Bruxelas alerta para “choques” que podem travar a redução da dívida portuguesa

Comissão admite que as perspectivas de descida da dívida pública continuam vulneráveis aos mercados e ao andamento da economia.

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A Comissão Europeia, presidida por Juncker, não acredita que Portugal vai fechar o ano com um défice de 2,7% JEAN-CHRISTOPHE VERHAEGEN/AFP

A Comissão Europeia evita entrar numa bipolarização e assumir taxativamente se a dívida pública portuguesa é, ou não, sustentável, mas admite que há riscos que podem comprometer as suas actuais projecções de redução da dívida, a terceira mais elevada na zona euro quando medida em relação ao PIB.

Os avisos, que surgem numa altura em que se debate na Europa a questão da dívida grega, são feitos no relatório de “vigilância pós-programa” da troika, divulgado nesta quinta-feira com as conclusões das equipas da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu que se reuniram em Lisboa com o Governo entre 4 e 12 de Junho.

Numa análise de sensibilidade, Bruxelas traça vários cenários para ver como varia o rácio dívida/Produto Interno Bruto (PIB) face às projecções oficiais, caso Portugal enfrente “choques” positivos ou negativos, ou seja, factores que podem ajudar ou piorar essa evolução.

Para a Comissão Europeia, a “trajectória de redução da dívida, no cenário base, é particularmente vulnerável aos desenvolvimentos macroeconómicos e dos mercados financeiros”, sendo preciso manter a disciplina orçamental para haver uma redução no médio e longo prazo.

São mais os riscos negativos assumidos do que aqueles que podem ter um impacto positivo. Se, tomando 2016 em diante como ponto de partida, a economia crescer menos do que o esperado (ficando um ponto percentual abaixo do previsto), Bruxelas prevê uma redução do nível da dívida bem menos acentuada, calculando que esta ainda se mantenha acima dos 120% do PIB daqui a dez anos.

Se, ao mesmo tempo, as taxas de juro forem mais altas em um ponto percentual, a dívida poderia manter-se próxima dos níveis actuais, nos 130% do PIB. É o cenário mais gravoso.

Bruxelas traça ainda outros dois cenários intermédios, em que seria preciso contar com o impacto negativo de se assistir a uma subida dos juros em um ou mesmo dois pontos percentuais (isto sem avaliar o seu impacto combinado com uma descida do PIB). No primeiro caso, a dívida só cairia para 110% em 2025, enquanto no segundo ainda estaria nos 120%.

Pelo contrário, se os “choques” forem positivos e o crescimento ficar um ponto percentual acima do projectado, a dívida cairia para um nível próximo de 100% do PIB dentro de dez anos ou ficaria já abaixo deste patamar se, somado a isso, as taxas de juro diminuíssem em um ponto percentual.

Na sua projecção oficial, Bruxelas considera que dentro de dez anos a dívida ainda vai representar 110% do PIB, assumindo que se verifica a combinação de vários factores exigentes: que o saldo primário estrutural se mantém inalterado em 2,4% a partir de 2017, que as taxas de juro nominais rondam os 4% (podendo convergir até aos 5%), que o crescimento num horizonte de médio prazo, a partir de 2018, andará entre os 3% e os 3,9%, e que não há alterações face aos custos do envelhecimento previstos pela Comissão.

Bruxelas acredita que este nível de crescimento é compatível com “a diminuição gradual do rácio da dívida ao longo do horizonte de longo prazo”. Para o executivo comunitário, “a trajectória de redução continua dependente, de forma decisiva, do crescimento económico no médio e longo prazo, o que aponta para a necessidade de garantir a implementação de reformas estruturais”.

No relatório, não é feita qualquer referência à Grécia e ao impacto que a incerteza sobre a situação no país pode ter, para já, na zona euro como um todo. Aliás, em relação às condições de financiamento do Estado português, Bruxelas diz que “não há riscos em relação ao reembolso [de dívida pública] no curto prazo”.

A Comissão Europeia continua a prever que o Governo não vai conseguir baixar o défice ao ponto de sair já este ano do Procedimento de Défice Excessivo. Bruxelas projecta um défice de 3,1%, enquanto o Governo acredita que a redução para 2,7%. E repetindo avisos anteriores, Bruxelas diz que o esforço de consolidação orçamental estrutural está a abrandar, prevendo-se que fique “substancialmente abaixo do que é recomendado” pelo Conselho Europeu.

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