Investidores equacionam processar BES, Banque Privée e supervisores

O Banco de Portugal garantiu que o BES tem fundos "reservados" para devolver aos clientes de retalho (particulares) as aplicações de 823 milhões de euros feitas em papel comercial emitido por sociedades do Grupo Espírito Santo.

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Acordo sobre BES Angola negociado ao mais alto nível. Sara Matos

Os corredores dos gabinetes de advocacia de negócio voltaram a animar-se com a expectativa de que os investidores do BES, que entraram no último aumento de capital, e os compradores de papel comercial das holdings da familia Espirito Santo possam avançar com processos judiciais contra o banco e o grupo familiar.

Movimentações que surgem num momento de grande turbulência: as acções do BES estão em desvalorização acentuada; o rating da instituição financeira voltou a cair; continua sem se conhecer o resultado das investigações a uma eventual ocultação de contas nas holdings luxemburguesas; os juros da dívida nacional sofrem a pressão da subida. 

O PÚBLICO apurou que grandes investidores institucionais estrangeiros (fundos e bancos) têm estado a contactar os gabinetes de advocacia de negócios para avaliar as hipóteses de virem a instaurar processos judiciais contra o BES e os supervisores (Banco de Portugal e Comissão do Mercado de Valores Mobiliários). O fundamento é o facto de o mercado não ter sido informado sobre a verdadeira situação financeira do grupo durante o último aumento de capital de 1,040 mil milhões de euros  (ainda que o prospecto os alertasse para a eventual revisão das contas). Em Maio, as acções do BES foram subscritas a 70 cêntimos, já com desconto, e hoje negociaram-se a 41 cêntimos.

O PÚBLICO sabe ainda que clientes do suíço Banque Privée, controlado a 100% pela Espírito Santo Financial Group (ESFG), e que têm tentado recuperar, mas sem sucesso, as suas aplicações, ponderam igualmente avançar para os tribunais. 

Ainda assim, os clientes particulares do BES que adquiriram 823 milhões de euros de papel comercial emitido por sociedades do grupo aos balcões da instituição financeira não vão perder o seu dinheiro. O banco assegurou liquidez, nomeadamente, por via da “garantia incondicional e irrevogável” de 700 milhões de euros que em Abril foi prestada pelo ESFG, que detém 20% do BES e cujos títulos continuavam ontem suspensos à negociação na Bolsa de Valores de Lisboa. A caução do ESFG destina-se a cobrir o papel comercial emitido pela Espírito Santo International (255 milhões) e pela Rioforte (342 milhões) e que o BES vendeu aos clientes particulares.  

Já os investidores institucionais não têm essa garantia de reembolso total ou parcial. Isto se o pior dos cenários se confirmar: a falência das empresas que emitiram a dívida. Em causa, neste segmento, estão 2,1 mil milhões de euros – 511 milhões de títulos de divida emitida pela ESI e 1,5 mil milhões pela Rioforte e subsidiárias. As duas holdings, com sede no Luxemburgo, já admitiram poder vir a pedir a protecção de credores. 

Para além da PT, que comprou 897 milhões de euros de papel comercial da Rioforte, também o fundo soberano da Venezuela que emprestou a esta holding centenas de milhões de euros (fala-se em 500 milhões) arrisca perder os fundos. O GES admitiu a entrada da Petróleos de Venezuela na Rioforte por reconversão da divida em capital, mas desconhece-se se esta intenção é para levar por diante.

A imposição de “protecção” dos clientes particulares do BES com aplicações no GES (realizadas por sugestão e intermédio do banco) partiu do Banco de Portugal, mas a medida de "salvamento" não se estende aos grandes investidores. O BdP entende que estes dominam o funcionamento dos mercados e detêm ampla informação sobre as empresas. E, sobretudo, possuem um conhecimento profundo dos riscos associados aos produtos financeiros em causa (o papel comercial). 

Os clientes de retalho do BES adquiriram ainda 44 milhões de euros de dívida de duas subsidiárias da Rioforte: a ES Saúde e a ES Property. Estas empresas, por gerarem receitas, podem reembolsar os credores. Há ainda 212 milhões relacionados com empréstimos ao ESFG. 

As últimas sessões de bolsa mantêm-se na trajectória de carrocel com o título BES a fechar em terreno negativo: ontem a cotação caiu 8%. A evolução mostra que a situação no GES não está estabilizada. 

As agências S&P e a Moody’s emitiram notas a reconhecer que o impacto da deterioração da situação não se irá reflectir no rating da dívida pública portuguesa. Mas a S&P alerta para os riscos de um agravamento das dificuldades do banco que é “altamente sistémico” para a economia nacional. Do mesmo modo a canadiana DBRS cortou o rating da dívida subordinada do BES em três níveis. As 3 agências alertam as consequeências do incumprimento do ESFG nos credores,

A trajectória de mercado traduz também a incerteza à volta do grupo sujeito a “exames” policiais e dos supervisores em várias praças financeiras, como a luxemburguesa e a portuguesa, nomeadamente, por uma alegada manipulação e ocultação de contas.  As averiguações abrangem vários veículos com a designação base de Eurofin, criados na órbita do ESFG, no Luxemburgo, e que podem (ou não) ter sido usados para permitir a não exibição de prejuízos reais ou potenciais de cerca de 2 mil milhões de euros.

Para além do clima que hoje rodeia o grupo criar um campo fértil ao aparecimento de processos judiciais, coloca também sobre pressão as entidades que nos últimos três anos fiscalizaram as várias sociedades ligadas à família Espírito Santo: - auditores, supervisores, troika (que fez inspecções regulares e minuciosas aos bancos em articulação com o Ministério das Finanças para apurar a exposição do BES e da ESFG aos grandes clientes) e agências de rating. Estas entidades estão também a ser visadas em processos judiciais.

O facto de as holdings ( ESFG, Rioforte, ESI) arriscarem megas processos justificou os pedidos sucessivos de demissões entregues nos últimos dois dias pelos membros da família Espírito Santo que têm liderado as sociedades insolventes e o grupo.

Ontem, o Wall Street Journal lembrou que em 2012 já havia sinais de que o GES estava em dificuldades. E questionava a razão pela qual os supervisores não intervieram no grupo mais cedo. 

Em Setembro de 2013, o PÚBLICO revelou que desde Maio de 2008, milhares de clientes do BES estavam a financiar em larga escala (um total de cerca de 2,2 mil milhões de euros) empresas do GES, através da subscrição de unidades de participação de dois fundos geridos pela ESAF-Espírito Santo Activos Financeiros. Os veículos eram apresentados aos clientes como tendo baixo risco. Em destaque estavam as holdings cabeças do GES (1,2 mil milhões), Espírito Santo International e a Espírito Santo Irmãos, e a Rioforte. Um sinal de que a situação financeira das sociedades estava a deteriorar-se e já não conseguiam ir levantar recursos fora do grupo.

 

 


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