BES já estava tecnicamente falido no final de 2013

Banco de Portugal levantou dúvidas sobre a garantia estatal de 4200 milhões de euros concedida ao BES Angola em cartas que dirigiu à Espírito Santo Financial Group, que exercia a posição de controlo no banco.

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No meio da crise global, Ricardo Salgado é apresentado como génio da Finança Enric vives-rubio

O Banco de Portugal levantou dúvidas desde o primeiro momento sobre a validade da garantia estatal de 4200 milhões de euros, emitida pelo Governo angolano ao BES Angola, com data de 31 de Dezembro do ano passado, o que, na prática, significava que, no final de 2013, o BES estava insolvente por contaminação ao BESA e pela exposição ao Grupo Espírito Santo (GES), cujo passivo já era de quase 6000 milhões.

As dúvidas foram levantadas em cartas enviadas pelo vice-governador do Banco de Portugal, Duarte Neves, à Espírito Santo Financial Group (ESFG), a holding que exercia uma posição de controlo no BES e que estava sob a alçada directa do supervisor do sistema bancário.

Esta é uma entre outras informações recolhidas pelo PÚBLICO que este domingo, na Revista 2, são desenvolvidas no âmbito de uma reportagem sobre a ascensão e a queda do GES. No trabalho, são relatados vários episódios que mostram como ao longo dos anos, Ricardo Salgado se foi movimentando nos bastidores do poder enquanto, sem o saber, estava a ser investigado pelas autoridades policiais portuguesas. A 25 de Julho, o ex-presidente do BES foi constituido arguido por suspeita dos crimes de burla, abuso de confiança, falsificação e branqueamento de capitais.

A Revista 2 revela, ainda, como o ex-administrador executivo com o pelouro financeiro do BES, Morais Pires, “resolveu” a forte exposição comercial do universo empresarial de Luís Filipe Vieira, presidente do Benfica, ao BES, e dá conta de um negócio do construtor José Guilherme com empresas da esfera da família Espírito Santo, que ao fim de três anos renderam ao amigo de Ricardo Salgado uma mais-valia de várias dezenas de milhões de dólares.

Salgado justificou as três correcções fiscais realizadas no final de 2012, ao abrigo da amnistia fiscal, como resultando de uma comissão cobrada a José Guilherme por lhe ter aberto as portas em Angola. O banqueiro avança depois com outra tese para justificar a regularização fiscal, de 4,5 milhões de euros à colecta de 2011, alegando que foi antes fruto de uma liberalidade (o termo técnico para presente) oferecida pelo mesmo construtor. 

“Relativamente à garantia do Estado angolano, o Banco de Portugal (BdP), tal como já referido em diversas reuniões [com Ricardo Salgado] considera que existem fundadas dúvidas quanto ao preenchimento dos requisitos para considerar a garantia elegível para efeitos de protecção do risco de crédito à luz da regulamentação em vigor”, lê-se numa das várias cartas enviadas pelo vice-governador do BdP, Pedro Duarte Neves, ao presidente da ESFG e a que o PÚBLICO teve acesso.

Duarte Neves nota que as dúvidas do supervisor “já foram partilhadas com diferentes representantes da instituição”, que não “as clarificaram”, e admite a possibilidade de “poderem eventualmente vir a ser supridas por um aditamento à garantia que clarifique inequivocamente os termos da mesma de molde a torná-la” válida face aos requisitos exigidos. O tema foi matéria das cartas trocadas entre o BdP e Salgado nos primeiros meses do corrente ano.

Em causa, estava a garantia emitida pelo Estado angolano a favor do BESA a “assumir a responsabilidade pelo bom e integral cumprimento das operações de crédito executadas” pela instituição com uma carteira de 5700 milhões de euros em créditos incobráveis ou de difícil recuperação.

O aval da república de Angola, com data de 31 de Dezembro de 2013, protegia o balanço do BES daquele ano da contaminação dos activos tóxicos da filial que concedeu empréstimos em larga escala a projectos inviáveis e sem saber quem era o verdadeiro devedor e se tinha capacidade para honrar os compromissos.

Ao contrário dos restantes bancos do mercado angolano, o BESA sustentou a sua actividade não em depósitos captados junto dos clientes, mas numa linha de financiamento aberta pelo Banco Espírito Eanto sem prazo. Assim que o BES foi intervencionado, Luanda desactivou a garantia pública e o projecto de Resolução do BES, que dividiu o banco em dois, acabou a contabilizar uma perda de 3000 milhões de euros, associada à operação angolana.

Assim, no final de 2013, o BES exposto ao GES, em situação financeira descontrolada, encontrava-se tecnicamente falido. Numa das cartas enviadas a Ricardo Salgado, pelo BdP, o regulador refere que, a 30 de Setembro, o passivo da Espírito Santo Internacional (grupo GES) já era afinal de 5600 milhões, muito acima dos 3900 milhões apurados três meses antes, Junho, e dos 3400 em Dezembro de 2012. Na sequência, Duarte Neves deu instruções para o BES apresentar um plano de resolução, pois os rácios de capital da holding demonstravam uma reduzida capacidade para absorver choques adversos.

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