Depois das dúvidas sobre a receita, Bruxelas alerta para riscos na despesa

Comissão Europeia diz que Portugal está em condições de cumprir as metas. Menos certezas tem quanto ao resultado dos cortes nos gastos dos ministérios.

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O Documento de Estratégia Orçamental será abordado em Conselho de Ministros na próxima segunda-feira Miguel Manso

Sem pôr em causa a estratégia orçamental do Governo para reduzir o défice deste ano, a Comissão Europeia veio nesta quinta-feira deixar alguns avisos sobre a execução da redução da despesa dos ministérios. Se a meio do ano passado Bruxelas alertava para os riscos orçamentais de a consolidação ser feita sobretudo através do aumento da receita, agora que, em 2014, o principal esforço está centrado na despesa, o executivo comunitário avisa que também deste lado da balança há incertezas significativas. Em particular, a execução dos cortes nos chamados consumos intermédios.

O alerta consta do relatório da 11.ª avaliação ao programa de resgate da troika, publicado pela Comissão, e refere-se aos cortes na despesa dos diferentes ministérios este ano. Mas o recado aplica-se, ainda que indirectamente, à execução deste tipo de medidas em 2015, já que que é nas despesas ministeriais que se concentra mais de metade da redução de 1400 milhões de euros aprovada pelo Governo. Um pacote de medidas que constará do Documento de Estratégia Orçamental (DEO) a aprovar na próxima semana e que será debatido no Conselho de Ministros agendado para segunda-feira.

Para a Comissão Europeia, Portugal tem condições de cumprir a meta do défice de 4% este ano. O executivo comunitário teme, no entanto, que os cortes sejam limitados e aconselha o Governo a manter um controlo apertado sobre a execução desta despesa. “Tendo em conta as derrapagens significativas que se verificaram no passado, a obtenção das poupanças estimadas depende de forma decisiva do respeito pelos limites de despesa acordados”, nota, considerando que deve haver um acompanhamento regular em sede do Conselho de Ministros.

A posição do executivo comunitário foi conhecida um dia depois de a execução orçamental dos três primeiros meses do ano mostrar um crescimento na despesa das administrações públicas. Embora haja uma diminuição dos custos com pessoal e com investimento e gastos correntes, registou-se, até Março, um aumento global de 2% na despesa (relacionado com transferências, reembolso de juros, aquisição de bens e serviços e pagamento de subsídios).

Para além destes riscos, Bruxelas considera que há igualmente incertezas relacionadas com o facto de o Tribunal Constitucional estar a analisar os cortes nos salários dos funcionários públicos, os cortes nas pensões e o reforço da Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES).

No ano passado, a Comissão Europeia chegou a avisar (no relatório publicado em Junho, relativo à sétima avaliação) que a consolidação orçamental “fortemente baseada na receita” tornava o ajustamento mais vulnerável caso o crescimento fosse inferior ao esperado ou a receita crescesse abaixo do previsto. Tal não veio a confirmar-se. Quando já era uma certeza que o défice de 2013 ficaria dentro do limite, Bruxelas reconhecia que se tinham materializado “riscos positivos” no final desse ano, referindo-se, com esta expressão, ao aumento da receita fiscal conseguida nos últimos meses. Para isso foi determinante o perdão fiscal lançado pelo Governo e que terminou em Dezembro.

Também do lado da receita há algumas incertezas, já que a Comissão Europeia avisa que o Eurostat ainda está a analisar se os 419 milhões de euros de encaixe extraordinário previstos pelo Governo para este ano têm efeito. Está em causa, nomeadamente, a concessão da Silopor (que valerá 60 milhões de euros), já que o concessionário interpôs uma providência cautelar para travar a adjudicação. Outra dúvida incide sobre a transferência do sistema de saúde dos CTT (com uma receita esperada de 180 milhões de euros), que, por ser uma consequência da privatização dos correios, pode não servir para abater o défice. Além disso, as alterações contabilísticas que entram em vigor em Setembro (o SEC 2010) podem trocar as voltas ao executivo: tal como os fundos de pensões, também a transferência deste tipo de sistemas de saúde poderá não ser contabilizada no défice.  

Reestruturação de serviços
Este ano, as medidas orçamentais representam 2,3% do PIB. E em relação à despesa, a Comissão não é a única instituição a alertar para os efeitos limitados dos cortes ministeriais. Ainda esta semana, o Conselho das Finanças Públicas, liderado por Teodora Cardoso, veio alertar que a execução no ano passado sugere que as medidas “não produziram todos os efeitos enunciados pelo Ministério das Finanças”.

Para 2015, o Governo já anunciou medidas no valor de 1400 milhões de euros, com mais de metade do montante (cerca de 730 milhões de euros) a passar por cortes nos vários ministérios, através de fusões e reestruturações de serviços.

A ministra das Finanças não detalhou na semana passada quais os ministérios em causa. O relatório da Comissão veio, no entanto, esclarecer que é na segurança interna, ambiente, agricultura e educação que vai incidir este esforço. Numa carta de intenções que acompanha o relatório da Comissão, o Governo reafirma, ao mesmo tempo, o compromisso de fechar no DEO as medidas para tornar permanentes os cortes nos salários da função pública e nas pensões.

Para 2015, o executivo conta ainda com medidas de reorganização do Sector Empresarial do Estado, com uma redução de custos em tecnologias de informação e comunicação (TIC) e com um corte de 30% nos gastos em estudos, projectos e serviços de consultadoria. Nos planos do executivo, revela também a Comissão Europeia, está ainda concessionar o Oceanário a privados.

No próximo ano, a execução orçamental conta ainda com o impacto de medidas de 2014: um novo programa de rescisões amigáveis dirigido a professores (em Setembro) e o aumento dos descontos para a ADSE e para os subsistemas de saúde dos militares (ADM) e das polícias (SAD), já aprovado no Parlamento e que está agora de novo nas mãos do Presidente da República.

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