zona euro. Atenas tomou nota.

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Grécia quer fundos europeus para combater desemprego John Kolesidis/Reuters

A Comissão Europeia distanciou-se esta quinta-feira da admissão por parte do Fundo Monetário Internacional (FMI) de erros cometidos no programa de ajuda à Grécia, nomeadamente em termos de subestimação do impacto da austeridade na economia.

Num relatório tornado público na quarta-feira, o FMI, que participa com a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu (BCE) na troika de credores internacionais que negociou e vigia a aplicação dos programas de ajustamento da Grécia, Portugal, Irlanda e Chipre, considera igualmente que a dívida grega detida por privados deveria ter sido reestruturada logo no início do processo, em 2010, e não dois anos depois, como veio a acontecer.

O FMI tece ainda duras críticas à Comissão Europeia, a instituição central da troika na concepção dos programas de ajustamento, afirmando que não tem experiência na matéria e que se preocupa mais com o cumprimento das normas europeias do que com o impacto das políticas de austeridade sobre o crescimento económico.

Bruxelas rejeitou esta crítica como "totalmente errada e sem fundamento", afirmando que teve sempre a preocupação de impulsionar a realização de reformas estruturais viradas para o crescimento económico e criação de emprego nos países sob programa de ajuda

No caso da Grécia, o programa de ajuda tinha como objectivo "construir uma base sólida para o crescimento e criação de emprego baseado em finanças públicas sustentáveis, um sistema financeiro estável e numa economia mais dinâmica e competitiva", mas igualmente "assegurar que a Grécia permaneceria na zona euro", reagiu Simon O'Connor, porta-voz de Olli Rehn, comissário europeu responsável pelos Assuntos Económicos e Financeiros. "Estes objectivos eram partilhados por todas as instituições da troika, os governos dos países do euro e o Governo grego" e "permanecem válidos hoje", frisou.

Segundo O'Connor, a afirmação do FMI de que a dívida grega detida por privados deveria ter sido reestruturada logo em 2010, de modo a assegurar a sua sustentabilidade (ou seja, criar as condições para que possa ser totalmente reembolsada nos prazos previstos), é "fundamentalmente errada". "Estamos fundamentalmente em desacordo", afirmou, frisando que o FMI "ignora" o elevado grau de "interligação" entre as economias dos países do euro, que teria feito com que uma reestruturação da dívida grega acarretasse "o risco de provocar um contágio sistémico" nos parceiros. Uma reestruturação da dívida em "2009-2010 teria tido consequências devastadoras não apenas para os outros Estados-membros da zona euro mas também para a própria Grécia", afirmou, frisando que "esta foi uma posição unânime dos Estados-membros da zona euro e dos parceiros da troika no início do programa".

Bruxelas reconhece, apesar de tudo, que mais de três anos depois do arranque do programa grego e com o benefício da experiência adquirida há lições que podem ser tiradas. Segundo O'Connor, a Comissão conta, aliás, elaborar a sua própria avaliação sobre os programas de ajustamento, em data indeterminada.

O mesmo porta-voz sublinhou, no entanto, que embora a troika seja uma instância recente que se deparou inicialmente com condições e pressões políticas e económicas muito difíceis resultantes da crise da dívida, as suas instituições têm excelentes relações de trabalho, incluindo em Portugal e Irlanda.

Segundo O'Connor, o relatório do FMI é da responsabilidade de alguns dos seus economistas e "não reflecte a posição oficial" da instituição.

"Eu disse-lhes", frisou o ministro grego das Finanças, Yannis Stournaras, que à época do primeiro plano, desenvolvido em 2010, liderava o think tank do patronato grego, Iove. Tal com sindicatos e dezenas de milhares de manifestantes que ocuparam as ruas durante meses, o instituto foi rápido em denunciar os riscos de asfixia económica do país devido ao excesso de austeridade, notou a AFP.

"É muito positivo para aprender com os nossos erros", disse o ministro, citado pelo diário grego de centro-esquerda Ta Nea.

Os jornais gregos, embora com leituras diferentes, interpretaram o relatório do FMI como uma tentativa de exercer pressão sobre a União Europeia (UE), mas sobretudo sobre a Alemanha, para que liberte a UE desta política de austeridade. Alguns jornais não escondem a indignação pela confissão de erros que agora estão a ser pagos pelos gregos.

A Grécia permaneceu na zona euro e cortou parte da sua dívida,  é certo, mas não conseguiu restaurar a confiança dos mercados e a economia mergulhou numa das piores recessões de sempre, com a produção a cair 22% de 2008 a 2012.

Este relatório surge no mesmo dia em que se sabe que o desemprego não pára de aumentar, estando agora perto dos 27%. E a dívida continua abismal, por causa de dois resgates da troika, tendo como moeda de troca uma severa austeridade.

Face a estes números avassaladores, a Grécia enviou na quarta-feira uma carta à Comissão Europeia pedindo para utilizar os fundos europeus para lutar contra o desemprego.

Notícia rectificada às 21h30 No penúltimo parágrafo, onde se lia, por lapso de edição, "apesar de dois resgastes", lê-se agora "por causa de dois resgastes.

 
 
 

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